17 de janeiro de 2010

"Avatar" por Nuno Reis


Avatar - O fenómeno do ano

Tenho de começar por dizer que não me considero grande fã de Cameron. Gostei dos "Terminator" e de "Aliens", o "True Lies" não posso dizer que seja mau e apesar de não acompanhar regularmente via "Dark Angel". Pensando bem, de forma simples, dos trabalhos de James Cameron eu só implico com "Titanic". Nunca o vi em cinema e quando deu na televisão vi em modo zapping, devo ter escapado a mais de metade do filme. Não me prendeu e com o frenesim causado "em cada 2 portugueses 3 viram o filme" fiquei de pé atrás em tudo o que se relaciona com o realizador. Isso coincidiu com a semi-pausa que ele fez da realização o que ajudou a melhorar a nossa relação. Foi nesse período que comprei o DVD "The Abyss".
Claro que mesmo assim quando "Avatar" foi anunciado tinha as minhas suspeitas. Meses de especulação passaram, semanalmente saía alguma informação mais detalhada e na fase final os trailers eram praticamente diários . Adiei a ida ao cinema enquanto me foi possível, esta semana não deu para escapar novamente. Depois de um mês a ouvir dizer bem e mal pus os óculos 3D e mergulhei no mundo de Pandora.

A presença humana tem três pólos fundamentais.
O lado militar quer assegurar a segurança dos humanos num ambiente hostil. O seu líder, o Coronel Quaritch, interpretação de Stephen Lang, deseja o confronto como Golias que tem o tamanho e a força para espezinhar tudo o que o rodeia. Não se preocupa com os seres que habitam Pandora desde sempre, pretende expropriar e dizimar para ficar com os recursos minerais à boa moda da Terra. Não culpemos os americanos, ao longo de séculos muitos fizeram o mesmo.
O lado empresarial quer extrair o mineral com lucro máximo. Giovanni Ribisi é o rosto do incapaz Parker Selfridge que não tem a coragem de se opor à opressão. Tenta ser humano, mas falta-lhe a convicção para fazer o que é correcto. Devia liderar a presença terrestre, mas é um fantoche do braço militar que por enquanto tolera a componente científica da expedição.
A fazer a investigação científica reencontramos Dian Fossey e um novo género de gorilas na bruma. Ao contrário de "Wall-E" onde quer destruir os humanos e da imortal Ripley que quer destruir os extraterrestres, Sigourney Weaver aqui é a moderada Grace Augustine. Botânica, linguista, o elo de ligação entre os dois mundos. O ódio de Quaritch por ela é recíproco.
Entre os peões deste jogo estão Trudy (Michelle Rodriguez), uma excelente piloto que dá apoio ao transporte de militares e cientistas. Norm Spellman (Joel Moore), um recém-chegado cientista com Avatar. Max Patel (Dileep Rao) um cientista que tem muito de espião. E finalmente o maior peão de todos: Jake Sully (Sam Worthington). Marine herda o Avatar do irmão cientista e parte para Pandora. Não sabe o que quer, a guerra e o ferimento incapacitante deixaram-no deprimido e insensível. Vai ficar perdido entre o desejo de ajudar Augustine cumprindo o sonho do irmão, o de ajudar Quaritch como foi treinado para fazer, e o de ajudar os nativos que o adoptaram.

A parte humana é essencialmente imagem real, ou próxima disso. Quando se está na exterior o mundo é tão diferente que é como se entrássemos nuns desenhos animados. Os nativos de Pandora são humanóides muito altos, de pele azul e com uma curiosa trança. Vivem da Natureza e em harmonia com ela. Sabem que são parte do ecossistema e respeitam-no para serem respeitados. Entre os Na'Vi há muitos clãs, os Omaticaya são os que já tiveram uma escola de Augustine e também são os que acolhem Jake. Entre eles destacam-se Neytiri (Zoe Saldana), filha dos chefes e professora de Jake. Tsu'Tey (Laz Alonso) líder dos guerreiros e sucessor ao trono. Eytukan (Wes Study) e Moat (CCH Pounder) são um casal e líderes do clã, ele como chefe e ela como xamã que se liga à Árvore das Almas, centro nevrálgico do planeta e divindade única. O resto do planeta é indescritível, fazendo lembrar as criações mirabolantes da BD "Valérian".

Falta falar do terceiro elemento da relação Homem-Na'Vi, os Avatar. Os Avatar são criações híbridas dos genes das duas espécies. Apesar de parecerem Na'Vi o cérebro que os ocupa é controlado remotamente por um humano, como em "Surrogates" só que seres biológicos. Grace, Jake, Norm e muitos outros entram diariamente na Matrix, perdão no ecossistema de Pandora, através desse alter-ego.
A nível de analogias só me ocorre mais uma. Nas cenas ao nível da floresta de Pandora só pensava no planeta Endor (o dos Ewoks) apesar de o novo ter mais riqueza visual. E quando Jake nos céus tenta abater a gigantesca nave, lembrei-me de Luke Skywalker no seu pequeno caça a enfrentar uma Estrela da Morte. Isso é bom sinal. Pode não ser original, mas tem um efeito que só grandes filmes causam.

Presos (financeiramente dependentes) a um mundo que não gosta deles, os humanos tentam familiarizar-se com o que os rodeia. Especialmente nos céus há muitas criaturas estranhas, mas o solo é ocupado por pró-lémures e muitos outros seres com equivalentes terrestres. Parecidos com rinocerontes, panteras, hienas e cavalos. Isso fez-me recordar um dos grandes livros de FC da minha infância, "Tunnel In the Sky" de Robert Heinlein, uma epopeia sobre estudantes perdidos num mundo hostil que identificavam os animais como coelhos carnívoros, ou outros nomes assim para se sentirem mais à vontade com eles. E claro, os stobors, inimigo desconhecido que lhes aterrorizava os dias e assombrava as noites. Até aí adorei o filme que não me parecia transcendente. Subitamente falaram de Ver. Não é o ver normal que fazemos com os olhos, é Ver. Algo que se faz com olhos, coração e mente. Em "Stranger in a Strange Land" - também um livro de Heinlein - falavam disso. A palavra era grocar (verbo to grok no original). Significa compreender, fazer parte de, ser um com. É admitir que fazemos parte de algo maior e todos estamos ligados. Aceitar a morte faz parte disso, ao morrer estamos a devolver elementos da vida ao conjunto.
Os Na'vi fazem essa ligação com a trança que referi à momentos. Com ela ligam-se aos cavalos, aos Banshee que os levam pelos céus ou à Árvore da Vida para recordar memórias dos que morreram. Por essa ligação em fibra óptica ficam a ser um só, sem segredos, por isso é que quando o fazem entre eles é o equivalente às relações sexuais humanas.

Os primeiros minutos foram curiosos. 2009 foi o ano em que o espaço voltou a ser atravessado pela Enterprise e em que as base espaciais se fixaram na Lua. O espaço já não é a última fronteira e a lua que se explora não é do terceiro calhau a contar do Sol. São precisos seis anos para chegar da Terra à lua Pandora, o único local conhecido onde se pode obter o Inobtanium. Quem se lembrou deste nome não pensou muito, não era neste campo que se exigia criatividade. O mundo de Pandora sim, exigiu alguma imaginação. Flora, fauna, seres inteligentes e um sistema neurológico partilhado por todos eles.
Após três horas de filme a história nunca deixou de ser previsível. Os únicos riscos corridos foram visuais, na narrativa e acção foi mantido um ritmo lento para não cansar antes das três horas. O resultado é que terminando o filme houve muitos momentos intensos, mas não há um único memorável. Não que me queixe da realização que me surpreendeu pela positiva. Com ou sem efeitos há detalhes que revelam a mestria de quem os fez. Mesmo assim tirando os efeitos especiais seria para pensar em sair passada a primeira hora. Além da novidade é a expectativa o que vale ao filme para manter as pessoas no lugar. Para filmes com efeitos especiais e sem história já há demasiados. Pelo menos não tiveram medo de matar personagens, se também aí fossem comedidos então seria a desgraça total.

A linguagem Na'Vi que tinha cerca de 100 palavras feitas vai ser estendida nos próximos filmes. Provavelmente com a trilogia completa o Na'Vi atingirá um estatuto semelhante ao Klingon, com a diferença de ter fãs mais jovens e portanto mais anos de vida pela frente. Mas será isso suficiente frente aos trekkies? Se a cada vinte anos sair uma nova linguagem o lugar que marcaram em breve perderá o significado, sobrando dentro de décadas para o Klingon a vantagem de ter sido a primeira. Todas as outras desaparecerão como lágrimas na chuva.

O cinema com este título ganha como arte visual. Perde como arte de contar histórias. Quem vence é, como sempre, o marketing que conquistou todos os recordes faltando apenas destronar "Titanic". Quanto aos próximos episódios não contem comigo. Se esta era a melhor história e me desiludiu assim tanto tenho medo de imaginar o que possa vir depois.


Título Original: "Avatar" (EUA, Reino Unido, 2009)
Realização: James Cameron
Argumento: James Cameron
Intérpretes: Sam Worthington, Zoe Saldana, Sigourney Weaver, Giovanni Ribisi, Stephen Lang, Michelle Rodriguez, Joel Moore
Fotografia: Mauro Fiore
Música: James Horner
Género: Acção, Aventura, Fantasia, Ficção-Científica
Duração: 162 min.
Sítio Oficial: http://www.avatarmovie.com/

7 comentários:

Anónimo disse...

Para classificares um filme como Avatar com 3 estrelas.... Não deves ter visto o mesmo que eu vi. Pelo filme justifica-se nota máxima, ou seja, 5 estrelas.

Nuno disse...

Ainda bem que os gostos são diferentes.

Eu vi um filme que não tem nada de original a nível de argumento. Vi um filme que não me agradou particularmente mesmo com as suas inovações visuais e que pelo factor novidade técnica surpreende menos que o "Final Fantasy".
Acima de tudo, um filme que não me dá vontade de rever.

Bruno Cunha disse...

O filme é um marco Cinematográfico a respeitos dos aspectos técnicos, no entanto perde no argumento.
Argumento cliché e já citado inúmeras vezes como plagiado de outras obras muito conhecidas.

Pandora está visualmente avassalador

Abraço
http://nekascw.blogspot.com/

Nuno disse...

Este fim-de-semana já ouvi comparações com muitos filmes, mas a melhor vou publicar de seguida.

Unknown disse...

Chamaram-me arrogante e escreveram mesmo que "tinha a mania que era crítica" só porque atribui as três estrelas a Avatar. É bom saber que não sou o único que foi à bola com o hype de Avatar. Só espro nã encontrar na rua um desses fanáticos.

Andre disse...

Na sua crítica não percebo de todo esta frase relativamente a Titanic: "Não me prendeu e com o frenesim causado "em cada 2 portugueses 3 viram o filme" fiquei de pé atrás em tudo o que se relaciona com o realizador". O que é que o facto de Titanic ter sido um sucesso comercial, faz com que o senhor fique de pé atrás relativamente a tudo o que o realizador faz? Outra questão: se nem sequer viu o Titanic do início ao fim (viu-o em zapping) como pode tecer críticas sobre o filme? Parece-me que há aí muitos preconceitos relativamente a James Camero mas, principalmente (tal como acontece em quase toda a crítica cinematográfica portuguesa), a filmes comerciais que levam o público ao cinema. Quantidade nem sempre é sinónimo de qualidade, mas também não são antónimos sr. Nuno Reis.
O resto da crítica gostei (e não, não li em zapping!).

Nuno disse...

Refiro especificamente que "dos trabalhos de James Cameron eu só implico com Titanic."

"Titanic" foi o filme mais visto na sua época, bateu recordes de forma impressionante sendo mais visto do que aquilo que se imaginava possível.
Não me fez ir ao cinema, na TV não me conseguiu prender.
Se o filme não é apelativo é um ponto contra. A única crítica que faço ao Titanic é precisamente essa. E para mim duas linhas num texto de 7000 caracteres é uma simples referência.

Tinha este preconceito, mas por isso é que previno os leitores. Só referi o "Titanic" porque era (à data) o grande rival de "Avatar" e porque não seria justo dizer mal do novo filme sem alertar que fui ver de pé atrás.

Quanto ao que a crítica portuguesa diz não sei nem me interessa, deixei de ler no geral, abrindo algumas excepções. Sei formar opinião e prefiro ver um filme a ler sobre ele.
Em 2008 o rei de vendas foi "Mamma Mia!" e dei-lhe 4 estrelas. Em 2009 foi "Ice Age 3" e também dei 4. Por vezes também filmes rentáveis me agradam. Não tem acontecido muito, mas não é ser do contra.