Para abrir a iniciativa Plano Nacional de Cinema fomos falar com um professor cinéfilo.
Num país onde o Ministério da Cultura foi despromovido a Secretaria de Estado e a austeridade, vulgo falta de dinheiro, é a regra, falar de cultura é quase uma ironia. Nâo admira pois que a única grande ideia que até agora foi produzida por esta Secretaria seja uma cópia do Plano Nacional de Leitura que tão bons resultados deu no ensino. Copiar uma boa ideia não deixa de ser positivo, mas penso que o critério determinante é a convicção de que é uma ideia barata. Anunciada por Francisco José Viegas na sessão de abertura do Fantasporto a par com a nova e polémica lei do cinema, suscita-me enquanto cinéfilo e professor, um conjunto de questões sérias que deveriam ser bem reflectidas antes de se tentar implementar sem critério, apenas para apresentar serviço. Há alguns anos atrás Lauro António tinha tido uma ideia semelhante de divulgação do cinema nas escolas para que foram editados um conjunto de opósculos sobre cada filme a visionar. A ideia era também interessante, embora não tivesse a ambição de ser um Plano Nacional, e os resultados também não se revelaram particularmente entusiasmantes. Desta vez parece que os objectivos têm uma dimensão nacional, sistemática e obrigatória, com o propósito aparente de educar para o cinema e evitar uma certa forma de iliteracia cinematográfica que tende a transformar a maior arte do nosso tempo numa espécie de subproduto cultural.
Sistematizemos alguns dos problemas que o PNC coloca:
1. Quem vai implementar no terreno a iniciativa? São professores do Ministério da Educação, com carga horária extra-curricular específica? A que grupo seria dedicada esta tarefa? Por exemplo Educação Visual? Serão formadores contratados numa altura em que se sabe que não há recursos financeiros?
2. Que formação terão estes professores uma vez que a especificidade do Cinema está tão fora das temáticas leccionadas pelas diferentes disciplinas? Na maioria das escolas não se vislumbra quem poderia levar a tarefa a bom porto.
3. Que suportes para acompanhar este plano? A Secretaria editaria textos para distribuição, encarregaria as editoras para criarem um eventual manual, pensar-se-ia uma forma digital de manual?
4. Em que condições o visionamento dos filmes? Em contexto de sala de aula ou em contexto de auditório nas escolas que o possuam? Em qualquer dos casos estamos a falar de condições de projecção deficientes que longe de promoverem o cinema, promovem mais aquela visão fast food de filmes em ecrãs um pouco maiores que a televisão, mas sem os requisitos e a mística que o Cinema-arte exige. E isto os alunos já têm frequentes vezes. Uma alternativa poderia ser o aluguer de salas de cinema para visitas de estudo orientadas? Só que neste caso se perderia parte da interactividade que a dissecação de um filme no momento poderia exigir.
5. Que filmes? Por último uma questão fundamental, ou seja, a tipologia de filmes a seleccionar. O que pode parecer apenas uma questão de opção estética envolve condicionantes psicológicas e sociológicas que não são de menosprezar. A opção que tem sido colocada tem insidido sobre longas-metragens nacionais e estrangeiras, mas até agora não vi solução consistente que tenha equacionado a alternativa de curtas-metragens. As curtas-metragens permitiriam com maior eficácia trabalhar os conteúdos da obra cinematográfica além de responderem a um problema fundamental que se coloca às longas-metragens que é o da gestão da atenção em adolescentes por períodos longos.
Estas propostas de reflexão atempada creio que abrangem a parte mais significativa dos problemas que um currículo deste tipo implica e seria talvez uma interessante base de discussão apesar de o tempo ser já escasso para uma implementação já no próximo ano lectivo. Setembro é já amanhã pelo que talvez não fosse de todo dispiciente um ano experimental onde se recorresse a formadores já credenciados e a um conjunto de conteúdos standard, que fizessem uma testagem no terreno de metodologias e metas a atingir.
Não colocamos aqui outras variáveis significativas como seja a inserção das escolas em meios urbanos com ampla oferta audiovisual ou escolas de meio rural com carência de acesso ao cinema. Não basta pois uma boa ideia se ela pode ser desperdiçada de forma inglória. O Antestreia está disponível para colaborar na discussão e no desenvolvimento deste projecto aliciante e necessário.
António Reis
2 comentários:
Outra questão que acho muito importante e que raras vezes vejo ser abordada é que a lista de filmes deve ser diferente em alunos do primeiro, segundo, terceiro ciclos ou secundário. Tem de se adequar à idade e conteúdo programático e não simplesmente uma lista quase aleatória de filmes.
O Plano Nacional de Cinema e a Nova Lei do Cinema vão dar pano para mangas. Em relação ao PNC vai ser impossível vir a agradar a toda a gente como aconteceu com o Plano Nacional de Leitura. À cerca da Nova Lei do Cinema nem tenho palavras... o que está não está bem e o que vem ainda será pior...
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