2 de abril de 2019

"Stan & Ollie" por Nuno Reis

Perguntando a fãs de cinema qual o mais importante comediante de sempre, a resposta provavelmente estará dividida ente Chaplin e Keaton. Perguntando o grupo, as gerações dividem-se entre Marx e Monty Python. Mas se a pergunta for sobre duplas, apenas uma resposta é válida: Laurel & Hardy ou, como nos acostumamos a dizer, Bucha e Estica. Mesmo quem ousar pensar em Abbott & Costello terá de admitir que simplesmente se colaram ao sucesso da dupla anterior, praticamente repetiram a fórmula, e a fama internacional não se compara.
Foi através dos filmes a preto e branco de Chaplin, Keaton e Laurel & Hardy que o meu pai me foi incutindo o gosto pelo cinema e "Block-Heads" será o VHS de imagem real que mais vezes coloquei a dar. Os bons velhos tempos…
Se não for por mais nada, 2018 será lembrado como o ano em que um biopic conseguiu pôr lágrimas em muita gente adulta. Enquanto "Bohemian Rhapsody" se focou na banda mais influente do século XX e lhes recriou uma carreira conhecida por muitos, "Stan & Ollie" foi mais longe e recriou o pós-carreira da dupla, uma fase quase desconhecida. Os anos dourados seriam o mais fácil de vender, mas a ideia de explicar o porquê do desaparecimento e o que aconteceu aos dois homens mais populares e adorados do mundo era o verdadeiro serviço público.
A culpa foi do dinheiro. Uma mera disputa salarial levou ao afastamento de Stan Laurel da produção. Depois de separados, as carreiras foram declinando. Quando os encontramos passaram 16 anos e vão começar uma digressão nas ilhas britânicas. Acreditam que vão fazer um novo filme sobre Robin Hood, mas, até chegarem a esse ponto, precisam de recordar ao mundo que estão vivos e que são os melhores no que fazem. A dupla que em tempos encheria qualquer sala, começa por ter algumas dificuldades em ter meia plateia nas salas medianas onde estão marcados. Melhor para nós que, assistindo à sua vida privada, temos um duplo espectáculo. Laurel & Hardy não são apenas aquelas figuras na ficção. São uma equipa com décadas de trabalho conjunto e amizade cujas frases se completam e que antecipam os movimentos um do outro num entrosamento sem igual. Mesmo alguns dos gags que usam nas peças têm um fundo de verdade e as grandes frases que decoraram e imortalizaram cinema usam regularmente na vida real. Sem falar dos trejeitos que os fãs deliram ao ver e que a dupla repete longe das câmaras por reflexo. Os actores Stan & Ollie são as personagens Laurel & Hardy.
No próximo parágrafo vem um ligeiro spoiler, mas como se refere a factos reais com meio século, não deve fazer mal.
Mesmo que o filme acabe por saber a pouco – podiam ter feito uma série biográfica em tempo real que eu veria – em pouco mais de hora e meia condensa duas vidas imortais. O passado glorioso e os anos de menos glamour que se seguiram. Recria vários momentos cómicos, revela segredos e faz-nos rir e chorar. É que enquanto Laurel esconde um segredo – o filme não vai avançar – a saúde de Hardy não lhe permite os esforços de quando era jovem. O seu coração atingiu o limite e não pode correr e dançar pelo palco. O médico ordena que pare pela sua vida. Mas ele sabe que as coisas não são assim. O espectáculo tem de continuar. E se outro qualquer se recusaria a participar numa missão suicida, por sorte a única pessoa que precisa para completar o seu desígnio é o seu amigo de sempre, o seu parceiro de aventuras e a outra metade da sua maior criação, Stan. Há apenas dois tipos de pessoas capazes de se sacrificar pelo ofício, os super-heróis e os artistas. Nas últimas semanas temos ouvido muito “Whatever it takes”, mas há muito mais que ouvimos The Show Must Go On. Uns lutam e morrem para salvar vidas. Outros dão tudo de si para dar felicidade. Como uma vida sem felicidade não deve ser vivida, na prática estão todos a salvar vidas. Os artistas são super-heróis. Faz sentido.
Dizem que os homens não choram. Ouvi a música e vi o filme, mas acho que esse direito não pode ser negado a ninguém. Há cenas onde somos autorizados a verter lágrimas e este é o momento mais adequado desde “Toy Story 3”. Laurel & Hardy deixaram-nos há muito, mas a sua obra e legado são imortais. As imitações de John C. Reilly e Steve Coogan são mais do que dignas. São uma viagem a outros tempos e a outras formas de fazer a arte. Um par de talento ímpar que deixou muitas saudades.


Stan & OllieTítulo Original: "Stan & Ollie" (Canadá, EUA, Reino Unido, 2018)
Realização: Jon S. Baird
Argumento: Jeff Pope, 'A.J.' Marriot
Intérpretes: Steve Coogan, John C. Reilly, Shirley Henderson, Nina Arianda, Rufus Jones
Música: Rolfe Kent
Fotografia: Laurie Rose
Género: Biografia, Comédia, Drama
Duração: 98 min.
Sítio Oficial: https://www.stanandollie.co.uk/

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