28 de março de 2010

"Up In The Air" por Nuno Reis


Estamos na era da globalização. Empresas multinacionais e negócios intercontinentais são suportados pelas cada vez mais fáceis, rápidas e confortáveis viagens. A mesma cadeia presta exactamente o mesmo serviço por todo o globo. Com os cartões de milhas, passageiro frequente e todos os derivados, é possível ter tratamento preferencial e personalizado, num ambiente familiar, com mais conforto do que em casa. Estamos na era da crise. Os empregos não são para a vida e mesmo depois de 20 anos de bom serviço podemos ser convidados e não voltar no dia seguinte. Falências, redução de custos fixos, o termo não interessa, pôr pessoas na rua é uma realidade mais frequente do que contratar. Estamos na era da externalização de serviços. Tarefas desagradáveis são passadas para empresas externas, sem conhecimento da realidade da empresa cliente, sem ligações emocionais às pessoas. Por isso o melhor emprego, o único garantido, será... despedir os outros.

Companhia aérea, carro de aluguer, quarto de hotel, para Ryan Bingham são uma rotina. Sente-se mais num lar repetindo o mesmo processo em todas as cidades dos EUA, do que entre as quatro paredes que tem em casa. A sua vida é passada no ar, com pequenos intervalos em terra para despedir pessoas ou dar palestras sobre viagens. o mundo parece-lhe perfeito até que uma jovem colaboradora consegue mudar a política da empresa de forma a introduzir a video-conferência como ferramenta. Estará Ryan condenado a despedir pessoas confinado ao seu gabinete? Incapaz de perder as regalias que o tornaram quem é e que lhe dão prazer, vai ter de provar que o frente-a-frente é a melhor forma de redireccionar as pessoas para uma nova oportunidade.

Esta história tem essencialmente quatro personagens. De um lado temos a novata Natalie, melhor aluna da sua turma com conhecimentos de psicologia. Do outro o veterano Ryan, funcionário modelo que é orador quando se fala de viagens. Conhecimento versus experiência, teoria versus prática. É a clássica guerra dos sexos. É um conflito entre gerações, entre quem gosta de falar pessoalmente, com calma, e quem usa SMS's e internet para manter uma relação num mundo que parece demasiado lento. Além disso, ainda há Alex, outra viajante frequente com quem Ryan tenta sincronizar agendas para sexo sem compromissos. E há uma placa de cartão que tem de ser fotografada por todo o país, "como o gnomo daquele filme francês".

É uma história perigosa para quem esteja a pensar na vida. Frases como "Todos aqueles que construíram um império ou mudaram o mundo estiveram no seu lugar. E foi por aí estarem que foram capazes de o fazer." parecem clichés pouco eficazes, mas quando pergunta "Quanto lhe pagaram para desistir dos seus sonhos?" é um soco impossível de ignorar. Às vezes por necessidade do mercado tem-se um primeiro emprego longe da área que se pretendia, os anos passam e a carreira manteve o rumo na direcção oposta ao sonho. É preciso um abanão para retomar o trilho, e ser despedido funciona. Quando o mercado não nos procura, os sonhos tornam-se uma saída mais agradável do que qualquer outra.
No início o filme é chocante e um retrato frio de uma sociedade sem sentimentos. Insensibilidade é o que define Ryan, sem relações duradoiras, satisfeito com a conversa de circunstância, indiferente às pessoas que despediu. Acaba por ser um amigo pois com a sua experiência suaviza o processo de separação, mesmo que aja de acordo com os interesses do (des)empregador. Com o passar do tempo o filme entra na previsibilidade, apoiando-se no trabalho dos actores para chegar a bom aeroporto.

O argumento inicial tem quase dez anos, mas foi filmado na altura certa. Tal como no filme, quando acabaram os projectos convidativos Jason Reitman teve de voltar a pegar no seu guião favorito. O destino sabia o que era melhor para ele. Foi só reescrever as personagens para os actores escolhidos e saiu-se bem como é costume.
Sendo um filme especialmente eficaz para o público da tal geração desorientada (nascidos no início dos anos 70) não corre mal para os restantes, só não consegue ser um filme marcante. Para o público-alvo será magnífico. Para os outros tem apenas um início extremamente interessante e um belo twist final para o qual nos tinham alertado.

Título Original: "Up In the Air" (EUA, 2009)
Realização: Jason Reitman
Argumento: Jason Reitman, Sheldon Turner (adaptando Walter Kim)
Intérpretes: George Clooney, Vera Farmiga, Anne Kendrick, Jason Bateman, J. K. Simmons, Zach Galifianakis, Sam Elliott
Fotografia: Eric Steelberg
Música: Rolfe Kent
Género: Drama, Romance
Duração: 108 min.
Sítio Oficial: http://www.theupintheairmovie.com/

3 comentários:

Tiago Ramos disse...

Não achei o filme estonteantemente genial, mas gostei. E por quê? Primeiro porque é "oportunista" o suficiente para surgir na altura certa... a conjectura económica faz de Up in the Air um filme actual. Mas tocou-me principalmente porque me encaixo no público alvo. Não porque esteja desempregado, mas porque trabalho em recursos humanos e estou habituado a encarar essa realidade que é despedir pessoas. Nada fácil.

Nuno disse...

Genial também não diria. O primeiro acto é muito bom.

Bruno Cunha disse...

Acho que se enquadrou na época perfeita para ser visionado.
Up in the air é um feel good movie que todos vão gostar, uns mais e outros menos, e isso é que é irritante no filme, de resto, interpretações de louvar, especialmente do lado feminino e um bom twist final...

Abraço
Cinema as my World