A obra auto-biográfica de Jack Kerouac “On the Road” chega finalmente ao cinema. A missão de Walter Salles não era fácil e isso nota-se. Primeiro pelas imensas personagens com que nos bombardeia, algo inesperado para quem não conheça o livro, e em segundo porque ao dinheiro extra correspondeu um elenco reforçado, fazendo com que pequenos papéis acabem por ter grandes actores o que será nova decepção para quem viu os posters, mas não conhece o livro. Era o meu caso. Mas façamos as coisas como deve ser e comecemos pelo início.
Esta é a história de três amigos. Sal, o escritor com bloqueio, Carlo, o poeta à espera de inspiração, e Dean, o galanteador. Por vezes a eles junta-se Marylou, mulher do último. Como o título sugere, este é um
road movie. Passa-se nos anos 50 quando andar de carro ainda não era para todos e Sal e Dean vivem-no como uma constante necessidade e aventura. Tendo como único guia "
Du côté de chez Swann" de Marcel Proust, os dois amigos vão partir em viagens constantes entre New York, Dallas, California, México e outros locais, em cada um deles conhecendo ou encontrando alguém, em cada um deles iludindo-se sobre os propósitos da sua existência.
Não é uma obra para ler ou ver de ânimo leve. É preciso estar predisposto para ver uma aventura numa época em que casar aos 16 é normal, o sexo em grupo ou homossexual é uma aventura que todos os jovens experimentam, o casamento não pressupõe responsabilidades… em suma, o sexo é a razão de viver de toda uma geração. Ao longo de duas horas vamos acompanhar especialmente Sal na sua odisseia. Através da imagem vamos perceber o que ele sente. Através do que ele escreve vamos perceber o que aprende. Através das relações que cria e mantém vamos perceber como cresceu ao longo destas viagens. É uma forma diferente de compreender o sonho americano. Aqui vemos as desilusões e os desafios que permitem ao indivíduo encontrar e lutar pelo seu lugar no mundo.
Mais uma vez é daqueles títulos que engana pelo conceituado elenco desperdiçado. O casal formado por Viggo Mortensen e Amy Adams aparece menos de cinco minutos, Terence Howard e Steve Buscemi são ainda mais fugazes. Mesmo Kirsten Dunst e Alice Braga parecem desaparecer demasiado depressa. Ordenando pelo tempo em cena temos Riley, Hedlund, Stewart, Sturridge, Dunst, Danny Morgan, Braga e depois os outros. Riley foi a escolha certa para liderar este elenco. O seu trabalho em
"Control" já fazia prever que se saísse bem, mas está acima das expectativas com a frustração de quem não consegue fazer o que sabe que está destinado a fazer. Hedlund por outro lado rouba o espectáculo. Não é tão constante, mas a personagem também não o é e por entre as variações no estado de espírito são mais as vezes em que brilha do que as em que desilude. Stewart tem a personagem desestabilizadora (ironicamente o maior elo entre eles), mas está em modo automático e nunca chega a explodir. Sturridge está bem. Os restantes têm cada um a sua cena, por umas vezes boa, por outras vezes louca, por vezes simplesmente estranha. Foi engraçado reconhecer Tiio Horn entre tantas estrelas.
O objectivo do filme era retratar uma época e cumpre o seu dever sem deslumbrar. É demasiado parado para ser um digno
road movie. Não atinge o elevado patamar do livro nem motivará muito para a sua leitura, apesar de a tradução "Swann’s Way" seguramente ganhar o seu lugar na lista de leitura de muita gente. Merece ser visto nem que seja para matar a curiosidade sobre a
beat generation, mas convém descer as expectativas antes.