Uma mentira em corpo de filme
Periodicamente, Ridley Scott arranja maneira de dar a conhecer um filme que nos faz questionar se será mesmo este o autor de "Blade Runner" (1982). "Body of Lies" / "O Corpo da Mentira" é um deles. Mas não por sua inteira culpa - a adaptação para a tela pela mão do argumentista William Monahan, baseado no romance do jornalista David Ignatius é claramente deficitária.
Roger Ferris (Leonardo DiCaprio em registo de "
Blood Diamond", 2006), é um operacional da CIA a actuar no Médio Oriente, mais propriamente na Jordânia, Emirados Árabes Unidos e Irão. Falando fluentemente árabe, ao ponto de ser confundido com um local, Ferris responde perante Ed Hoffman (Russell Crowe), o qual comanda as operações no quartel-general em Langley, nos EUA, enquanto educa os filhos e os leva ao futebol.
Com o primordial intuito de capturar Al-Saleem (Alon Aboutboul), um terrorista islâmico de enorme valor, pela sua elevada posição na hierarquia de uma célula que visa alvos civis, urde um esquema que à partida parece perfeito: leva o grupo comandado por Saleem a supor que um simples arquitecto é o responsável por um ataque terrorista numa base norte-americana, com o intuito de finalmente o conseguir descobrir.
No meio deste choque civilizacional, Ferris começa a desenvolver uma relação especial com Aisha (Golshifteh Farahani), uma enfermeira jordana, isto porque usa aquele país para pôr em prática o seu plano - tudo à revelia de Hani (Mark Strong), chefe dos serviços secretos da Jordânia.
E é com este enredo que envredamos uma vez mais nas questões culturais entre o Médio Oriente e o resto do mundo, numa visão pouco cuidada e com alguns erros na abordagem histórica. Mas colocando de parte este pormenor, e salvo as devidas comparações, "Body of Lies" parece, em alguns momentos, um longo episódio de um seriado televisivo ao estilo de "The Unit". De facto, não existe um equilíbrio que permita definir um início, um meio e um fim, parecendo que cabe ao cinéfilo informar-se atempadamente de quem é cada um dos personagens, visto que eles nos são apresentados como velhos conhecidos e não como debutantes aos nossos olhos.
Esse facto seria menor, não fosse a inércia do argumento em oferecer profundidade às personagens - num elenco onde só se salva Mark Strong, no papel de chefe da secreta jordana, um aprumado homem em fatos de enorme qualidade, que controla tudo o que se passa no seu país, num registo James Bond do Médio Oriente. É que Leo DiCaprio surge novamente sem ter despido a vestimenta de Danny Archer (o traficante de diamantes de "
Blood Diamond"), o que do ponto de vista da construção de Ferris deixa muito a desejar. Por outro lado, Crowe terá interpretado o papel mais preguiçoso dos últimos anos, com uma versão insossa e desinteressada de um chefe operacional, que decide o movimentar das peças no teatro de guerra enquanto come os cereais no alpendre da sua casa.
O resto, uma enorme falácia de construção, com explosões e efeitos especiais quando se exigia contenção e abordagem vincadamente apoiada nos personagens, com um pseudo-romance metido à pressão para dar linha de avanço à história e inverossimilhanças constantes, numa enorme desilusão do realizador do aclamado "
American Gangster" (2007).