A melhor forma de contar a História é através da história de um homem. Associar acontecimentos marcantes a situações comuns do dia-a-dia. Lembrar que cada grande salto da Humanidade foi também o pequeno passo de um homem. Isso foi feito com Forrest Gump que acompanhou três décadas da história americana. Repetir o feito de forma decente e sem ser acusado de plágio seria impossível, nenhum outro homem poderia ter estado envolvido em tantos acontecimentos-chave. Contudo, conseguiram. Metade do século XX pelos olhos de um homem que esteve no centro de grandes decisões. Não as tomou e não interferiu nelas, mas de certa forma influenciou e trabalhou para que acontecessem, como inúmeros outros ao longo de décadas. "The Butler" não é apenas um filme sobre um mordomo. É sobre uma família que, de uma forma ou outra, esteve presente em quase tudo o que a raça negra passou no século XX até conseguir a igualdade.
Cecil nasceu nas plantações de algodão do sul, onde a vida de um negro valia menos que a terra onde seria enterrado. Decidiu partir em busca de algo melhor assim que possível. O início da vida adulta foi difícil, muito difícil. O Medo e a Fome eram uma companhia constante. Até que uma tentação o mandou bater à janela da oportunidade de uma vida. A partir desse momento o destino sorriu-lhe. Nos anos 50 já estava a servir na Casa Branca onde se vai cruzar com todos os presidentes, de Eisenhower a Reagan. Homens cujas atitudes faziam avançar e recuar os direitos dos seus semelhantes. Enquanto Cecil assiste às decisões e discussões que mudariam o país, o filho mais velho parte nas Freedom Rides, é atacado pelo Ku Klux Klan, marcha com Martin Luther King, junta-se aos Panteras Negras, manifesta-se contra o apartheid... O filho mais novo segue um terceiro rumo, alistando-se para lutar pelo país numa guerra que não era a deles.
Dizer que é um marco cinematográfico sobre o tema seria pecar por excesso. Mas parecia. O argumento demorou um mandato presidencial a sair do papel, todavia fê-lo com o máximo de visibilidade. Basta ver que Oprah Winfrey tem um papel. A carreira dela como produtora tem dezenas de títulos sobre negros como "Precious" e "The Great Debaters, mas a carreira dela como actriz de cinema, estava suspensa há quinze anos, os títulos contam-se pelos dedos de uma mão e têm "The Color Purple" à cabeça. Para tal regresso, tinha de ser algo grande. Foi com esse nível de expectativa que o fui ver. Sabendo que o elenco tinha oscarizados como Forest Whitaker, Vanessa Regrave, Cuba Gooding Jr., e que tinha cameos presidenciais de Robin Williams, John Cusack, Liev Schreiber, Jane Fonda, Alan Rickman e James Marsden. Seria impossível enganar tanta gente profissional, o projecto tinha de ser mesmo bom.
O argumento acabou por não ser tão bom como esperava, mas é muito mais completo do que parece pela duração. "The Butler" é uma grande lição de história. Refere os principais momentos da emancipação, as dificuldades, a mentalidade vigente. Usa sempre o ponto de vista dos afro-americanos, ocasionalmente mostrando também o dos presidentes, figura de topo de uma sociedade branca e teoricamente distantes da realidade, mas que (maioritariamente) tomavam e defendiam as difíceis posições que protegiam tão grande percentagem da população. Dificuldades que podiam ir de um insulto ou um encontrão, até espancamento e morte. Estamos a falar de acontecimentos com mais de um século, mas alguns com apenas trinta anos. Atrocidades contemporâneas de muitos nós e cometidas na suposta terra da liberdade. Infelizmente, "The Butler" é apenas uma lição de história. Personagens que deixam as próprias vidas passar ao lado enquanto se focam no futuro comum. Uma luta na qual participaram, mas na qual não se destacaram. Na qual ninguém se destacou pois foi um trabalho de séculos e de milhões. Essa visão discriminada tem o seu público específico. Se mostrasse o outro lado (como "The Help" tentou ainda recentemente) ajudaria a perceber as causas da segregação e de o sonho de Lincoln ter demorado mais de um século a tornar-se realidade. Como foi feito, todos os que não apoiam a igualdade, usando ou não as máscaras, parecem membros do KKK, variando entre as máquinas de matar carregadas de ódio e os apáticos que apenas têm nojo.
Comparando com outros filmes que tinham a mesma mensagem, este é o mais inofensivo. No fundo, é o retrato fiel de várias gerações lutadoras que foram sendo desperdiçadas por não haver presidentes com coragem de seguir as pegadas de Lincoln. Um número gigantesco de não-heróis a precisar de liderança.
O filme mostra uma luta com um início há tempos idos e que teve um fim em 2008, quando um negro ocupou o lugar de “líder do mundo livre”. Mas por estar fechado no seu tema é como se morresse depois de terminar a sessão. Todos aqueles presidentes tiveram algo mais mais com que se preocupar. O único caso mostrado foi o de Nixon, não só porque o escândalo é incontornável, mas especialmente porque o filme é Democrata e o único presidente Republicano que não foi enxovalhado foi Eisenhower (apesar de o terem mostrado reticente quanto a começar uma Guerra Civil como Lincoln). "The Butler" podia ser muito mais se parasse de olhar para o umbigo e usasse essa experiência de resistência passiva para lutas que ainda se verificam nos Estados Unidos e no mundo: a diferença entre classes no acesso à educação e saúde; a discriminação e violência contra homossexuais. Mas isso já não é com Cecil. A causa dele está encaminhada, que se ergam outras vozes mudas para as outras causas.
É um projecto curioso que se vê bem e que serve de súmula para quem precisa de um incentivo antes de ir estudar o século XX estado-unidense. Nem mais nem menos do que isso.
Cecil nasceu nas plantações de algodão do sul, onde a vida de um negro valia menos que a terra onde seria enterrado. Decidiu partir em busca de algo melhor assim que possível. O início da vida adulta foi difícil, muito difícil. O Medo e a Fome eram uma companhia constante. Até que uma tentação o mandou bater à janela da oportunidade de uma vida. A partir desse momento o destino sorriu-lhe. Nos anos 50 já estava a servir na Casa Branca onde se vai cruzar com todos os presidentes, de Eisenhower a Reagan. Homens cujas atitudes faziam avançar e recuar os direitos dos seus semelhantes. Enquanto Cecil assiste às decisões e discussões que mudariam o país, o filho mais velho parte nas Freedom Rides, é atacado pelo Ku Klux Klan, marcha com Martin Luther King, junta-se aos Panteras Negras, manifesta-se contra o apartheid... O filho mais novo segue um terceiro rumo, alistando-se para lutar pelo país numa guerra que não era a deles.
Dizer que é um marco cinematográfico sobre o tema seria pecar por excesso. Mas parecia. O argumento demorou um mandato presidencial a sair do papel, todavia fê-lo com o máximo de visibilidade. Basta ver que Oprah Winfrey tem um papel. A carreira dela como produtora tem dezenas de títulos sobre negros como "Precious" e "The Great Debaters, mas a carreira dela como actriz de cinema, estava suspensa há quinze anos, os títulos contam-se pelos dedos de uma mão e têm "The Color Purple" à cabeça. Para tal regresso, tinha de ser algo grande. Foi com esse nível de expectativa que o fui ver. Sabendo que o elenco tinha oscarizados como Forest Whitaker, Vanessa Regrave, Cuba Gooding Jr., e que tinha cameos presidenciais de Robin Williams, John Cusack, Liev Schreiber, Jane Fonda, Alan Rickman e James Marsden. Seria impossível enganar tanta gente profissional, o projecto tinha de ser mesmo bom.
O argumento acabou por não ser tão bom como esperava, mas é muito mais completo do que parece pela duração. "The Butler" é uma grande lição de história. Refere os principais momentos da emancipação, as dificuldades, a mentalidade vigente. Usa sempre o ponto de vista dos afro-americanos, ocasionalmente mostrando também o dos presidentes, figura de topo de uma sociedade branca e teoricamente distantes da realidade, mas que (maioritariamente) tomavam e defendiam as difíceis posições que protegiam tão grande percentagem da população. Dificuldades que podiam ir de um insulto ou um encontrão, até espancamento e morte. Estamos a falar de acontecimentos com mais de um século, mas alguns com apenas trinta anos. Atrocidades contemporâneas de muitos nós e cometidas na suposta terra da liberdade. Infelizmente, "The Butler" é apenas uma lição de história. Personagens que deixam as próprias vidas passar ao lado enquanto se focam no futuro comum. Uma luta na qual participaram, mas na qual não se destacaram. Na qual ninguém se destacou pois foi um trabalho de séculos e de milhões. Essa visão discriminada tem o seu público específico. Se mostrasse o outro lado (como "The Help" tentou ainda recentemente) ajudaria a perceber as causas da segregação e de o sonho de Lincoln ter demorado mais de um século a tornar-se realidade. Como foi feito, todos os que não apoiam a igualdade, usando ou não as máscaras, parecem membros do KKK, variando entre as máquinas de matar carregadas de ódio e os apáticos que apenas têm nojo.
Comparando com outros filmes que tinham a mesma mensagem, este é o mais inofensivo. No fundo, é o retrato fiel de várias gerações lutadoras que foram sendo desperdiçadas por não haver presidentes com coragem de seguir as pegadas de Lincoln. Um número gigantesco de não-heróis a precisar de liderança.
O filme mostra uma luta com um início há tempos idos e que teve um fim em 2008, quando um negro ocupou o lugar de “líder do mundo livre”. Mas por estar fechado no seu tema é como se morresse depois de terminar a sessão. Todos aqueles presidentes tiveram algo mais mais com que se preocupar. O único caso mostrado foi o de Nixon, não só porque o escândalo é incontornável, mas especialmente porque o filme é Democrata e o único presidente Republicano que não foi enxovalhado foi Eisenhower (apesar de o terem mostrado reticente quanto a começar uma Guerra Civil como Lincoln). "The Butler" podia ser muito mais se parasse de olhar para o umbigo e usasse essa experiência de resistência passiva para lutas que ainda se verificam nos Estados Unidos e no mundo: a diferença entre classes no acesso à educação e saúde; a discriminação e violência contra homossexuais. Mas isso já não é com Cecil. A causa dele está encaminhada, que se ergam outras vozes mudas para as outras causas.
É um projecto curioso que se vê bem e que serve de súmula para quem precisa de um incentivo antes de ir estudar o século XX estado-unidense. Nem mais nem menos do que isso.
Título Original: "The Butler" (EUA, 2013) Realização: Lee Daniels Argumento: Danny Strong (baseado num artigo de Will Haygood) Intérpretes: Forest Whitaker, Oprah Winfrey, David Banner, David Oyelowo Música: Rodrigo Leão Fotografia: Andrew Dunn Género: Biografia, Drama, Histórico Duração: 132 min. Sítio Oficial: http://www.weinsteinco.com/sites/leedanielsthebutler |
2 comentários:
Se estava curioso para ver este filme agora fiquei mais.
Parabéns por este blogue espetacular !!
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