28 de junho de 2015

"Force Majeure" por Nuno Reis

As férias deviam ser uma ocasião para relaxar, para conhecer novos lugares ou para passar tempo com quem nos é querido. Por vezes, fazendo todas estas coisas ao mesmo tempo. Quando se constitui uma família, o passar tempo é obrigatório, o viajar é opcional, o relaxar é impossível.
"Force Majeure/Turist", a mais recente proposta de Ruben Östlund, é sobre uma família em férias. O pai tirou alguns dias para estar com a família e vai com a mulher e o casal de filhos para os Alpes franceses. Um acontecimento stressante que lhes podia arruinar a vida, acaba por não ser nada além de uma história para contar. O pior é que a reacção de Tomas não agrada a Ebba e o casal vai entrar em conflito. A melhor forma de observar o filme é tentar não tomar partidos. Em princípio isso será impossível, em especial para quem tiver filhos. E claro que haverá sempre a guerra dos sexos, com homens e mulheres a tentarem justificar o seu semelhante. Esqueçam tudo isso e vejam simplesmente por todos os pontos de vista. Mas mesmo todos. Nem só do casal, nem só do quarteto. Claro que o foco principal será nas mentes de marido e mulher e o filme está estruturado dessa forma, mas há um total de nove perspectivas que seria interessante analisar. O ritmo do filme permite criar algumas ideias enquanto se assiste.
Uma perspectiva é da mãe que se acha senhora da razão e está tão furiosa com Tomas pelo seu comportamento como especialmente por ele não reconhecer o seu erro. Como mãe consegue lidar com os seus problemas pessoais ao mesmo tempo que toma conta das crianças, ainda que por vezes tenha explosões de mau humor em público. Normal para a sua situação. O pai não admite o que fez e parece esconder muito mais do que isso pois os seus esforços para resolver a questão são nulos, como se menosprezasse o que fez. Depois temos os filhos a lidar com as constantes discussões. Num país estranho e sem ninguém a quem recorrer, só se têm um ao outro. E há cenas em que pensamos quão solitário deve ser estar naquela situação e como podem apoiar alguém que lhes é querido enquanto a dor os corrói por dentro e não sabem o que dizer porque eles próprios precisam de ouvir que tudo vai ficar bem e não acreditam quando o ouvem dos pais. Finalmente, temos todos os outros. Os amigos de antes, os novos, os companheiros deles, até os funcionários do hotel. O que estará cada um deles a pensar? Qual será o efeito da presença de cada um deles? E de que forma a zanga do casal os afecta enquanto espectadores? São estas questão que são levantadas enquanto pensamos o que faríamos na posição deles. A paz de espírito deles não traz paz de espírito ao espectador que não conseguirá imaginar como reagiria a uma tragédia semelhante. É uma dúvida que persiste por muito tempo.
É raro haver um filme simplesmente para nos fazer pensar. Mais raro ainda um filme que nos queria fazer sentir simultaneamente mal com nós mesmos e a incerteza das nossas reacções humanas, e bem com a vida. Por isso é que esta proposta sueca deve ser vista com especial atenção em solitário e nunca em casal ou causará mais problemas do que resolverá.
Force MajeureTítulo Original: "Force Majeure" (Dinamarca, França, Noruega, Suécia, 2014)
Realização: Ruben Östlund
Argumento: Ruben Östlund
Intérpretes: Johannes Kuhnke, Lisa Loven Kongsli, Vincent Wettergren, Clara Wettergren, Kristofer Hivju, Fanni Metelius, Karin Myrenberg, Brady Corbet
Música: Ola Fløttum
Fotografia: Fredrik Wenzel
Género: Comédia, Drama
Duração: 120 min.
Sítio Oficial: http://www.magpictures.com/forcemajeure/

13 de junho de 2015

12 Anos

Doze anos foi o tempo que Solomon Northup esteve escravizado. Foi o tempo que Richard Linklater demorou a filmar "Boyhood". Foi o tempo máximo que estivemos sem ver um Terminator e o tempo que James Cameron demorou a bater o seu próprio recorde de bilheteiras.

Há doze anos Hulk era Eric Bana, Spiderman era o Tobey Maguire, Ben Affleck era Daredevil, Arnold Schwarzenegger era governador da Califórnia, "Oldboy" era um filme sul-coreano, as sagas "Fast and Furious", "X-Men" e "Dumb and Dumber" iam no segundo filme, "Pirates of the Caribbean" no primeiro e "Lord of the Rings" ia parar pelo terceiro, "Firefly" estava na pausa da mid-season.

Há doze anos apaixonamo-nos irremediavelmente por Eva Green, Keira Knightley e Scarlett Johansson.

Há doze anos este blog era o primeiro passo a caminho de um site que ainda hoje não está pronto. Há doze anos não fazia ideia que ia escrever sobre cinema toda a vida ou que o cinema fantástico (tal como eu) teria um lar na SciFiWorld.

Com o tempo as coisas mudam. Esperemos que para melhor.

E desse lado? Quem vem cá há doze anos?

7 de junho de 2015

"Cake" por Nuno Reis

Do mesmo realizador de “Beastly”, “Cake” era o regresso do argumentista ocasional Patrick Tobin. A sua história é sobre Claire Bennett, uma mulher que faz parte de um grupo de apoio a pessoas que sofrem de dores crónicas. Claire fica invulgarmente afectada quando Nina, uma das companheiras da terapia, se suicida. Enquanto o resto do grupo sofre a perda ou a ignora, Claire vai tentar conhecer a vida de Nina ao pormenor. Vai a casa dela, fala com o marido... com essas pequenas coisa começa a perceber que Nina foi egoísta em tirar a própria vida. Devia ter vivido. E percebe que talvez também devesse começar a viver em vez de se queixar. Uma das tramas é pessoal. Com a pressão da empregada mexicana Silvana (Adriana Barraza), Claire vai começar a encontrar alguns prazeres na vida. Isso por influência da outra metade da história, Roy (Sam Worthington), o viúvo de Nina que lhe mostra como se consegue seguir com a vida mesmo depois de perder a alma gémea. Rodeada de boas influências e exemplos de humanidade, nem a depressão de Claire vai conseguir vencer tanto positivismo e prazer pela vida.
Muito comentado pela possibilidade de dar uma nomeação ao Oscar a Jennifer Aniston, depressa “Cake” sucumbiu sob o peso da expectativa a que não correspondia. Ainda que a dor crónica seja um problema que afecta uma grande parte da população, as dores incapacitantes são não assim tão comuns. Quem fosse ver o filme iria por curiosidade mórbida, não por se identificar com as personagens. Os fãs de Jennifer Aniston poderiam estar à procura de uma comédia e há alguns toques disso ao longo de todo o filme, mas o tom geral é de um drama. Pode até ter seguido a receita do Oscar - actriz conhecida num registo diferente, caracterização que a torna quase irreconhecível, personagem que monopoliza a história, filme sem possibilidades em mais nenhuma categoria - mas faltou-lhe muito mais. Para começar faltou criar empatia. Claire não é uma pessoa de quem se goste e ainda que se perceba porque Silvana a apoia e Roy a aceite por perto, não nos identificamos na equipa de uma desistente, manipuladora que tem tudo de mão beijada e ainda se queixa do pouco que a vida lhe deu de mau, por muito terrível que seja. Em segundo, o rumo inesperado da história é perturbado demasiadas vezes com detalhes menos interessantes que quebram o ritmo. E finalmente, porque a forma irónica como termina está desajustada do que vimos em todo o filme. Como se um simples acontecimento tivesse resolvido tudo.
O problema do filme não reside nas expectativas criadas, nem em tentar ser um veículo para prémios, nem sequer em ter falhado em ambos os pontos. É apenas por ser um filme feito para um público específico, como homenagem às vítimas da dor crónica, e portanto os tratar alternadamente ou como uns coitados ou como uns heróis, não se decidindo sobre qual perfil quer, e não sendo honesto sobre a normalidade que existe em pessoas que no fundo são como nós. Esse detalhe sim, é o ponto onde o filme desilude.
CakeTítulo Original: "Cake" (EUA, 2014)
Realização: Daniel Barnz
Argumento: Patrick Tobin
Intérpretes: Jennifer Aniston, Adriana Barraza, Sam Worthington, Anna Kendrick, Felicity Huffman, Mamie Gummer, William H. Macy, Chris Messina, Lucy Punch, Britt Robertson
Música: Christophe Beck
Fotografia: Rachel Morrison
Género: Drama
Duração: 102 min.
Sítio Oficial: Fechado

"Pitch Perfect 2" por Nuno Reis

"Pitch Perfect" foi um pequeno fenómeno por todo o mundo. A história de um grupo universitário de estudantes que cantam à capella, as Bellas, conquistou milhões de fãs por todo o mundo. O segredo era simples. Tinha o protagonismo de Anna Kendrick que começava a ser adorada por todos e já cativava imensos, tinha a irreverente Rebel Wilson para ser incorrecta de todas as formas possíveis, e tinha Brittany Snow a liderar um grupo de jovens mulheres viciadas em cantorias. Numa altura em que os musicais começavam a ganhar peso nas bilheteiras, não foi estranho que "Pitch Perfect" tivesse arrecadado perto de 65 milhões no mercado dos EUA e outros 50 no resto do mundo. Uma geração esperava por algo assim. Ainda que o livro de Mickey Rapkin possa não parecer adaptável, a verdade é que as mulheres se deixaram convencer e não só Elizabeth Banks produziu, como Kay Cannon ("30 Rock") adaptou de tal forma que até podia ser um homem a realizar. Da primeira vez Jason Moore, um realizador televisivo com algum currículo fez o primeiro filme, mas o segundo foi mesmo Banks que, depois de algumas curtas, se lançou de forma aventurosa nas longas, sendo bastante bem sucedida nesta primeira experiência que no primeiro fim-de-semana ultrapassou os tais 65 milhões do primeiro filme.
Descansem que a saga "Pitch Perfect" acaba aqui. Não há forma de tornarem isto numa trilogia sem destroçarem a mensagem. O primeiro filme era sobre fitting in. A chegada à universidade, o início das responsabilidades da vida adulta, a integração num grupo que nos deixa sermos nós mesmas, e o amor pela música. Os comentadores eram tão ridículos, sexistas e ofensivos contra as Bellas e as mulheres no geral, que só por isso já as apoiávamos. Três anos passados e estando o grupo consagrado, é preciso falar sobre o fim do ciclo. A saída para a verdadeira vida adulta, o tal passo de partir para o desconhecido. Mas antes disso, terão de salvar as Bellas - algo que é maior e mais antigo do que elas - da extinção e assegurar a passagem do testemunho a uma nova geração. Fica já o alerta óbvio que não podem ver este filme sem antes reverem o primeiro. Quem não viu, ou viu há já três anos, ficará um pouco fora do ritmo.
Como Kay Cannon se manteve como única fonte criativa, a sequela é tão ordinária e tresloucada como o primeiro filme. Continua a parecer ser um filme sobre coisas insignificantes tendo uma pequena mensagem importante lá no meio. Ou, se forem estudantes universitárias, sobre aquilo que a vida é e as pequenas coisas que vão acontecendo ao longo dela. É em parte sobre a música, o amor, o desconhecido que se segue o curso, mas é especialmente sobre aquilo que a universidade tem de melhor. Não é o curso, mas as pessoas que se conhece. A família que se forma para toda a vida. Reparem que nunca vemos as Bellas a terem uma aula, só as vemos a conviver e a ensaiar. Porquê? Porque são essas memórias que as vão preparar para a vida. Não o que sabem fazer, mas quem conhecem e quem as apoia em cada passo das suas caminhadas individuais para o estrelato ou anonimato. Isso é o que levamos connosco.
Como filme sobre competições musicais, continua a ser pouco credível. Tem comentários feitos para a cultura americana que um estrangeiro pouco percebe assim como muitos disparates ditos de propósito. Por sorte tem alguns momentos de frescura como ter lugar (brevemente) na exótica Copenhaga e as frases com que Becca tenta responder à temível líder da equipa alemã. No geral é um filme que se vê bem se estivermos com o modo crítico desligado e se tivermos tido uma agradável vida universitária. Para os fãs de música, alerto que é menos cantável do que o primeiro.
Pitch Perfect 2Título Original: "Pitch Perfect 2" (EUA, 2015)
Realização: Elizabeth Banks
Argumento: Kay Cannon (baseada nas personagens de Mickey Rapkin)
Intérpretes: Anna Kendrick, Rebel Wilson, Brittany Snow, Hailee Steinfeld, Skylar Astin, Adam DeVine, Anna Camp, Ben Platt, Birgitte Hjort Sørensen
Música: Mark Mothersbaugh
Fotografia: Jim Denault
Género: Comédia, Musical, Romance
Duração: 115 min.
Sítio Oficial: http://www.pitchperfect2-themovie.com

6 de junho de 2015

"Begin Again" por Nuno Reis

Dan: Musicians for the most part are monosyllabic teenagers who really don't have a whole lot to say.
Feito em 2013, mas estreado apenas no Verão de 2014, "Begin Again" corria sérios riscos. Por um lado era o regresso de John Carney ao seu velho sucesso sobre um homem e uma mulher que encontram na música o significado das suas vidas. Como se isso na bastasse, em Portugal estreou sob o nome "Num Outro Tom", dando seguimento a "Once" que aqui tinha ficado conhecido como "No Mesmo Tom". Por outro lado, seis anos passados e com um Oscar na carteira, foi bem mais fácil reunir um elenco sonante. Tão sonante que se poderia esperar um filme mais convencional e mainstream, ainda que sejam todos actores com uma carreira bem alicerçada no indie. Perdido entre ser “mais do mesmo” ou “rendeu-se a Hollywood”, "Begin Again" não tinha boas hipóteses com os espectadores. Por sorte, quem o viu ficou agradado e certamente não cometerá esse erro ao terceiro musical de Carney, que aguardamos ansiosamente ("Sing Street" estreia ainda este ano).
Em "Begin Again conhecemos Dan, um produtor musical americano com um passado repleto de êxitos, que hoje em dia vive na miséria, num constante estado de embriaguez e a sofrer com um divórcio que não desejava. Incapaz de perceber que a sua vida está miserável, vive à espera que o próximo sucesso lhe apareça à frente. Em oposição a Dan, chega de Inglaterra Dave, um jovem prodígio musical ansioso por gravar um álbum com uma importante label. De arrasto traz a sua co-compositora e namorada Gretta, que a editora se encarrega de afastar discretamente à medida que os dias passam para que Steve seja mais apetecível para as mulheres. Sozinha numa cidade estranha, encontra um amigo que a leva a um clube nocturno onde acaba a cantar e desperta a atenção de um bêbedo ao balcão, Dan. Ele está convencido que ela é o talento secreto que sempre procurou, ela não tem nada melhor para fazer, e vão ajudar-se mutuamente enquanto compôem um álbum.
A música vai-nos sendo servida em pequenas e deliciosas doses desde o início, enquanto os actores vão compondo uma fabulosa banda sonora que no fim talvez seja gravada em álbum. Sim, as semelhanças com "Once" são muitas, ainda que tenha misturado alguns conceitos. Enquanto no primeiro a rapariga estava num país estranho com uma família a cargo, e o rapaz procurava um rumo para a sua vida solitária, agora a rapariga continua num país estranho e o rapaz procura um rumo, mas é ela a solitária e ele tenta criar alguns laços com a filha adolescente. Os seus problemas são para uma geração um pouco mais adulta. Os mesmos espectadores que seis anos antes viram "Once". O público-alvo não se limita a eles pois Keira Knightley ainda cativa a geração dos vinte a trinta anos e Hailee Steinfeld faz a ponte com a geração mais jovem. Repetindo o papel de adolescente inconsciente que fez em "Three Days to Kill", é uma rapariga que cresceu praticamente sem pai e que ganha um quando ele percebe que a sua vida não tem valor e tenta reparar os erros do passado. Um papel insignificante apenas para melhorar a representação feminina (que já em “Once” era superior à média) e para reforçar que nem todos podem ser músicos.
Tal como aconteceu com o díptico de Roberto Benigni "La Vita è Bella"/La Tigre e la Neve, não é que este filme seja mau, mas é demasiado parecido com uma obra-prima anterior do mesmo autor. Pela ordem contrária, talvez a obra-prima parecesse um filme menor. Provavelmente não.
Begin AgainTítulo Original: "Begin Again" (EUA, 2013)
Realização: John Carney
Argumento: John Carney
Intérpretes: Mark Ruffalo, Keira Knightley, James Corden, Catherine Keener, Hailee Steinfeld, Adam Levine
Música: Gregg Alexander
Fotografia: Yaron Orbach
Género: Drama, Musical
Duração: 104 min.
Sítio Oficial: http://beginagainfilm.com