23 de fevereiro de 2014

"The Book Thief" por Nuno Reis

Não sei o que aconteceu para as artes terem redescoberto que a Segunda Guerra Mundial foi o período mais negro da nossa história e quererem retratar esse período com uma réstia de esperança a iluminar.
Eu diria que “The Book Thief”, do australiano de origem germano-austriaca Markus Zusak, era apenas um livro para young adults como tantos outros na moda. O investimento de 19 milhões na produção e o elenco internacional, seriam um exagero para o filme de Brian Percival (que tinha em “Downton Abbey” o mais importante feito do currículo), mais um sobre aquela guerra que nos satura. Dizia isso, até ver o trailer.
Foi algo na espectacular fotografia, na banda sonora (nova nomeação a Oscar para John Williams), nos olhos da protagonista. Este filme não tinha aspecto de ser “mais um”, não podia ser! Estava a sentir algo muito raro: era um filme com alma e para ver com o coração. Se ia fazer nova viagem ao inferno na Terra, ao menos ia num que me fizesse ter esperança em regressar.

O filme recebe-nos com pompa e circunstância. O nosso guia é a própria Morte e faz uma vítima ainda antes das apresentações estarem concluídas. Mas não é uma Morte cruel que leva as almas por maldade, é uma Morte apática que cumpre o seu dever de forma metódica, cumprindo os prazos que lhe são dados de forma que desconhecemos. E é uma Morte que, apesar de acompanhar a Humanidade desde o princípio dos tempos, por vezes tem curiosidade sobre o que nós somos. Há indivíduos que a perturbam e a fazem pensar sobre o que é a Vida. Liesel é uma dessas pessoas e nós depressa vamos perceber porquê. Primeiro, porque é uma lutadora. Apesar das dificuldades por que passa, nunca deixa de sonhar e de ser fiel aos seus princípios. Segundo, porque quer saber sempre mais. Faz perguntas, lê, explora. Terceiro, porque vê o mal no mundo e toma uma posição contra. Estas pessoas são raras.
Tudo o que o trailer prometia a nível visual e sonora está cumprido. A história que nos é contada não se distingue de muitas outras sobre famílias que esconderam judeus. É sobre uma família alemã na Alemanha em vez de ser dum território ocupado, o que aumenta a simpatia, mas, na prática, até diminui o risco. As autoridades locais são mais simpáticas que um exército invasor. Mas essa família é secundária pois o que interessa é a vida de Liesel. Como sorri apesar de todos os desafios que a vida lhe coloca, como desafia tudo e todos lendo livros proibidos, à semelhança do vizinho e melhor amigo Rudy que é o melhor corredor da escola e tem como ídolo Jesse Owens, o americano mais odiado pelo regime por ser negro e ter vencido os Olímpicos de Munique. Este encanto infantil e inocente, a alegria contagiante de Geoffrey Rush como pai dela, a ambígua mãe (Emily Watson) que tanto nos faz detestá-la como querer um abraço, e várias cenas impagáveis como as que o uniforme da Hitlerjugend vestido com indiferença nos trazem, fazem de “The Book Thief” um título obrigatório para visionamento caso ainda não tenham lido.

Quem vê muitos filmes até poderá esquecer que este em particular existiu, mas decerto recordará o sentimento, os valores a preservar, e aqueles olhos inquisidores que brilhavam durante a leitura. É portanto, um filme que tem a sua missão cumprida.

The Book ThiefTítulo Original: "The Book Thief" (Alemanha, EUA, 2013)
Realização: Brian Percival
Argumento: Michael Petroni (baseado no livro de Markus Zusak)
Intérpretes: Sophie Nélisse, Geoffrey Rush, Emily Watson, Nico Liersch, Roger Allam (narrador)
Música: John Williams
Fotografia: Florian Ballhaus
Género: Drama, Guerra
Duração: 131 min.
Sítio Oficial: http://www.thebookthief.com/

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