16 de dezembro de 2013

Online Film Critics Society anunciou melhores de 2013

A Sociedade de Críticos Online de Cinema anunciou os melhores do ano e a vitória de "12 Years a Slave" foi clara com troféus em cinco categorias: filme, argumento e três das quatro interpretações. O prémio que escapou foi o de Melhor Actriz Principal que foi para a favorita Cate Blanchett em "Blue Jasmine".

O outro destaque foi para "Gravity" também com cinco e que até venceu em categorias não-oficiais - ou seja, a sua qualidade extraordinária obrigou à atribuição de um prémio especial. Isso aconteceu em Design de Som e Efeitos Visuais, além de Alfonso Cuarón ter vencido o galardão para Melhor Realizador a que se juntaram Montagem e Fotografia. Uma obra-prima da técnica cinematográfica a ser estudada por muitos anos como Cuarón nos vem acostumando.

Para fechar, uma referência ao falecido Roger Ebert cuja carreira na crítica convencional e online muito contribuiu para dignificar este formato.

Melhor Filme: 12 Years a Slave
Melhor Animação: The Wind Rises
Melhor Filme em Língua Não-Inglesa: Blue Is the Warmest Color
Melhor Documentário: The Act of Killing

Melhor Realizador: Alfonso Cuaron - Gravity
Melhor Actor: Chiwetel Ejiofor em 12 Years a Slave
Melhor Actriz: Cate Blanchett em Blue Jasmine
Melhor Actor Secundário: Michael Fassbender em 12 Years a Slave
Melhor Actriz Secundária: Lupita Nyong'o em 12 Years a Slave

Melhor Argumento Original: Her
Melhor Argumento Adaptado: 12 Years a Slave
Melhor Montagem: Gravity
Melhor Fotografia: Gravity

Prémio Especiais:
Melhor Design de Som e Efeitos Visuais para Gravity
Para Roger Ebert, por inspirar tantos dos nossos membros

A OFCS tem quase 271 membros de dezasseis países e está representada em Portugal por Paulo Peralta, Tiago Ramos e Nuno Reis.

6 de dezembro de 2013

Votações para os TCN aproximam-se do fim

Estamos naquela altura do ano em que costumam ser bombardeados com pedidos de voto. Este ano, por entre idas ao cinema e filmes em casa não houve grande promoção. Claro que, como ainda sobram 34 horas para votarem, este pedido chega a tempo.

Entrevista
Javier Botet (Eu)
Melissa Leo (autor SFW)

Site
APS Portugal (parceiro Antestreia)

Crítica de TV
--

Iniciativa (colaborei em todas)
À Boleia
CBA 2014
Posters Caseiros
Um Filme, Uma Mulher

Artigo de Cinema
Big Brother, o Livro, o Filme (Eu)

Novo Blogue
--

Reportagem
Not a Film Festival (autora SFW)

Blogue de TV
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Crítica de Cinema
--

Blogue Colectivo
SciFiWorld Portugal
Também podem votar Portal Cinema (autor SFW)

Artigo de TV
Reality Shows em Portugal (autor SFW)

Rubrica
--

Blogue individual
Not a Film Critic (autora SFW)

Blogger do Ano
João Pinto (autor SFW)
Rita Santos (autora SFW)


Não se compara com outros anos, mas não foi mau de todo.

A votação, para quem não se lembra, é em Cinema Notebook, na barra lateral. Nâo deixem para amanhã o que podem votar hoje.

Obrigado pelo vosso tempo.

13 de novembro de 2013

"About Time" por Nuno Reis

O tempo é a maior bênção de todas

Quem nunca sonhou ter super-poderes? A capacidade de fazer coisas extraordinárias e se distinguir dos demais. Enquanto na infância são coisas banais como ter força, velocidade ou voar, com o avançar do ano já se pede uma coisa bem mais simples: mais tempo. O novo filme do enorme Richard Curtis vai brincar com esse conceito, mas de uma forma mais próxima da comédia romântica do que do nosso familiar fantástico.

Curtis pode ter conseguido o seu lugar na história do entretenimento com personagens como Blackadder e Mr. Bean, com argumentos como "Four Weddings and a Funeral", "Notting Hill" e "Bridget Jones’ Diary", mas foi quando se tornou realizador que se superou. Ao excelente trabalho como argumentista, juntou clássicos modernos como "Love Actually" - o filme ideal para esta época natalícia – e o bastião flutuante da música "The Boat That Rocked". Claro que não se lhe exigia nada menos do que repetir o fenómeno. Pedia-se o impossível. Para expectativas tão altas, Curtis foi em busca dos melhores. Para protagonista, uma surpresa! Downhall Gleeson ("Shadow Dancer", "Anna Karenina") tem aqui o seu primeiro grande papel depois de uma carreira promissora no segundo plano. A compensar o desconhecimento do grande público sobre ele, como interesse amoroso está a sobejamente conhecida Rachel McAdams (do filme lamechas preferido de todos "The Notebook") que tem adorado fazer cinema europeu como se prova pelos exemplos recentes "Midnight in Paris" e "Passion" e já teve a sua dose de assistir a viagens no tempo (adicionemos o óbvio "The Time Traveler’s Wife" à lista).

Enquanto McAdams volta a ser a miúda perfeita capaz de dar a volta à cabeça de qualquer homem e se move com naturalidade no romance e comédia, Gleeson leva em ombros a parte mais difícil do filme. É ele que tem de fazer com que o público desse género de filmes se fascine e se deixe levar pela magia. Interpreta Tim, um jovem capaz de viajar no tempo e que usa esse poder para fazer do seu mundo e dos que o rodeiam um lugar melhor. Quando algo está mal, um momento de concentração e puf, tem a oportunidade de fazer o que não foi feito, corrigir o que disse mal, eliminar os momentos mais deprimentes da sua vida. O pai dá-lhe dicas sobre o que pode ou não fazer e sobre quais devem ser as suas prioridades, mas esse grande poder, como todos os que sonharam tê-lo imaginam, traz grandes responsabilidades e só Tim pode decidir o que vale a pena mudar.

Este romance entra em terreno perigoso com tal sinopse. Com uma produção americana seria um desastre seguramente. Mas a visão de Curtis é especial. Ele conseguia tornar qualquer porcaria num sucesso de bilheteira e ninguém deixaria de gostar dele por isso. Dá uma tal naturalidade às coisas que repete o fenómeno de Notting Hill e Love Actually: pode ser uma história de amor impossível, mas é credível simplesmente porque nos faz acreditar. O que Tim vai fazendo e sentindo, é o que o espectador pensa. O que faria por amor àquelas pessoas. E a moral final é exactamente aquela que tantas vezes ouvimos das pessoas mais velhas e não percebemos ou não tornamos realidade antes de ser demasiado tarde. Não é preciso reviver melhor, desde que se viva cada dia ao máximo.

About TimeTítulo Original: "About Time" (Reino Unido, 2013)
Realização: Richard Curtis
Argumento: Richard Curtis
Intérpretes: Downhall Gleesom, Rachel McAdams, Bill Nighy, Lydia Wilson, Lindsay Duncan, Tom Hollander
Música: Nick Laird-Clowes
Fotografia: John Guleserian
Género: Comédia, Fantasia, Romance
Duração: 123 min.
Sítio Oficial: http://www.abouttimeintl.com/

9 de novembro de 2013

"Now You See Me" por Nuno Reis

Magia é ilusão

Qualquer progresso científico suficientemente disruptivo é considerado magia. De outra forma não teria piada. O cinema documental dos Lumiére até que depressa se tornou um entretenimento banal, mas quando o ilusionista Georges Méliès lhe aplicou os seus truques, passou a ser chamado de magia. Essa grande ilusão ainda hoje perdura. As pessoas correm para as salas de espectáculo que lhes proporcionem experiências mais estranhas, mais fora do comum, mais mágicas. Nâo foi por acaso que acima usei a palavra espectáculo para identificar a sala.
Se em tempos o rei do espectáculo era o ilusionista, com os seus passes de prestidigitação, hoje não há dúvidas que são os cineastas. Homens e mulheres capazes de nos transportar para outros locais e outras épocas, ou mesmo para mundos de fantasia onde o impossível acontece diariamente. Mas o respeito entre estes artistas é imenso e não é normal cruzar os temas. Tivemos casos recentes como "L’Illusioniste" onde o importante não era a arte do engano, mas a parte humana da história, e "The Prestige" que fez com que todos se achassem capazes de desmascarar um ilusionista como fraude. Mas a verdade é que quando o artista assume o nome de ilusionista não está a mentir. Assume que o que vai fazer é uma ilusão, um truque óptico.

A história do filme acompanha quatro artistas que são unidos por umas cartas misteriosas. Se em separado eram bons, em conjunto são incomparáveis e os maiores mágicos de sempre. Apoiados por um magnata, vão dar uma série de espectáculos onde o impossível acontece. Mas nem toda a gente gosta de ser enganada. Há um polícia que os quer prender por roubo e um ex-ilusionista que ganha a vida revelando os truques dos outros. E quanto maior a fama do ilusionista, mais apetecível essa revelação. Como podem quatro indivíduos enfrentar a polícia, os homens do dinheiro e o maior especialista em desfazer ilusões? Com magia.

Now You See Me” é uma reconciliação entre os mundos do cinema e do ilusionismo. A arte da ilusão atinge todo o seu potencial de deslumbramento no grande ecrã e só os mais básicos dos truques são revelados de forma a manter o mistério. Aliás, contem com atenção o número de vezes que falam de ilusionismo. Os dedos de uma mão bastam. A palavra-chave usada ao desbarato é Magia pois o espectador do filme tem de estar no estado X-Files (I want to believe) para se deixar levar. E como funciona. Os efeitos especiais propiciam um alcance que o ilusionismo actual nunca conseguiria e assim os quatro cavaleiros surpreendem todos. Falta saber se eles são os bons, os maus, ou se estão simplesmente a ser manipulados por alguém com outros interesses. Interpretações surpreendentes de todos os actores que podem adicionar este projecto ao currículo com orgulho pois não será um exagero dizer que não fizeram nada tão bom em muitos anos.

Com uma narrativa envolvente, muita intriga, acção, e truques de ficar com o queixo caído, o filme heist de Louis Leterrier é bastante inteligente e convence como qualquer ilusionista gostaria. Há detalhes que não são tão credíveis (o truque grande do segundo espectáculo é o mais escandaloso), e o twist final não é uma surpresa completa, mas perdoa-se pois o filme no seu todo funciona e o seu visionamento será uma bela experiência para os sentidos e para a mente.

Now You See MeTítulo Original: "Now You See Me" (EUA, França, 2013)
Realização: Louis Leterrier
Argumento: Ed Solomon, Boaz Yakin, Edward Ricourt
Intérpretes: Jesse Eisenberg, Mark Ruffalo, Woody Harrelson, Isla Ficher, Dave Franco, Morgan Freeman, Mélanie Laurent, Michael Caine
Música: Brian Tyler
Fotografia: Mitchell Amundsen, Larry Fong
Género: Crime, Mistério, Thriller
Duração: 115 min.
Sítio Oficial: http://www.nowyouseememovie.com

3 de novembro de 2013

"The Internship" por Nuno Reis

Há muito tempo, mas nesta mesma galáxia, vi um filme chamado “AntiTrust”. Apesar do seu elenco de renome, foi um tema demasiado marginal para ser um sucesso e apenas funcionou com um pequeno nicho. Aquele nicho dos adolescentes visionários que adivinhavam o potencial da informática antes dos chavões e da liberalização fazerem com que qualquer um se achasse intendido no assunto. Era a época das dotcom e dos sonhos computadorizados, a época em que um jovem numa garagem podia fazer toda a diferença. Era eu em potência.
Os anos passaram, a informática superou as expectativas de qualquer um, intrometendo-se por completo na vida das pessoas e acabando com a individualidade. As startups e o empreendedorismo tornaram-se vocabulário corrente, provando que a tal ideia teria de vir cada vez mais cedo, enquanto eu caminhava para velho. O sonho de fazer aquela descoberta revolucionária que mudaria o mundo foi-se esbatendo, mas não morreu.

Doze anos depois, vivemos num novo paradigma. Parece que já foi tudo inventado, que não há mercado para novas ideias e novos talentos, e, quando há, alguém chega lá antes de nós. Mas é também a era da falta de privacidade, das empresas multinacionais malignas, dos computadores e da rede quase como um inimigo da Humanidade e da individualidade. A maldita obrigação de estar sempre online e de manter uma amizade virtual com pessoas que não víamos desde o infantário e cuja vida seguiu um rumo diferente, cujas fotos de família não nos poderiam interessar menos e no entanto nos aparecem na página de entrada.
Há muitas formas de evitar isso. Gerir bem as permissões. Simplesmente ignorar as pessoas. Não ter uma presença online. Não falta por onde escolher. Mas de uma forma ou outra, acabaremos sempre ligados e teremos de confiar em alguma das coorporações. A única que se vai safando, apesar do ocasional escândalo, das legislações nacionais em constante desafio, da concorrência feroz, é a Google. Conhecida e usada por todos, odiada por praticamente ninguém, é ainda hoje um bastião dos valores das primeiras empresas tecnológicas, dos jovens que numa garagem ousaram sonhar com um mundo melhor, das empresas que estão focadas no cliente e nos funcionários e não apenas no lucro. Doze anos depois e com a informática de consumo generalizada, “Antitrust” continua a ser um filme para uma minoria, mas um filme sobre entrar na Google, aplica-se a vários milhões mais. É um sonho que mesmo quem não tem, percebe perfeitamente.

“The Internship” não é um anúncio à Google. Pode ter o apoio oficial - não só usam a marca exaustivamente como o patrão Sergey Brin tem um cameo - mas não seria nunca a forma como o G mais famoso do mundo se apresentaria. Não é fiel ao que será o processo de selecção Google ou qualquer empresa. É uma comédia que tem lugar na Google, como algumas tiveram em busca dos hambúrgueres White Castle, e imensas passam por um Starbucks ou McDonalds. De tão conhecida que a Google é, não é publicidade encapotada, é um cenário familiar a todos. Como comédia, pode ser semelhante a trabalhos anteriores dos envolvidos actores e realizador envolvidos, o que conta é a mensagem de vida. Dois vendedores com quarenta anos vêem-se a ter de começar a vida do início depois de a sua empresa fechar. Se vão começar de baixo, o melhor é estarem perto do elevador e vão tentar entrar na Google, a melhor empresa do mundo, a empresa do futuro. A sua visão pode ser antiga, mas não são retrógrados. Estão lá para aprender tanto como para ensinar e vão deixar uma marca.
Por sorte consegui apreciar completamente o filme. Tanto compreendo uma geração que se sente defraudada pelas expectativas e teme o que a tecnologia trará, como a geração que vive num mundo electrónico e sonha com um futuro brilhante que se resume a ter um emprego. Tão depressa percebo a referência cinematográfica de quem viveu os 80, como a ausência de referências culturais da geração que nasceu nos 90. Percebo que o filme foi escrito por pessoas que têm uma visão um bocado limitada, só viram um dos lados da questão - o lado velho - mas ao menos esforçaram-se em construir um produto que também é bem recebido pelos jovens. Claro que as falhas são óbvias para quem sabe do que falam, mas como dentro do tema das tecnologias nenhum filme consegue ser correcto e envolvente, prefiro um que agarra o espectador desensinando pouco, a um que agarre baseado em mentiras ou um que seja cientificamente correcto e não interesse a ninguém.

Estando a chegar a época de férias, deixo uma forte recomendação para que seja o primeiro visionamento nesse período de ócio. Dá para por momentos nos sentirmos mais jovens e recordar o que é a Googleness, aquela capacidade de fazer o mundo avançar em harmonia. É a altura ideal para fazer algo de louco e disruptivo. Ou ser preguiçoso, ir ver outro filme e esperar que isto passe. Depende dos efeitos e da força de vontade em cada um.

The InternshipTítulo Original: "The Internship" (EUA, 2013)
Realização: Shawn Levy
Argumento: Vince Vaughn, Jared Stern
Intérpretes: Vince Vaughn, Owen Wilson, Rose Byrne, Aasif Mandvi, Max Minghella
Música: Christophe Beck
Fotografia: Jonathan Brown
Género: Comédia
Duração: 119 min.
Sítio Oficial: http://www.theinternshipmovie.com

25 de outubro de 2013

Nomeados TCN 2013

No ano em que mais candidatos concorreram aos TCN, os nomeados foram os seguintes:




O Antestreia está em Artigo de Cinema com "Big Brother - o livro e o filme".
De destacar as nomeações SciFiworld com Entrevista, 2 x Blogger e várias nomeações dos seus autores noutras categorias.

Para verem todos os nomeados visitem o Cinema Notebook.

20 de outubro de 2013

"Enemy" por António Reis

Saramago adaptado em Enemy

A genialidade de José Saramago não se mede apenas na literatura, mas também na capacidade de atrair realizadores de múltiplas origens que não resistem ao apelo de adaptar os seus textos.
Com projectos mais falhados como “A Jangada de Pedra” de George Sluizer ou super-produções como “Blindness” de Fernando Meirelles, passando por incursões de “A Flor Mais Grande do Mundo” ou da longa-metragem de António Ferreira "Embargo”, a ficção de Saramago tem ainda muito para ser explorada. Em Sitges, “Enemy” de Denis Villeneuve – conhecido em Portugal por “Incendies” que foi nomeado a Oscar – conquistou o Méliès d‘Argent para melhor filme fantástico europeu do festival.

Baseado em “O Homem Duplicado” e contando com uma dupla soberba interpretação de Jake Gyllenhaal, “Enemy” constrói-se nesse conflito de um homem que descobre incrédulo um outro Eu, um clone com uma outra existência, um outro emprego, uma outra vida familiar.
Num crescendo de intensidade dramática onde Gyllenhaal cria dois personagens de temperamentos diferentes, cedo se perde qual é o genuíno eu e o seu alter-ego. Da dificuldade em admitir uma existência duplicada, até ao desejo voyeurista de saber como será esse outro eu, vai um pequeno passo. E daqui até ao desejo de mudar a vida e de ocupar o lugar do outro/ele próprio, apenas uma pequena fronteira o separa da loucura.

O fantástico é ainda mais assustador quando se cria a partir de uma situação plausível. De uma perda progressiva das rotinas a que nos habituamos. Afinal nada está seguro, tudo é incerto.

Num festival onde o terror costuma ser a nota dominante, aparecer um filme que obriga o espectador a reflectir sobre o sentido da vida é uma autêntica pedrada no charco da programação. Mas o prémio e os aplausos do público provam que há espectadores inteligentes para filmes inteligentes.

EnemyTítulo Original: "Enemy" (Canadá, Espanha, 2013)
Realização: Denis Villeneuve
Argumento: Javier Gullón (baseado no livro de José Saramago)
Intérpretes: Jake Gyllenhaal, Sarah Gadon, Mélanie Laurent, Isabella Rossellini
Música: Danny Bensi, Saunder Jurriaans
Fotografia: Nicolas Bolduc
Género: Thriller
Duração: 90 min.
Sítio Oficial:

Entrevista ao produtor Samuel Hadida


No passado mês de Junho, o Antestreia teve a oportunidade de entrevistar o produtor Samuel Hadida no NOCTURNA.


Antestreia: Tendo nascido em Casablanca, o que pensa do filme? É um título incontornável do cinema e decerto ouve falar dele constantemente. Mas definiu de alguma forma a sua paixão pelo cinema?
Samuel Hadida: É um filme que estimo muito. Um filme que adoro muito. É um filme que, ao longo da minha juventude em Casablanca, o meu pai costumava mostrar-nos. Também me fez amar o cinema.

A: Olhando para a sua carreira como produtor, vemos grandes filmes desde o início. Foi sorte, foi ter os contactos certos...
SH: Qual deles?
A: Podemos começar por “True Romance”, Killing Zoe”, “Crying Freeman”... começou da melhor forma possível.
SH: Nessa época íamos a Los Angeles em busca de pessoas, de novos talentos. Como me queria tornar produtor, estava à procura de uma nova colheita, um novo tipo de pessoas que tivesse uma voz. [...] O realizador Sheldon Lettich, que estava a dirigir o filme que eu distribuiria, “Lionheart”, com Jean-Claude Van Damme, disse-me “sei que procuras alguém como eu, para escrever argumentos, mas sou demasiado caro para ti. Tens de arranjar gente nova.” Eu concordei que era melhor ideia e então ele apresentou-me, comecei a conhecer pessoas, descobri o Quentin Tarantino e falamos de um filme queria eu fazer. Achei que ele estava a pensar numa boa história e perguntei-lhe como seriam os diálogos, ao que ele diz “eu tenho um argumento, “True Romance”, que ninguém quer fazer. Mas é bom material”. Eu disse que não queria fazer um romance ao que me diz “lê isto”. Li-o e, uau, era fantástico. Portanto avisei-o logo “olha, volto cá daqui a um par de meses. Sei que o filme ainda está com direito de opção, mas se quando voltar ainda não tiverem usado os direitos, eu faço este filme”. Voltei em Fevereiro ou assim, tinham passado uns meses e ninguém tinha pegado no filme, ninguém tinha gostado da estrutura, ou de alguma cosia. E foi assim que começou. Foi um tipo a quem dei uma oportunidade, e com o dinheiro que lhe dei, ele escreveu “Reservoir Dogs”.
Muita gente não tem uma oportunidade de se expressar e em Los Angeles, qualquer lugar a que se vá o empregado é músico, o barman é escritor, e o outro é outra coisa qualquer. Têm de trabalhar, mas estão todos numa comunidade de trabalho e temos de encontrar o tipo certo. Eu tive a sorte de encontrar aquele que tinha uma voz e tinha algo. E Lawrence Bender [co-produtor com Hadida] também estava nesse “Lionheart”, era um figurante. E juntos fizeram “Reservoirs Dogs” que ele [Tarantino] escreveu e enviaram ao Harvey Keitel. Foi tudo acontecendo.
Christophe Gans, quando o conheci, foi muito especial. Foi como o Nocturna, era o meu primeiro festival e fui ver uma sessão dupla ou tripla, do meu filme. E com o meu filme passou essa curta, “Silver Slime”. O meu filme, que apresentava como distribuidor, era o “Evil Dead”, o Sam Raimi veio, fui ter com ele e perguntei quem tinha feito a curta. Fui ter com ele [Gans] e perguntei se ainda estava a estudar. Como estava, disse “quando acabares a escola, gostei do teu filme, vem ter comigo e talvez façamos um filme”. Ele agradeceu, mas queria ser jornalista. Porque em França, François Truffaut e muitos outros, fazem o curso, depois tornam-se jornalistas, depois críticos, e por vezes fazem filmes depois disso. Ele trabalhou na Starfix, uma revista muito importante nos anos 80. Disse-lhe que quando quisesse, para vir ter comigo. Quando ele veio, desenvolvemos uma história, acabamos por fazer “Necronomic” e “Crying Freeman”.
É no momento certo encontrar pessoas que tenham a voz, ou o aspecto, algo. É o talento de um produtor, encontrar as pessoas certas.

A: Tarantino foi rejeitado devido à estrutura singular, e agora serve de referência.
SH: Absolutamente. Mas durante anos, não conseguiu fazer o seu filme e eu não consegui fazer o filme. “True Romance” só se tornou algo concreto, quando o passamos para um estilo linear. Há uma estrutura “True Romance” que é à la Pulp Fiction”, as pessoas morrem, regressam, etc, mas quando Tony Scott o viu - ele aceitou fazer o filme, porque em Sundance Terry Gilliam, Monte Hellman e Tony Scott tinha feito um Sundance Lab onde deram conselhos a Tarantino e quando o viu, quis saber quem tinha os direitos - não percebia o estilo, o estilo pulp Fiction, a marca registrada de Quentin. Por isso passamos o argumento para um formato linear, Quentin também adorou e só precisou deste retoque para ser um filme de Hollywood.

A: Os seus filmes têm uma mistura do cinema europeu com o americano. Tanto faz ser Christophe Gans ou Roger Avary, há sempre algo universal. Isso foi da época ou é algo que procura nos argumentos?
SH: Isso deriva totalmente do meu amor pelo cinema americano. Como disse nasci em Casablanca onde via exclusivamente filmes americanos por isso cresci a ver filmes americanos.Também vi filmes de Bollywood (risos), muitos filmes de Bollywood. Mas o que conhecia melhor eram os filmes americanos, os padrões americanos. Depois quando estava em França, e mesmo querendo fazer cinema francês, achei melhor ganhar experiência nos Estados Unidos e só depois fazer filmes franceses. Mas assim que tocamos aquilo que adoramos, ficamos completamente envolvidos. Eu estava a reunir-me com pessoas que também tinham uma forte ligação. Quando conheci Tarantino, ele conhecia Jean-Luc Godard, a companhia A Band Apart foi chamada assim por causa de um filme francês... e o Roger [Avary] também, eles têm uma ligação à Europa. Quando falam de amor, de cultura, de tudo, falam sobre a Europa. Eu tinha chegado da Europa a procura de uma visão americana e encontrei pessoas que tinham um sentimento e ligação europeus. A ligação foi imediata. Tal como o Christophe Ganz, percebiamos o cinema da mesma forma, tinhamos a mesma natureza, viviamos no mesmo mundo, queriamos trazer o mesmo tipo de história para o ecrã. E também uma cultura europeia quer queriamos usar no cinema americano. Foi um choque de duas culturas que criou uma voz distinta.
Se virmos hoje em dia, este tipo de pessoas são ainda grandes talentos na América. Imensos ingleses, Guillermo Del Toro, vozes de Espanha, vozes da Escandinávia... Temos de gerar o tipo de sentimento que influencie o cinema americano, porque o cinema americano sem foi influenciado por europeus, sempre houve uma mistura. Dizemos que a América é uma mistura de culturas e este é um desses casos. Os europeus chegam trazendo novas ideias, conhecem outras pessoas - americanos que adoram cinema europeu e dizem que o cinema americano é demasiado pipoca - encontramos outra dimensão para o que sentimos e para o que fazemos, para os filmes.

A: Costuma começar o filme pelo argumento.
SH: Sim.
A: Compra um argumento e procura a pessoa certa para realizar. Alguma vez sentiu que havia algo que o dinheiro não pudesse comprar?
SH: Que o dinheiro não possa comprar?
A: Não ter conseguido o realizador certo, ou não ter o actor ideal para o papel...
SH: Não nos podemos colocar numa posição de fazer o filme mais incrível possível. Encontramos uma história que queiramos contar, e depois procuramos os ingredientes. É como cozinhar. Se não tivermos fome, não vamos fazer um porco de 150 quilos. É demasiado. Basta fazer uma tortilla. Depende. Sinto que cada vez mais o extravagante é fazível. Porque antes tinhamos ideias e não as conseguíamos concretizar. Era preciso muito dinheiro. Não se tem todo o dinheiro do mundo, mas é preciso algum dinheiro. Por exemplo, o projecto “Zero X”. Trabalhei no orçamento dele por muito tempo, era uma obra importante. Queriamos fazê-lo como algo extravagante, sci-fi, ciberpunk. Hoje pode ser fácil, mas há quinze anos quando quis adaptar este universo com um toque tão especial entre os comics, é preciso saber como lidar com isso. Organizei uma história que poderia ser feita, pensei no Marco Brambilla porque tinha feito o “Demolition Man” que era fixe, talvez tivesse uma voz. Mas era impossível. Demasiado sexo, demasiada violência, demasiados efeitos especiais, um ciborg que para estar bem tinha de ser como os de hoje, em computador, com efeitos CGI.. Hoje em dia é perfeito para ser feito. Na altura, nem que tivesse todo o dinheiro do mundo poderia fazê-lo. Depende de muitas coisas.
A: É preciso esperar pela altura certa.
SH: Pela altura certa e pelo momento certo para fazer o filme.

A: Uma vez produziu “Rhinoceros Hunting in Budapest” e depois adaptou “Salmon Fishing in Yemen”. O primeiro filme não foi bem recebido, o segundo saiu-se melhor, até teve alguns prémios, mas foi algum processo de redenção ou não há relação?
SH: (apontando para a câmara) O que vou dizer pode ser ouvido pelo Michael Haussman. Como produtor estava à procura de um realizador. E quem eu queria, Michael Haussman, conheci por acaso. Estava à procura de um realizador para fazer o remake de um filme que ia ter lugar em Espanha. por acaso agora estamos em Espanha, mas eu estava à procura de alguém que tivesse a sensibilidade espanhola. Podia ter ido pelo realizador que fez “Jamón, Jamón” [Bigas Luna] que era muito quente, muito sexy para a altura, mas vi um videoclip de Madonna. Michael Haussman tinha acabado de fazer um videoclip para a Madonna com um toureiro numa grande arena. O estilo, a ligação com a música, a edição, os sentimentos, fizeram-me querer trabalhar com aquele realizador.

Conheci o realizador, falamos e ele estava totalmente interessado. Mas achou que seria complicado e quis ver o original. É de Sternberg, “The Devil is a Woman”. Mostrei-lhe o filme, ele gostou e quis escrever o guião. Fomos escrevendo, gostamos e queríamos fazê-lo, mas ele virou-se para mim “Sabes Samuel, tenho um projecto em mim, chama-se ‘Rhinoceros Hunting in Budapest’, tenho de retirar este filme do meu corpo antes de fazer o teu. Podes fazer-me isso?”. Não era o meu filme, era o filme dele, mas concordei. Fiz o filme dele, porque por vezes temos de dar, para receber. Fiz o filme dele, ajudei-o a produzir e financiar esse filme, e fomos fazer “Rhinoceros Hunting in Budapest”. Não foi com a minha influência de produtor, foi com a minha influência de receptor. Para fazer um filme é preciso dar e receber, é preciso falar com pessoas, por vezes não basta esperar por algo. Temos de saber o que pensam disso, temos de estar abertos a sugestões, e ele estava com a ideia de fazer “Rhinoceros Hunting in Budapest”. Eu concordei e talvez tenha sido uma benção porque acabei por não fazer o filme que queria com ele. Ele perdeu o filme que eu ia fazer com ele, mas eu ganhei o filme dele. Por vezes as pessoas têm outros planos. Como produtor temos de encontrar o nosso sítio, para onde vamos, onde ficamos.
A: E “Salmon Fishing” foi uma coincidência?
SH: Foi uma história de que gostamos muito. O livro era romântico, tinha uma história implícita de paz, um mundo em comunidade, tal como eu que vim de Marrocos e conheci pessoas com a benção de se encontrarem e descobrirem uma nova forma de vida... Foi algo que me interessou como produtor. Gostei do filme. Não foi muito bem sucedido com o público americano, mas funcionou na Europa. Ganhou prémios e foi nomeado para Melhor Filme Europeu [para Prémio do Público]. Isso chega-me. Não temos de fazer sempre gore e sangue, e zombies e monstros. Não tem piada fazer sempre isso.

A: Para terminar, sou obrigado a perguntar isto. Sean Bean é chamado de spoiler humano porque tudo onde entra, acaba morto. Mas no entanto no seu filme ele vive.
SH: Isso é porque gosto dele e quero continuar com ele (risos).
A: Mas está a estragar a tradição. Sean Bean tem de morrer. Não o pode manter vivo.
SH: Nunca se sabe se ele morreu ou se continua, para mim ele continua no outro mundo. Não está morto, vagueia pelo submundo. Podemos matá-lo com uma criatura num pesadelo, mas para mim, é um indivíduo que estimamos muito, com uma reacção diferente. Gosto que ele saiba que continua por aqui, algures no submundo, no nevoeiro, mas que pode ser chamado para continuar a trabalhar connosco.
A: Quando lhe dão um argumento deve perguntar “quantas páginas tenho? 10? 20?
SH: Ele preocupa-se com o contar da história. Com a personagem. Se o realizador disser que tem de ser ele [Bean], se der um argumento onde ele morre, talvez ele não aceite. Não sei, talvez até ache divertido. No “Senhor dos Anéis” era real, tinha de morrer, é assim a história. No meu filme, podia matá-lo de forma óbvia. Ou podia dar a ideia de que continua à procura da mulher. Mesmo que “Silent Hill 3” não seja a história dele. Pode ser que seja ele à procura da Radha Mitchell [faz de esposa], mas podemos ir noutra direcção. Dizer que não morreu, que estava a morrer. Ele é o milagre do cinema. Sean Bean tem de morrer, mas não para todos.

Podem ler uma entrevista minha a Hadida sobre a saga Resident Evil na Take.

15 de outubro de 2013

António Reis, o director do Fantasporto que nunca existiu



Foi ontem enviado pelo António Reis um email a alguns elementos da imprensa que têm acompanhado a sucessão de preocupantes notícias sobre o Fantasporto. O Antestreia transcreve o texto na íntegra, com alguns links para textos relacionados.


Li no Público que afinal nunca tive existência real. Fui mais uma personagem saída da mente delirante de uma escritora/artesã urbana, por entre gatos, anjos com problemas de sexualidade e estátuas fálicas. Estou perplexo porque durante quase quarenta anos acreditei nesta personagem de ficção, usei cartões de visita, subi ao palco e participei em conferências de imprensa e em festivais, sem ter consciência da minha condição de criatura engendrada por uma imaginação prodigiosa.


Sinto-me como um Zelig, homem-camaleão, desse Woody Allen que candidatos perdedores queriam que filmasse no Porto. Já vi este filme. Chama-se “1984” onde um John Hurt agora travestido quer reescrever a história, os catálogos, os jornais, retocar as fotografias.

Por momentos pensei que pudesse ser um caso de insanidade mental a necessitar de tratamento psiquiátrico. Mas os personagens de ficção não são responsáveis pelas suas loucuras, da exclusiva responsabilidade dos seus criadores. Não esqueçamos que Frankenstein é o nome do criador e não da criatura.

Estou tentado a fazer como em “A Rosa Púrpura do Cairo” quando o personagem sai da tela e até adquire existência real.

Uma coisa agradeço a esta Big Brother no feminino. Está bem claro nas duas linhas em que se confirma que eu não existo, logo não sou responsável por nenhum dos actos à espera de melhor esclarecimento judicial. Bem vistas as coisas, de facto António Reis não está nas páginas das revistas e jornais (como “O Crime” de Setembro passado), como indiciado. Às vezes é bom ser-se uma personagem de ficção. Espero apenas que a esta verdadeira incursão no terror, suceda um período fantástico de que o Fantasporto é parte fundamental.

8 de outubro de 2013

"Rush" por Nuno Reis

A Fórmula Um será, de todos os desportos, aquele que considero menos apelativo. Não acho piada ao consumo desnecessário de combustível. Mas se me perguntassem há uns anos qual o desporto mais estupido já inventado, responderia basebol sem hesitar. É que desportos motorizados para mim nem são desporto. Alguém passar o tempo sentado e dizer que está a fazer exercicio é um conceito ridículo.
O que essa actividade tem de mais repulsivo é a indiferença ao equipmento que usam e a constante troca de equipa e de piloto. Cada piloto procura um carro mais rápido. Cada equipa procura um piloto mais rápido. Assim resulta que os carros mais rápidos terão os condutores mais rápidos e não haverá uma saudável competição. Portanto, qual o interesse em ver os ratinhos fazer círculos numa gaiola durante horas, para ter um desfecho que está decidido à partida? E já agora, para quê definir tanta regra quanto aos carros?
Estava a precisar de um filme para sequer considerar outro ponto de vista. "Rush" veio mesmo a calhar. Como pode alguém que não gosta de F1 e se aborrece de tédio a ver sequer duas voltas, gostar de um filme sobre o tema? Só se o filme lidar mais com o lado humano do que com as máquinas. Dar primazia aos pilotos sobre os carros. Ron Howard - que tal como eu não aprecia as corridas - aceitou o desafio e apresenta-nos “Rush”, o filme de Fórmula Um onde as carros são o que menos importa.

A Fórmula Um como qualquer desporto não demorou muito a criar as suas lendas. Nos anos 50 foi o tetra-campeão Fangio a vencer por 15 e 16 pontos. Nos 60 o pódio normalmente ficava para Jack Brabham, Graham Hill e Jim Clark em que mais tarde se intrometeu Jackie Stewart. Depois viriam os períodos dourados de brasileiros, finlandeses e alemães, mas a haver um duelo, dentro e fora das pistas, foi no ano de 1976.
O austríaco Nikki Lauda pagou para chegar à F1 na equipa March. Mais tarde foi para a Marlboro. Então o inglês James Hunt tinha o apoio de Lorde Alexander Hesketh e ambos eram concorrentes insignificantes para as grandes escuderias. Mas as capacidades de Lauda como mecânico além de piloto levaram-no para a Ferrari em 74 e foi campeão em 75. E Hunt na falência de Hesketh aproveitou uma vaga aberta por Fittipaldi para entrar na McLaren em 76. As duas equipas mais rápidas e os dois melhores pilotos do momento. De um lado o rigor lógico e frio de quem roça a perfeição na simbiose com o carro. Do outro, um bon vivant e playboy que dá sempre o máximo pois está disposto a morrer quando entra para o carro. Será um confronto de estilos, de egos, de dois pilotos como a Fórmula 1 não voltará a ter.

Quando há uma grande rivalidade em ecrã, é tradicional apresentarem um como bom e outro como mau. Para facilitar a tomada de uma posição. Aqui não é assim tão óbvio. Lauda pode não ter jeito para fazer amigos, mas Hunt também não é de trato fácil. São quase opostos e, contudo, igualmente cativantes. O campeonato de 76 ficará na memória de ambos e dos espectadores por todos os motivos. O filme só ajudará a recordar esse porquê.
O equilíbrio entre as vidas pessoais e profissionais é a mais-valia do filme. Ajuda a conhecer o tal lado humano da rivalidade. Como se gabavam de serem o melhor do mundo sabendo que havia um só piloto capaz de os derrotar. O duelo em múltiplas frentes, das boxes às conferências de imprensa, é tão civilizado que nem parece verdade. Dois homens que todo o mundo vê como inimigos mortais, parecem simplesmente andar “picados”. Eram as corridas num tempo de cavalheiros, algo que não vemos hoje em dia.
Também há o lado competitivo, aqueles poucos detalhes técnicos que distinguem quem está a ver o filme pelas máquinas e percebe todos os termos, de quem fica perdido ao ouvir falar de algo que ultrapasse os conceitos de volante e rodas. Quem não percebe de carros escusa de mudar de sala (ou de canal daqui a uns meses) que esse tema é tocado apenas de raspão. Até as regras da corrida são fáceis de perceber. E resta usufruir da experiência de assistir ao campeonato mais emocionante e disputado que alguma vez se viu. É verdade que anos depois um desses pilotos ganhará um campeonato por mero meio ponto, mas este foi o ano de todos os perigos. O ano que mudou o desporto para sempre.
Com o duelo inesquecível de dois heróis e o maldito Nürburgring, a F1 até parecia ter piada naquela altura.

RushTítulo Original: "Rush" (Alemanha, EUA, Reino Unido, 2013)
Realização: Ron Howard
Argumento: Peter Morgan
Intérpretes: Chris Hemsworth, Daniel Brühl, Olivia Wilde, Alexandra Maria Lara, Natalie Dormer
Música: Hans Zimmer
Fotografia: Anthony Dod Mantle
Género: Biografia, Desporto, Drama
Duração: 123 min.
Sítio Oficial: http://rushmovie.com/

6 de outubro de 2013

Glee - Season 4

Os clips utilizados neste artigo são apenas para dar uma ideia do que se passa no episódio e da qualidade musical referida. Nâo são clips da série e não são alojados por este blog pelo que a qualqer momento podem ser retirados da rede. O idela é verem os episódios referidos quando passarem na televisão.

O fim de um ciclo

Quando a terceira temporada de Glee terminou, o tema parecia esgotado. Por isso há um ano publiquei o texto “Obrigado pela Musica”. A vitória nos Nacionais (que os argumentistas adiaram ao máximo) estava atingida. Metade do grupo ia partir para novos desafios mais ou menos relacionados com a música. A ideia que podemos ser nós próprios, ter amigos e estar integrados era do conhecimento de todos. E agora?
Com a quarta temporada seria preciso refundar o coro Novos Rumos e dar um novo rumo à série. O truque foi não inventar demasiado e fazer aquilo que fazem melhor. Exactamente a mesma história, praticamente as mesmas personagens.

Como manter as personagens

O que "Glee" tem de melhor não é a música, é aquele humor cáustico de Sue Sylvester. Especialmente quando o usa contra a própria série. Num episódio em que Kurt vai visitar a McKinley High, Sue diz-lhe que só os falhados voltam ao secundário. Repete-o mais tarde a Santana. Seria o que os detractores da série diriam ao ver quantas vezes Kurt, Santana, Rachel, Mercedes e Mike os visitam. Pior só mesmo Finn cuja vida não parece sair daquela escola. Mas isso será outro tópico.
A verdade é que “Glee” não seria a mesma coisa sem as vozes que nos acostumamos a ouvir. E enquanto se mantém no secundário a treinar uma nova geração, tinha uma oportunidade para seguir o caminho traçado muitos anos antes por “Fame”. As personagens iriam avançar para a vida adulta. O sair de casa, o perseguir um sonho e uma carreira, o fracasso das expectativas e o fim dos amores que julgaram e juraram eterno. Em comum: serem tópicos que as séries para adolescentes preferiam evitar. Esta temporada terá muito disso. E bullying, e atentados, e amores virtuais, problemas de aprendizagem e de alimentação... Todos os temas que uma série convencional normalmente roça num episódio, aqui dão pano para mangas. E sempre com personagens que vão amadurendo em vez de serem iguais ao que eram no início. Mesmo os adultos estão ainda numa fase de crescimento e aprendizagem. O seu regresso não só inspira os novos elementos como ajuda do ponto de vista mental. Mais do que ídolos, são os seus semelhantes e estão lá fora, na selva, onde continuam a respeitar e a exibir com orgulho os valores que o Novos Rumos lhes deu.

As novas personagens

Quatro novas vozes apareceram na McKinley nesta época. Demoraram quase toda a temporada a entenderem-se, e serão a base que levará a série em frente quando todos os originais tiverem partido.

Wade/Unique
Não é uma nova personagem. Já a conhecemos na terceira temporada onde visitou a McKinley em busca de Mercedes e Kurt para pedir conselho. O conselho foi tão bom que derrotou Rachel e se sagrou a melhor cantora nos nacionais, mas mudou depressa de escola. É que Unique nasceu um rapaz, mas sempre se sentiu de sexo feminino. A sua afirmação foi encorajada pelos Novos Rumos e mudou-se em busca de um lugar onde se sentisse bem com quem é. Vai demorar um pouco a consegui-lo.
Depois de nos acostumar a deficientes que dançam, a casais homossexuais bem-vindos em actividades lúdico-desportivas, e uma cheerleader com síndroma de Down, a última barreira seria a transsexualidade. Pois está conseguida e foi desenvolvida de forma incrível.

Kitty
Esta cheerleader entrou no coro através dum musical e acabou por ficar por um amor que pouco durou. O seu jogo duplo entre Sue e Schuester torna-a um relativo mistério que traz intriga à narrativa. Claro que logo outros elementos começam a trabalham em ambas as equipas, como vimos noutras temporadas, mas esta é a original e é má, ou pelo menos parece ser, pois na verdade compensa-o sendo quem mais fará pelo outros em diversas ocasiões.

Jake Puckerman
Há um novo Puckerman na escola. Meio-irmão do conhecido penteado de moicano, tem um temperamento “complicado” e, no entanto, é ele quem primeiro conquista a miúda mais cobiçada do ano. No Novos Rumos vai passar por uma dolorosa aprendizagem que decerto será muito próxima da que o irmão teve. Para não dizerem que é uma cópia da personagem, este não tem a mesma graça e, aparte a explosão nas audições, é de trato mais fácil para todos.

Marley
Tinha a missão impossível de fazer esquecer a estrela da série. Foi atirada às feras cantando em simultâneo com a anterior estrela e não correu mal. Conseguiria estar à altura de Rachel Berry? Apesar de ao princípio não me ter convencido, a verdade é que depressa surpreendeu. É demasiado ingénua para se adorar, mas é verdadeira, boa pessoa e tem excelente voz. Como a série não está centrada nela - Lea Michele não sai de cena tão cedo - vão aguentando o centro das atenções e o foco das câmaras.

Ryder
Chegou à série como vencedor do “Glee Project” tendo por isso pressão para fazer algo de excepcional. O anterior vencedor ex-aequo, Samuel Jansen, não teve um papel muito promissor (Joe Hart), mas como se mantém na série é um emprego relativamente seguro. E Damian McGinty Jr. (sim, o irlandês) que empatou com ele e se ficou praticamente pelos sete episódios do prémio, causou muito boa impressão. O caso mais incrível foi Alex Newell que empatou no segundo lugar e além dos dois episódios que lhe deram, teve direito a destaque na nova temporada (é Unique). Na segunda edição do concurso Blake Jenner também recebeu sete episódios e a personagem além de chegar tarde e ameaçar deixar o clube, ficou no elenco regular. Com a típica carinha de quem vai roubar muitos corações na série e entre espectadoras, foi ganhando protagonismo até se tornar algo muito próximo de uma figura de proa nesta nova geração.

Katie
Só uma nota para a personagem virtual que vai deixar muita gente confusa. A liberdade do anonimato online permitiu aos escritores da série criarem alguém que se distingue de todos. Mesmo depois de ter um rosto, Katie continuará a ser uma peça-chave da narrativa, como se houvesse um lugar vago à espera de algo ou alguém mais.

A mesma história

Jake é irmão de Noah (para quem não se lembra, esse é o nome próprio de Puck) e muito parecido com ele. Kitty idolatra Quinn e tal como ela é chefe das cheerleaders e do grupo cristão. Há um breve caso entre ambos.
Finn recruta Ryder dizendo que tal como ele era um jogador de futebol, era um aluno de C- que sabia ser capaz de melhor e vamos descobrir que são ambos bateristas. Marley canta com Rachel no primeiro episódio e torna-se o grande destaque do Novos Rumos no concurso (no mau sentido, mas mesmo assim). Não será de estranhar se Marley e Ryder acabarem juntos.
Jake e Ryder tornam-se grandes amigos, Kitty sabota Marley sempre que possível, mesmo que acabe por se preocupar com ela. Tal como vimos na primeira temporada com os seus antecessores.
Até aqui tudo bem. Apesar da óbvia falta de criatividade, disfarçaram minimamente de forma a não parecer uma repetição. Além disso o que fazem dentro do programa depende exclusivamente dos argumentistas. Mas pode ter havido...

...demasiadas coincidências

Que me desculpem os jovens que andam a dizer que o amor é lindo e que Blake Jenner e Melissa Benoist terem-se encontrado na série foi obra do destino. Não há coincidências e a “nova Rachel” ter-se apaixonado na vida real pelo “novo Finn” pode ser manobra publicitária. Até porque as revistas da especialidade dizem que há casamento para breve e, se eles fossem mesmo seguidores da série, saberiam que são demasiado jovens para tal decisão. Isso foi-nos dito até ao último episódio desta temporada. Claro que podem preferir casar para os deixarem em paz e não serem os novos namoradinhos da televisão. Claro que isto pode ser mesmo o Amor e o casamento o próximo passo a dar, mas desconfio que houve empurrões da produção. Se foi para desviar as atenções de Cory Monteigh durante a desintoxicação, óptimo. Recordo que a série o apoiou nos momentos maus e o afastou para que se pudesse redescobrir. Mas temo muito que estejam a brincar com os sentimentos dos jovens.
Mas deixemos esse tipo de observações para as revistas da especialidade cor-de-rosa e foquemo-nos na série musical e como surgiu o drama inesperado.

Quando a realidade se intromete na ficção

Antigamente uma série teria de se adaptar à realidade quando uma actriz engravidava, ou quando alguém adoecia gravemente (tentemos não pensar na péssima ideia de substituir temporariamente como fizeram a Barbara Bel Geddes em “Dallas”). Raramente tiveram de resolver mortes e, quando aconteciam, eram pessoas idosas cujas personagens eram também enviadas para um mundo melhor.
Com a tragédia de Cory Monteigh a série tem um problema bicudo em mãos. Mantiveram Finn no secundário como professor do Glee, era o símbolo de uma geração que, depois de um período brilhante em que a vida sorria, vê-se sem rumo, sem conseguir avançar com igual sucesso. Que se agarra ao que conhece porque pode bem ser aquilo que fará toda a vida. Saiu do clube com enormes esperanças, voltou em grande e teria muito potencial para as próximas temporadas que possivelmente incluiriam o casamento com Rachel. Como resolver isso agora que o actor se foi? Os argumentistas decidiram usar o trágico fim de Cory em Finn, para que essa morte sirva de memória a todos os jovens e impedir que outros caiam no mesmo vício. Arriscado e quiçá impróprio, mas era a melhor solução possível. Não o podiam substituir, não iam fazer de conta que não existia, assim pelo menos respeitam a sua memória e a morte não será tão vã.
Numa nota extra, Vanessa Lengies (Sugar) decidiu abandonar a sua longa aventura no elenco secundário de Glee para ser uma de onze co-protagonistas em “Mixology”, a nova série de Scott Moore (“The Hangover”). Diz que se sentia excluída e tem toda a razão. Se revirem a temporada atentos a isso, há momentos em que simplesmente fazem de conta que ela não existe, e o último solo foi aquela desgraça na audição. Fez bem, já não tinha idade para continuar a brincar às escolas e convém apostar na carreira, mas abandonar os colegas num momento assim deve ter custado muito.

Seis episódios-chave

Quais os episódios que mais se destacaram ao longo da temporada. Os seis fundamentais para quem tem pressa e não se preocupa com a continuidade narrativa. Estão ordenados cronologicamente para que a confusão não seja maior.
4 - The Break-Up
Como quebrar os laços com o passado? Cortando todos de uma vez. Um golpe de coragem para deixar os espectadores emotivamente sensíveis e presos à história.
5 - The Role You Were Born to Play
Este regresso de caras há muito desaparecidas fez com que “Glee” por momentos voltasse a ser o que era. Fez com que não se parasse de acreditar.
6 - Glease
A grande performance do ano, fechou com chave-de-ouro aquilo que foi aberto no episódio 4.
14 - I Do
Nâo é um bom episódio de Glee, mas com a sua mistura de amor e dor, é um bom episódio para ver no São Valentim, acompanhado ou sozinho.
17 - Guilty Pleasures
A missão do episódio era revelar os gostos segretos de cada membro do coro. Acabou por ser uma divertida pausa no formato normal e uma oportunidade para ouvir música normalmente ignorada.
18 - Shooting Star
Podia ter sido muito melhor, mas mesmo assim foi dos mais importantes devido à temática complicada e às mazelas que causou que foram exploradas mais tarde.

Seis episódios com grandes momentos

Não sendo bons episódios, têm algo, normalmente uma música, que os torna obrigatórios.

8 - Home for the Holidays
O episódio 5 teve muitos regressos, mas foi em “trabalho”. Este dedicado à Acção de Graças tem mais tempo de convívio. O ponto alto é a abertura que nos recorda como tinhamos saudades de ouvir toda aquela gente, a fornada original.

9 - Chicago/Renascimento
Confronto do ano em Glee? Rachel contra Cassandra em “Chicago”. Para quem tem esta série como referência, foi do mais hipnotizante e explosivo que já tivemos. Para melhorar, só o renascimento do grupo no meio do nada. Com dois momentos assim, até se perdoa que durante meia hora não se passe mais nada de interessante.


12 - Dianna Agron e muito topless
Muita gente poderá gostar das imagens no calendário e da alegria contagiante na música final, mas num episódio em que há dueto Rachel-Rachel, é a voz de Quinn que será recordada. Que saudades... Esta mulher quando quer, consegue roubar o espectáculo.

13 - Santana
Um episódio completamente banal é salvo pela performance de Santana. Não só tem muitas interpretações musicais divinas, como a sua mudança para Nova Iorque dá um revitalizante twist à série.

15 - Músicas de filmes
Quase todas estas músicas têm o seu lugar sagrado na história do Cinema e, de uma forma ou outra, teriam de aparecer na série. O episódio é muito fraquinho, mas praticamente todas as músicas são irresistíveis, seja pela melodia em si ou pelas memórias que o filme desperta.

19 - Audição da Rachel
Tinha de ser um dos pontos altos da temporada e foi. A escolha da música mais emblemática da série não foi inocente. Conseguiram apelar à nostalgia e usar uma letra que todos conhecemos. Adicionar o apoio dos amigos foi um golpe de génio que nos atirou para quando eram apenas adolescentes em busca da sua voz e, juntos, conquistaram o seu lugar no mundo. No tempo em que “Glee” era a oportunidade ideal para karaoke. Terá sido um dos pontos mais altos da série. Melhor do que qualquer conquista de troféus.

Temas tratados

Num pequeno apanhado, eis uma revisão dos novos temas que foram tratados ao longo desta temporada. Pode conter spoilers pelo que devem saltar esta parte se não quiserem perdem alguma da magia.

Distúrbios alimentares - personagem principal, asneira da grossa. Marley sabe que contam com ela, que precisa de estar no seu melhor, mas deixa-se manipular por Kitty e destrói a própria saúde assim como a possibilidade de seguirem em frente na primeira ronda da competição. Era a melhor forma de dizer “não tentem fazer isto em casa”.
Drogas/doping - como não podiam afastar a equipa da competição, tinham de os recolocar com base numa regra qualquer. A mais simples foi acusar os vencedores de doping e tomar o lugar dos Warblers. Como moral podemos usar a popular “O crime não compensa”.
Dislexia - Mais um tema que costuma ser deixado para as personagens secundárias e aqui tem grande destaque em Ryder. Por vezes o problema não é falta de esforço, apenas precisamos de uma ajuda externa para perceber o que se passa connosco.
Cancro - o tema, tal como a doença, aparece de forma inesperada e apanha todos de surpresa. Obriga a encontrar muitas forças que se desconhecia, mas com exames precoces e muita esperança é possível superar.
Nudez - “To be or not to be...” naked. O dilema aparece perante muitas das personagens em simultâneo e há diversos rumos a tomar. Uns podem achar que é a época certa, uns podem achar melhor fazer mais tarde, ou podem nunca o fazer. Mas é uma decisão pessoal e das mais importantes a tomar.
Abuso infantil - ele existe e não pode ser escondido. Enquanto não se acabar com o flagelo, é importante falar do tema, tanto para prevenir potenciais vítimas como para tratamento e minimizar os danos psicológicos em quem não escapou.
Opções de vida - imensas pequenas coisas sobre mudança de carreira, de curso, de cidade, de editora discográfica... No fundo a mensagem principal será sempre “é melhor arrependeres-te do que fizeste do que arrependeres-te do que podias ter feito”.

Poupar músicas

É preciso não esquecer que as boas músicas são finitas. Com a enorme quantidade de faixas já usadas, começa a ficar difícil encontrar temas que se adequem ao argumento. Um truque foi começar a cantar originais. Outro foi não desperdiçar grandes músicas em momentos menores. As boas músicas ficam para as cenas que realmente importam. Isso fez com que o nível geral descesse (Barry Manilow tinha tantas músicas melhores para “Guilty Pleasures”!). A única vantagem é que assim, de vez em quando aparece uma grande música que se destaca da mediocridade.
Apetece-me dizer que a série não está a manter a qualidade de outrora porque as músicas não são tão apelativas. Poderá querer dizer que estou a sair do público-alvo? Que já não me interesso pelas músicas que estão na moda? Ou isso significa que preciso de ver o especial dos Beatles para voltar a acreditar como antigamente? Na verdade não consigo deixar de ver só porque as músicas pioraram. Até fizeram com que começasse a achar piada à Sarah Jessica Parker!
O problema desta série é que haverá sempre uma música que me obrigará a ver o episódio e para isso vou acabar por ver tudo o que ficou para trás. Maldito Glee, basta fazerem um bom último episódio e vou ver a série completa...

21 de setembro de 2013

"The Butler" por Nuno Reis

A melhor forma de contar a História é através da história de um homem. Associar acontecimentos marcantes a situações comuns do dia-a-dia. Lembrar que cada grande salto da Humanidade foi também o pequeno passo de um homem. Isso foi feito com Forrest Gump que acompanhou três décadas da história americana. Repetir o feito de forma decente e sem ser acusado de plágio seria impossível, nenhum outro homem poderia ter estado envolvido em tantos acontecimentos-chave. Contudo, conseguiram. Metade do século XX pelos olhos de um homem que esteve no centro de grandes decisões. Não as tomou e não interferiu nelas, mas de certa forma influenciou e trabalhou para que acontecessem, como inúmeros outros ao longo de décadas. "The Butler" não é apenas um filme sobre um mordomo. É sobre uma família que, de uma forma ou outra, esteve presente em quase tudo o que a raça negra passou no século XX até conseguir a igualdade.

Cecil nasceu nas plantações de algodão do sul, onde a vida de um negro valia menos que a terra onde seria enterrado. Decidiu partir em busca de algo melhor assim que possível. O início da vida adulta foi difícil, muito difícil. O Medo e a Fome eram uma companhia constante. Até que uma tentação o mandou bater à janela da oportunidade de uma vida. A partir desse momento o destino sorriu-lhe. Nos anos 50 já estava a servir na Casa Branca onde se vai cruzar com todos os presidentes, de Eisenhower a Reagan. Homens cujas atitudes faziam avançar e recuar os direitos dos seus semelhantes. Enquanto Cecil assiste às decisões e discussões que mudariam o país, o filho mais velho parte nas Freedom Rides, é atacado pelo Ku Klux Klan, marcha com Martin Luther King, junta-se aos Panteras Negras, manifesta-se contra o apartheid... O filho mais novo segue um terceiro rumo, alistando-se para lutar pelo país numa guerra que não era a deles.

Dizer que é um marco cinematográfico sobre o tema seria pecar por excesso. Mas parecia. O argumento demorou um mandato presidencial a sair do papel, todavia fê-lo com o máximo de visibilidade. Basta ver que Oprah Winfrey tem um papel. A carreira dela como produtora tem dezenas de títulos sobre negros como "Precious" e "The Great Debaters, mas a carreira dela como actriz de cinema, estava suspensa há quinze anos, os títulos contam-se pelos dedos de uma mão e têm "The Color Purple" à cabeça. Para tal regresso, tinha de ser algo grande. Foi com esse nível de expectativa que o fui ver. Sabendo que o elenco tinha oscarizados como Forest Whitaker, Vanessa Regrave, Cuba Gooding Jr., e que tinha cameos presidenciais de Robin Williams, John Cusack, Liev Schreiber, Jane Fonda, Alan Rickman e James Marsden. Seria impossível enganar tanta gente profissional, o projecto tinha de ser mesmo bom.

O argumento acabou por não ser tão bom como esperava, mas é muito mais completo do que parece pela duração. "The Butler" é uma grande lição de história. Refere os principais momentos da emancipação, as dificuldades, a mentalidade vigente. Usa sempre o ponto de vista dos afro-americanos, ocasionalmente mostrando também o dos presidentes, figura de topo de uma sociedade branca e teoricamente distantes da realidade, mas que (maioritariamente) tomavam e defendiam as difíceis posições que protegiam tão grande percentagem da população. Dificuldades que podiam ir de um insulto ou um encontrão, até espancamento e morte. Estamos a falar de acontecimentos com mais de um século, mas alguns com apenas trinta anos. Atrocidades contemporâneas de muitos nós e cometidas na suposta terra da liberdade. Infelizmente, "The Butler" é apenas uma lição de história. Personagens que deixam as próprias vidas passar ao lado enquanto se focam no futuro comum. Uma luta na qual participaram, mas na qual não se destacaram. Na qual ninguém se destacou pois foi um trabalho de séculos e de milhões. Essa visão discriminada tem o seu público específico. Se mostrasse o outro lado (como "The Help" tentou ainda recentemente) ajudaria a perceber as causas da segregação e de o sonho de Lincoln ter demorado mais de um século a tornar-se realidade. Como foi feito, todos os que não apoiam a igualdade, usando ou não as máscaras, parecem membros do KKK, variando entre as máquinas de matar carregadas de ódio e os apáticos que apenas têm nojo.

Comparando com outros filmes que tinham a mesma mensagem, este é o mais inofensivo. No fundo, é o retrato fiel de várias gerações lutadoras que foram sendo desperdiçadas por não haver presidentes com coragem de seguir as pegadas de Lincoln. Um número gigantesco de não-heróis a precisar de liderança.
O filme mostra uma luta com um início há tempos idos e que teve um fim em 2008, quando um negro ocupou o lugar de “líder do mundo livre”. Mas por estar fechado no seu tema é como se morresse depois de terminar a sessão. Todos aqueles presidentes tiveram algo mais mais com que se preocupar. O único caso mostrado foi o de Nixon, não só porque o escândalo é incontornável, mas especialmente porque o filme é Democrata e o único presidente Republicano que não foi enxovalhado foi Eisenhower (apesar de o terem mostrado reticente quanto a começar uma Guerra Civil como Lincoln). "The Butler" podia ser muito mais se parasse de olhar para o umbigo e usasse essa experiência de resistência passiva para lutas que ainda se verificam nos Estados Unidos e no mundo: a diferença entre classes no acesso à educação e saúde; a discriminação e violência contra homossexuais. Mas isso já não é com Cecil. A causa dele está encaminhada, que se ergam outras vozes mudas para as outras causas.
É um projecto curioso que se vê bem e que serve de súmula para quem precisa de um incentivo antes de ir estudar o século XX estado-unidense. Nem mais nem menos do que isso.

The ButlerTítulo Original: "The Butler" (EUA, 2013)
Realização: Lee Daniels
Argumento: Danny Strong (baseado num artigo de Will Haygood)
Intérpretes: Forest Whitaker, Oprah Winfrey, David Banner, David Oyelowo
Música: Rodrigo Leão
Fotografia: Andrew Dunn
Género: Biografia, Drama, Histórico
Duração: 132 min.
Sítio Oficial: http://www.weinsteinco.com/sites/leedanielsthebutler

13 de setembro de 2013

10 de setembro de 2013

Primeiros Nomeados aos Sophia

A Academia Portuguesa começa a dar os primeiros passos.
Hoje foram anunciados os nomeados para a primeira cerimónia de prémios e não há grandes surpresas com "Tabu", "Florbela", "As Linhas de Wellington", "Operação Outono" nomeados a melhor filmes e líderes em várias categorias, secundados por "Aristides Sousa Mendes – O Cônsul de Bordéus", "A Vingança de Uma Mulher", " Estrada de Palha", "Em Câmara Lenta", O Gebo e a Sombra", "A Moral Conjugal" e "Paixão" todos multi-nomeados.

Melhor Filme
Florbela
Tabu
As Linhas de Wellington
Operação Outono

Melhor Ator Principal
Carlos Santos, Operação Outono
Albano Jerónimo, Florbela
Vitor Norte, Aristides Sousa Mendes – O Cônsul de Bordéus
Ivo Canelas, Florbela

Melhor Atriz Principal
Dalila Carmo, Florbela
Laura Soveral, Tabu
Teresa Madruga, Tabu
Rita Durão, A Vingança de Uma Mulher

Melhor Ator Secundário
António Fonseca, Florbela
Adriano Luz, As Linhas de Wellington
Nuno Melo, Estrada de Palha
Carlos Paulo, Aristides Sousa Mendes – O Cônsul de Bordéus
Albano Jerónimo, As Linhas de Wellington
João Reis, Em Câmara Lenta
Luís Miguel Cintra, O Gebo e a Sombra

Melhor Atriz Secundária
Anabela Teixeira, Florbela
Maria João Bastos, A Moral Conjugal
Elisa Lisboa, A Teia de Gelo
Maria João Luís, Em Câmara Lenta
Carla Chambel, Operação Outono

Melhor Argumento Original
Vicente Alves do Ó, Florbela
Pedro Lopes, Assim Assim
Rodrigo Areias, Estrada de Palha
Margarida Gil e Maria Velho da Costa, Paixão
Carlos Saboga, As Linhas de Wellington

Melhor Argumento Adaptado
Bruno de Almeida, Frederico Delgado Rosa e John Frey, Operação Outono
Rui Cardoso Martins, Em Câmara Lenta
Júlia Bûisel, O Gebo e a Sombra
António Torrado e João Nunes, Aristides Sousa Mendes – O Cônsul de Bordéus

Melhor Realizador
Miguel Gomes, Tabu
Vicente Alves do Ó, Florbela
Bruno de Almeida, Operação Outono
Rodrigo Areias, Estrada de Palha
Francisco Manso e João Correa, Aristides Sousa Mendes – O Cônsul de Bordéus

Melhor Fotografia
Luís Branquinho, Florbela
Rui Poças, Tabu
André Szankowski, As Linhas de Wellington
Acácio de Almeida, Paixão

Melhor Direção Artística
Sílvia Grabowski, Florbela
Isabel Branco, As Linhas de Wellington
Zé Branco, Operação Outono
Fernanda Morais , Aristides Sousa Mendes – O Cônsul de Bordéus

Melhor Som
Jaime Barros, Tiago Matos e Elsa Ferreira, Florbela
Ricardo Leal, António Lopes, José Moreira e Miguel Martins, As Linhas de Wellington
Joaquim Pinto, Nuno Leonel e Vasco Pimentel, A Vingança de Uma Mulher
Quintino Bastos e Vasco Carvalho, A Moral Conjugal
Ricardo Leal e Miguel Martins, Operação Outono
Vasco Pimentel, Miguel Martins e António Lopes, Tabu

Melhor Guarda- Roupa
Sílvia Grabowski, Florbela
Tânia Franco, As Linhas de Wellington
Lucha D’Orey, Operação Outono
Susana Abreu, Estrada de Palha

Melhor Caracterização
Íris Peleira, As Linhas de Wellington
Abigail Machado e Mário Leal, Florbela
Aracelli Fuente Basconcillos e Donna Meirelles, Tabu
Sandra Pinto e Ana Ferreira, Aristides Sousa Mendes – o Cônsul Bordéus

Melhor Montagem
João Braz, Florbela
Telmo Churro e Miguel Gomes, Tabu
Tomás Baltazar, Estrada de Palha
Roberto Perpignani, Operação Outono

Melhor Música
The Legendary Tigerman e Rita Redshoes, Estrada de Palha
Guga Bernado, Florbela
Joana Sá, Tabu
Dead Combo, Operação Outono

Melhor Filme Documentário em formato de longa-metragem
Linha Vermelha, José Filipe Costa
É na Terra não é na Lua, Gonçalo Tocha
Kolé San Jon é Festa di Kau Berdi, Rui Simões
Cartas de Angola, Dulce Fernandes

Melhor Curta-Metragem de Ficção
Luz da Manhã, Cláudia Varejão
Cerro Negro, João Salaviza
O dia mais feliz da tua vida, Adriano Luz
O Facínora, Paulo Abreu

Melhor Curta-Metragem de Animação
Kali, o pequeno vampiro, Regina Pessoa
Sem querer, João Fazenda
Lágrimas de um palhaço, Cláudio Sá
Do céu e da terra, Isabel Aboim Inglez

Melhor Curta-Metragem em Formato de Documentário
Raúl Brandão Era Um Grande Escritor, João Canijo
A Rua da Estrada, Graça Castanheira
A Comunidade, Salomé Lamas
A Luz da Terra Antiga, Luís Oliveira Santos

Claro que podiam melhorar detalhes, do género ordenarem os filmes alfabeticamente, não chamarem Areais a que se chama Areias (duas vezes), Nâo acrescentarem artigos nos títulos dos filmes... Mas o importante é que esteja a andar.

9 de setembro de 2013

E mais além!

Há momentos-chave na vida de um blogger. Todos se lembram da sensação de criar um blog, receber um comentário ou ter links noutros blogs. Depois há um segundo grupo de sensações que nem todos conseguem sentir. Ganhar um prémio de melhor blogger está nessa lista. Ser convidado para grupos de elite como o extinto CineBulição no Brasil, ou o CCOP em Portugal também. E depois há outra liga. Há a Online Film Critics Society. Esta sociedade internacional com 16 anos de história reúne 271 críticos cinematográficos que trabalham maioritariamente online e, no ano de 2013, aceitou um terceiro crítico de terras lusas. Excluindo os prémios tradicionais da imprensa, normalmente interditos a quem escreve online, é a maior honra a que um blogger pode aspirar.

Aqui fica expresso o meu agradecimento aos membros que me escolheram. Espero seguir o excelente exemplo do Paulo Peralta e do Tiago Ramos que tanto dignificam a Sociedade Online de Críticos de Filmes.

Quanto a críticas, podem esperar ler muitas mais e por vezes maiores (têm um mínimo de 400 palavras para serem consideradas). Até lá, espreitem as que estão a ser publicadas na SciFiworld para o eminente MOTELx 2013.


As melhores séries para a WGA


A Writers Guild of America pronunciou-se recentemente sobre as séries alguma vez escritas para televisão. Claro que só contavam as escritas em Hollywood, mas é um caso em uqe não se discute muito. As melhores séries tendem a ser americanas devido à forte indústria televisiva que em todos os aspectos supera a maioria das indústrias cinematográficas mundiais.

Essa lista é muito variada em temas e antiguidade. O top 10 é tão variado como que tem "The Sopranos", "Seinfeld", "The Twilight Zone", "All in the Family", "M*A*S*H", "The Mary Tyler Moore Show", "Mad Men", "Cheers", "The Wire" e "The West Wing". A lista prossegue com muitos Daily Show, títulos que todos conhecem como Simpsons, Breaking Bad, Dick Van Dyke, Hill Street Blues, Arested Development, Six Feet Under...
Como seria de esperar, esta lista tem muitos títulos que concordarão, alguns que discordarão, e muitos para descobrir depressa. O que mais choca é o que não aparece onde devia. Terão de me explicar como é que arranjaram 94 séries para ficarem à frente de "Family Ties". E porque não vejo o "MacGyver"? Se esta gente não gostava de tais séries, tenho muitas dúvidas que saibam escrever televisão de qualidade. Como vejo a Buffy em 49º, por enquanto não impugno tal listagem. Algum sentido de humor terão.

Vejam a lista completa aqui.

8 de setembro de 2013

As petições dos sonhos desfeitos

Atingimos o cúmulo da interactividade no cinema. Primeiro eram protestos contra o fim de séries televisivas (a mais recente foi "True Blood"). No mês passado as petições contra o Batffleck. Agora há inclusivamente petições para definir os actores do "50 Shades of Grey". O livro que ninguém admitiu gostar de ler e que foi um sucesso de vendas em todo o mundo, provou que tem bastante gente interessada no filme. O pior é que são muito opinativos. Dizem quem deve ser Grey e a sua vítima submissa (a última proposta foi Matt Bomer e Alexis Bledel), a seguir dirão de que ângulo querem ver a actividade sado-masoquista. Provavelmente a seguir vão pedir uns chicotes e algemas para melhorar a experiência em sala, para a tornar mais autêntica. O ideal seria que falassem todos e se organizassem em pares para fazerem uma recriação das cenas preferidas enquanto o filme passa. Ou então, porque não esquecem o filme e se dedicam apenas ao sexo?
A liberdade de expressão e a internet permitem a muita gente dar a sua opinião. Inclusivamente em temas onde a opinião não interessa, pois vão ver com quem quer que seja escolhido. Podem ameaçar com boicote, mas é filme para ir ver sem grande alarido, discretamente, talvez mesmo sozinho. Quem o boicotasse num dia ia a correr ver noutro. É irresistível.


O maior problema é que todos acham que podem pedir o que quiserem e isso não é bem assim. As relações sexuais são um tema muito sensível. Não podem simplesmente extravasar as vossas loucas fantasias para o filme. Basta ver o problema que Abdellatif Kechiche teve ao obrigar as suas actrizes a fazerem uma cena de sexo para ganhar a Palme d’Or. Podem dizer que elas estavam a ser esquisitas - eu tomaria o lugar de qualquer uma delas com muito gosto - mas filmes com nudez e sexo não se podem encarar levianamente. São situações embaraçosas, são frames que vão ficar eternamente na internet. Um actor tem o direito de recusar o papel e, inclusivamente, de se arrepender depois de o fazer.

Lá porque querem fazer coisas esquisitas com a Alexis ou o Matt ou outro qualquer, não vão pedir isso em filme para todo o mundo ver. Se não conseguem controlar esse desejo, escrevam aos agentes deles e tentem explicar a situação. Talvez não acabem os dois num quarto vermelho, acorrentados, a fazer amor louco como sonharam, mas pode ser que recebam uma fotografia de rosto assinada para se consolarem ou, no máximo, um convite para uma qualquer aparição pública a milhares de quilómetros de distância onde poderão acenar ao longe e exibir cartazes ou mesmo as partes íntimas.

Ganhem juízo e não se metam nas decisões dos estúdios que sabem o que é melhor para todos nós. O filme vai ser com quem eles disseram e nenhuma petição vai mudar isso. Deixem os actores prepararem-se sossegados para os difíceis papéis e acreditem que foram as melhores escolhas possíveis. Aquilo já é complicado sem toda esta pressão.

Para quem não percebeu, fui sarcástico ao longo de grande parte do texto. Mas esta situação começa a ficar incontrolável e receio mais um mundo em que os estúdios obedecem aos caprichos dos espectadores do que um em que vão contra os nossos interesses. Se os estúdios estivessem dispostos a ouvir, perguntavam.

Quanto à ideia dos chicotes que dei no início, se alguma sala quiser aproveitar, estejam à vontade. Até existem uns conjuntos oficiais que podem vender à saída.

6 de setembro de 2013

O Fim do Fantasporto

Tentei que as situação financeira se resolvesse como todos os anos, mas desta vez é diferente. E por isso venho até vós, como blogger e cinéfilo preocupado, com uma notícia que me tem tirado o sono.

Dia treze de Março, ainda mal tinha acabado a trigésima terceira edição do Fantasporto, foram despedidos praticamente todos os que faziam parte da cooperativa organizadora do Fantasporto, a Cinema Novo. Os convidados não fazem ideia do sucedido. Para eles esta edição foi tão boa como qualquer outra. Ou melhor. Os números divulgados não dão margem para dúvidas: tanto o festival como o Baile foram um sucesso. Então o que correu mal?

O problema em parte foi da sempre anunciada falta de patrocínios. A estrutura fixa, que trabalhava como distribuidora de cinema, começou a ser um custo incomportável na ausência de negócio ou ajudas financeiras para o festival. Faz sentido? Não. A distribuição é um mercado saturado e a conjuntura é péssima, mas teria de haver uma forma de manter a estrutura em funcionamento. Nem que fosse partindo em busca de outro tipo de negócio. Dificuldades todos temos, mas há quem além de dificuldades tenha responsabilidades. O festival não pode parar. Esse é o único passo necessário para o deixar morrer e destruir um legado de mais de trinta anos.

Da mesma forma que cresci e fui educado no Carlos Alberto, nos Lumiére, no Rivoli, no Institute Français, no Passos Manuel, no Auditório da Biblioteca Almeida Garrett, nas salas AMC de Gaia e nas ZON de todo o país, muitos de vocês também o foram. Pois hoje quero que os nossos filhos e as gerações seguintes possam dizer que aprenderam a gostar de cinema no Fantas. Quero que os jovens continuem a marcar na agenda aquelas duas semanas como férias. Quero que os não tão jovens se voltem a sentir com vinte ou trinta anos. Quero multidões que ficam a discutir cinema até ao nascer do sol. Quero ouvir gritos, aplausos e corações acelerados. Quero cinema de qualidade e profissionais que me ensinem a gostar mais de Cinema a cada dia, seja com aulas de mestre numa sala lotada ou numa simples conversa informal à mesa de jantar.

Falhar uma edição é perder tudo o que foi feito. É urgente fazer algo. Nós - o Porto, o Norte, Portugal! - precisamos do Fantas. Se não parte das empresas ou dos governos, então que parta das pessoas, mas o festival tem de ser salvo.
Devem achar que agora vou pedir dinheiro. Não. Sugeria que dessem apenas ideias. O que pode ser feito? O que tem de ser feito? O que está bem e o que está mal? Quem pode ajudar?
Durante quinze dias, dezenas de milhares de pessoas passaram pelo Rivoli. Chegou a hora de saber se foram porque estavam por perto, porque era o acontecimento do momento, porque queriam ver um filme específico, ou porque têm um bichinho escondido a suplicar por cinema, convívio e emoção.
Acredito que se durou trinta e três anos foi porque convenceu pelo menos duas gerações. De que forma podemos chegar à terceira?

O Fantas é um amigo, um refúgio, e uma das coisas que tenho de mais certas na vida. Não o abandonarei nunca. Nem que tenha de o fazer sozinho. Nem que tenha de o fazer com outro nome.

4 de setembro de 2013

31 de agosto de 2013

"La Cage Dorée" por Nuno Reis


Se não é inédito, parece. O ano passado "Morangos com Açúcar" e "Balas e Bolinhos 3" entraram em Setembro a arrasar com os números do cinema nacional. Acabaram respectivamente como quarto e terceiro filmes portugueses mais vistos desde que há registos oficiais.
Este ano podia ser diferente. Especialmente quando se anuncia quebras de 50% nas bilheteiras. Mas não foi muito. Com Agosto chegou um filme francês falado em português. Era sobre os emigrantes de primeira e segunda geração. Quem não se identifica com isso? Quantas famílias nos últimos cinquenta anos não perderam irmãos ou filhos para um país distante? E quantos de nós não choram cada ano quando eles regressam para logo partirem novamente? "A Gaiola Dourada" sabia ao que vinha. Em França teve um milhão de espectadores. Ou seja, basicamente todos os portugueses foram ver. Chegar a Portugal em Agosto era a pedir para que os emigrantes fossem rever. Que quem tivesse acolhido os emigrantes fosse ver com eles. Que quem não teve visita este ano fosse matar saudades e tentar perceber porque não voltam eles de vez.
Cada semana cerca de cem mil pessoas vão ver o filme e estamos nisso há quatro semanas. Com quatrocentas mil entradas, se fosse uma produção nacional tinha sido o filme português mais visto de sempre. Com o fim das férias, o fim do fluxo de emigrantes e o fim de pessoas que o queiram ver, não conseguirá manter esses números por mais tempo, mas será o filme mais visto do ano. Num ano de crise. E isso é obra.

Facto mais importante sobre “A Gaiola” - este é o estereótipo do emigrante português em Paris. Mas essa é também a realidade de noventa por cento dos “tugas” em terras gaulesas. O homem nas obras, a mulher como porteira num condomínio. Ambos imensamente apreciados por todos, mas raramente reconhecidos. Até que um boato se espalha. "O José e a Maria vão voltar para Portugal? Não os podemos perder! Como vamos viver sem eles?" E começa a ser erguida uma nova e deslumbrante realidade de onde não queiram sair. Uma gaiola dourada. E o José quer voltar para a terra da sua família. E a Maria não quer andar a cozinhar bacalhau toda a vida como a irmã sonha. Mas os filhos não querem ir. Eles não se sentem franceses, mas não são portugueses. Pertencem àquela geração abençoada que tem o mundo como pátria e, no entanto, sente que não tem um lugar seu.
Enquanto a comunidade à sua volta lhes dá a vida com que sempre sonharam e os filhos os fazem viver um pesadelo, os portuguesíssimos José e Maria sentem-se com total liberdade para brincar com aquela fantochada. E é assim que vão descobrir o que realmente importa.

É um filme para puxar à lágrima. Em especial quando se passou por aquilo e se sofre com o ternurento calor das memórias. Ser emigrante é sofrer, mas também é vencer. É deixar o país, mas levá-lo orgulhosamente no coração e ser um seu embaixador. É comemorar com os compatriotas exilados a cada semana numa mesa que tenha bacalhau e Super Bock e é voltar nos verões para aqueles que amamos no nosso Portugal à beira mar plantado. O mundo perfeito não teria fronteiras nem distâncias. Mas este tem. E como manda a tradição, o português - desculpem, o Português - é aquele que deixa tudo para ir, para descobrir novos mundos, para dar novos mundos ao mundo e para dar o melhor do mundo ao seu Portugal.
Pode nunca mais voltar a sentir-se em casa, mas um dia descobrirá que quem ficou para trás, só tem a felicidade de não saber o que perdeu.

Numa altura em que tanto se fala de não ser piegas, de sair da zona de conforto e de partir para o mundo, “A Gaiola Dourada” obriga-nos a pensar no que acontecerá dentro de uma geração. Perderemos muito, ganharemos mais. Cabe a cada um descobrir qual o seu lugar no mundo. Qual o seu cantinho.

Devem esperar que faça observações sobre o argumento, as opções estéticas e narrativas, sobre a iluminação ou edição. Nada disso. Este filme não é para ver com a mente que se estraga, é para ver com o coração. Querem que fale da transformação dos nossos actores mais internacionais, Rita Blanco e Joaquim de Almeida, e quão bem encaixam nas personagens que ninguém poderia fazer tão bem? Querem que diga como Maria Vieira, igual a ela mesma, é o exemplo perfeito da portuguesa sempre a trocar entre falar português e francês? Ou como o fado interpretado pela inesperada Catarina Wallenstein é suficiente para descongelar qualquer coração que ao fim de hora e meia ainda não se tenha rendido ao filme? Como aquelas mesas ao ar livre transmitem os sons, cheiros e sentimentos de Verão? Desculpem se queriam saber algo sobre o filme.
Para alguém de fora “A Gaiola Dourada” seria apenas um filme. Para nós é mais. É uma história como milhares de histórias que todos conheciamos, mas ainda não estava imortalizada em película. Cada país de imigrantes/emigrantes devia ter um e nós estávamos a falhar de forma incrível. Com uma perspectiva mais afastada, não bateria o meu predilecto "Almanya", mas este é o nosso filme e todos deviam ir vê-lo. Só é pena que "Aquele Querido Mês de Agosto" não tenha tido igual sucesso há cinco anos.
La Cage DoréeTítulo Original: "La Cage Dorée" (França, Portugal, 2013)
Realização: Ruben Alves
Argumento: Ruben Alves
Intérpretes: Rita Blanco, Joaquim de Almeida, Roland Giraud, Chantal Lauby, Bárbara Cabrita, Lannick Gautry, Jacqueline Corado, Maria Vieira
Música:
Fotografia: André Szankowski
Género: Comédia, Drama, Romance
Duração: 90 min.
Sítio Oficial: http://agaioladourada.ofilme.pt

28 de agosto de 2013

"Premium Rush" por Nuno Reis

Tenho andado mais de bicicleta do que é habitual. E cada dia me lembrava deste filme. Não é que seja uma obra de elevada qualidade ou uma referência para qualquer ciclista - muito pelo contrário - é que tem pequenos detalhes que só se compreende quando montado numa bicicleta.
O argumento pega num tema cada vez mais comum. As empresas de estafetas que usam ciclistas para fintar o trânsito da cidade. Junta-lhe alguma intriga e acção com uma encomenda misteriosa que é perseguida por uns mauzões, usa um dos actores do momento para lhe dar credibilidade e voilá, filme de acção instantâneo.

Com uma interessante viagem pela caótica cidade nova-iorquina - conhecida pelos seus inúmeros ciclistas e pelas poucas condições que lhes propicia (basta espreitar a centena de bicicletas brancas espalhadas em memória dos ciclistas mortos no trânsito) - Joseph Gordon-Levitt, na sua bicicleta sem mudanças ou travões, por momentos consegue fugir ao conceito de herói. A situação é que o persegue. É credível? Não menos do que inúmeros filmes semelhantes com indivíduos apeados ou de carro.

O primeiro ponto negativo do filme é a duração. Este tema não dava muito mais de meia hora de película, mas para ser rentável tinha de ser comercializado e por isso teve de ser esticado para hora e meia. Durante os primeiros 40 a 50 minutos aguenta-se. A adrenalina faz com que se disfrute e se fique com vontade de sair para fazer o mesmo (sem correr tantos riscos). O que se sente ao ver um bom filme de carros. Com a devida edição será possível cortá-lo de volta a um tamanho razoável para disfrutar em visionamentos posteriores. E como dá vontade de cortar...
O primeiro ponto positivo é que não mostra o ciclista como um super-herói do século XXI. É apenas um homem como os outros, usa um transporte amigo do ambiente e mais ágil, mas mais sujeito a ser fatalmente esmagado por um outro condutor. Mesmo um choque entre veículos de duas rodas pode ser fatal. Isso bastará para desmotivar o ciclista de circunstância. Por outro lado ao apresentar as rotas alternativas e as suas consequências ajuda a pensar como um ciclista sem travões. E isso dá muito jeito quando não há mesmo travões ou tempo de reagir.

Não há mais pontos negativos ou positivos e quando não há muito a dizer sobre o filme costuma ser mau sinal. É um filme simpático que foi lançado com demasiadas expectativas e com o tempo vai descer para o patamar de tele-filme que devia ter tido de origem. Mas dá mesmo gosto ver.

Premium RUshTítulo Original: "Premium RUsh" (EUA, 2012)
Realização: David Koepp
Argumento: David Koepp, John Camps
Intérpretes: Joseph Gordon-Levitt, Dania Ramirez, Joseph Gordon-Levitt, Dania Ramirez, Michael Shannon
Música: David Sardy
Fotografia: Mitchell Amundsen
Género: Acção, Crime, Thriller
Duração: 91 min.
Sítio Oficial: http://www.premiumrush.com/