7 de fevereiro de 2009

"Doubt" por Nuno Reis


Nas palavras do padre Flynn a dúvida pode unir as pessoas com tanta força como a certeza. Em 1964 a sociedade americana estava destroçada pela perda de JFK. Por ter dado um sermão sobre a dúvida lançou a suspeita na irmã Aloysius, a directora da escola da paróquia, que pede às restantes freitas para estarem atentas. É a irmã James quem primeiro vai falar com ela. Considera o comportamento do padre em relação a um novo aluno um pouco suspeito. Era o incentivo que a irmã Aloysius queria para iniciar uma luta sem tréguas pela punição e afastamento do padre. Mas terão as certezas dela fundamento? Estará um pedófilo a circular impune no recinto escolar, ou será uma demanda quixotesca contra um padre que apenas quer modernizar a Igreja?

A irmã James (Amy Adams) representa a opinião comum. Notou algo que lhe pareceu suspeito apenas porque lhe pediram para procurar algo. Caso não a alertassem não acharia as idas de um aluno ao gabinete do padre suspeitas e não estranharia a relação deles. A irmã Aloysius colocou-lhe a ideia do mal na cabeça. Com o desenrolar do filme é a única pessoa com dúvidas e é pelo seu apoio que directora e padre lutam. Uma performance de qualidade de Amy Adams. É inocente e ingénua, mas no meio de tantas dúvidas quanto ao padre e tantas acusações da irmã Aloysius não queremos estar do lado de nenhum deles neste duelo. James é a única pessoa em quem se pode acreditar.
Hoffman como habitualmente está fenomenal. Mesmo sendo acusado de actos terríveis o seu rosto nunca cede às acusações. O seu padre Flynn continua a tentar marcar a diferença na escola por falar com as crianças, usar unhas compridas, fumar e querer que se toque música popular de vez em quando. Tirando isso não sabemos nada sobre ele ou o passado que tanto esconde.
Com um só "Boy!" - dito em voz alta e fora do olhar das câmaras - Meryl Streep desfaz logo qualquer recordação agradável que o espectador tenha dela. Usando uma voz gélida e um ar sério, tão distantes da voz melodiosa e do rosto gentil usados no filme anterior, é agora a implacável irmã Aloysius, directora da escola. O seu olhar mortífero tem dois momentos inesquecíveis. Da primeira vez quando ao jantar olha para o chão, directamente nos olhos do espectador, e da segunda vez quando é interrompida por Mrs. Carson com um gato. No resto do filme quando fala todos se calam, paralisados pela voz da experiência.Excepções há só uma. Quando Mrs. Carter (Viola Davis) visita a escola a convite da directora parece um bocado lenta. Mas fora de portas as duas mulheres vão falar e finalmente a irmã Aloysius encontra oposição. Viola Davis conseguiu a nomeação para Oscar porque em apenas 5 minutos dá um espectáculo maior do que o filme. Não só tem a coragem de lhe responder como ainda revela coisas que dão toda uma nova perspectiva a quem assiste. Faz de um bom filme uma obra arrasadora.

O multi-premiado dramaturgo John Patrick Shanley volta a realizar quase vinte anos depois da estreia em "Joe Versus the Vulcano". Esta sua nova obra é baseada numa peça teatral do próprio que ganhou bastante prémios e a origem teatral revela-se algumas vezes na forma como foi filmado. Mas vir do teatro tem como vantagem a magnífica história ser muito limitada em número de cenários e em personagens e exigir o melhor de cada actor sem distracções secundárias. Aqui eles brilham, tudo o resto é acessório.

Não é um filme sobre uma religião em particular ou sobre religiões no geral, não é um filme sobre escolas. É sobre a sociedade e os medos que pairam sobre nós. Um normal filme sobre religião implica que se acredite, aqui para ter a experiência cinematográfica mais gratificante basta que duvide.



Título Original: "Doubt" (EUA, 2008)
Realização: John Patrick Shanley
Argumento: John Patrick Shanley
Intérpretes: Meryl Streep, Amy Adams, Philip Seymour Hoffman, Viola Davis
Fotografia: Roger Deakins, Matt Turve
Música: Howard Shore
Género: Drama
Duração: 104 min.
Sítio Oficial: http://www.doubt-themovie.com/

0 comentários: