13 de novembro de 2013

"About Time" por Nuno Reis

O tempo é a maior bênção de todas

Quem nunca sonhou ter super-poderes? A capacidade de fazer coisas extraordinárias e se distinguir dos demais. Enquanto na infância são coisas banais como ter força, velocidade ou voar, com o avançar do ano já se pede uma coisa bem mais simples: mais tempo. O novo filme do enorme Richard Curtis vai brincar com esse conceito, mas de uma forma mais próxima da comédia romântica do que do nosso familiar fantástico.

Curtis pode ter conseguido o seu lugar na história do entretenimento com personagens como Blackadder e Mr. Bean, com argumentos como "Four Weddings and a Funeral", "Notting Hill" e "Bridget Jones’ Diary", mas foi quando se tornou realizador que se superou. Ao excelente trabalho como argumentista, juntou clássicos modernos como "Love Actually" - o filme ideal para esta época natalícia – e o bastião flutuante da música "The Boat That Rocked". Claro que não se lhe exigia nada menos do que repetir o fenómeno. Pedia-se o impossível. Para expectativas tão altas, Curtis foi em busca dos melhores. Para protagonista, uma surpresa! Downhall Gleeson ("Shadow Dancer", "Anna Karenina") tem aqui o seu primeiro grande papel depois de uma carreira promissora no segundo plano. A compensar o desconhecimento do grande público sobre ele, como interesse amoroso está a sobejamente conhecida Rachel McAdams (do filme lamechas preferido de todos "The Notebook") que tem adorado fazer cinema europeu como se prova pelos exemplos recentes "Midnight in Paris" e "Passion" e já teve a sua dose de assistir a viagens no tempo (adicionemos o óbvio "The Time Traveler’s Wife" à lista).

Enquanto McAdams volta a ser a miúda perfeita capaz de dar a volta à cabeça de qualquer homem e se move com naturalidade no romance e comédia, Gleeson leva em ombros a parte mais difícil do filme. É ele que tem de fazer com que o público desse género de filmes se fascine e se deixe levar pela magia. Interpreta Tim, um jovem capaz de viajar no tempo e que usa esse poder para fazer do seu mundo e dos que o rodeiam um lugar melhor. Quando algo está mal, um momento de concentração e puf, tem a oportunidade de fazer o que não foi feito, corrigir o que disse mal, eliminar os momentos mais deprimentes da sua vida. O pai dá-lhe dicas sobre o que pode ou não fazer e sobre quais devem ser as suas prioridades, mas esse grande poder, como todos os que sonharam tê-lo imaginam, traz grandes responsabilidades e só Tim pode decidir o que vale a pena mudar.

Este romance entra em terreno perigoso com tal sinopse. Com uma produção americana seria um desastre seguramente. Mas a visão de Curtis é especial. Ele conseguia tornar qualquer porcaria num sucesso de bilheteira e ninguém deixaria de gostar dele por isso. Dá uma tal naturalidade às coisas que repete o fenómeno de Notting Hill e Love Actually: pode ser uma história de amor impossível, mas é credível simplesmente porque nos faz acreditar. O que Tim vai fazendo e sentindo, é o que o espectador pensa. O que faria por amor àquelas pessoas. E a moral final é exactamente aquela que tantas vezes ouvimos das pessoas mais velhas e não percebemos ou não tornamos realidade antes de ser demasiado tarde. Não é preciso reviver melhor, desde que se viva cada dia ao máximo.

About TimeTítulo Original: "About Time" (Reino Unido, 2013)
Realização: Richard Curtis
Argumento: Richard Curtis
Intérpretes: Downhall Gleesom, Rachel McAdams, Bill Nighy, Lydia Wilson, Lindsay Duncan, Tom Hollander
Música: Nick Laird-Clowes
Fotografia: John Guleserian
Género: Comédia, Fantasia, Romance
Duração: 123 min.
Sítio Oficial: http://www.abouttimeintl.com/

9 de novembro de 2013

"Now You See Me" por Nuno Reis

Magia é ilusão

Qualquer progresso científico suficientemente disruptivo é considerado magia. De outra forma não teria piada. O cinema documental dos Lumiére até que depressa se tornou um entretenimento banal, mas quando o ilusionista Georges Méliès lhe aplicou os seus truques, passou a ser chamado de magia. Essa grande ilusão ainda hoje perdura. As pessoas correm para as salas de espectáculo que lhes proporcionem experiências mais estranhas, mais fora do comum, mais mágicas. Nâo foi por acaso que acima usei a palavra espectáculo para identificar a sala.
Se em tempos o rei do espectáculo era o ilusionista, com os seus passes de prestidigitação, hoje não há dúvidas que são os cineastas. Homens e mulheres capazes de nos transportar para outros locais e outras épocas, ou mesmo para mundos de fantasia onde o impossível acontece diariamente. Mas o respeito entre estes artistas é imenso e não é normal cruzar os temas. Tivemos casos recentes como "L’Illusioniste" onde o importante não era a arte do engano, mas a parte humana da história, e "The Prestige" que fez com que todos se achassem capazes de desmascarar um ilusionista como fraude. Mas a verdade é que quando o artista assume o nome de ilusionista não está a mentir. Assume que o que vai fazer é uma ilusão, um truque óptico.

A história do filme acompanha quatro artistas que são unidos por umas cartas misteriosas. Se em separado eram bons, em conjunto são incomparáveis e os maiores mágicos de sempre. Apoiados por um magnata, vão dar uma série de espectáculos onde o impossível acontece. Mas nem toda a gente gosta de ser enganada. Há um polícia que os quer prender por roubo e um ex-ilusionista que ganha a vida revelando os truques dos outros. E quanto maior a fama do ilusionista, mais apetecível essa revelação. Como podem quatro indivíduos enfrentar a polícia, os homens do dinheiro e o maior especialista em desfazer ilusões? Com magia.

Now You See Me” é uma reconciliação entre os mundos do cinema e do ilusionismo. A arte da ilusão atinge todo o seu potencial de deslumbramento no grande ecrã e só os mais básicos dos truques são revelados de forma a manter o mistério. Aliás, contem com atenção o número de vezes que falam de ilusionismo. Os dedos de uma mão bastam. A palavra-chave usada ao desbarato é Magia pois o espectador do filme tem de estar no estado X-Files (I want to believe) para se deixar levar. E como funciona. Os efeitos especiais propiciam um alcance que o ilusionismo actual nunca conseguiria e assim os quatro cavaleiros surpreendem todos. Falta saber se eles são os bons, os maus, ou se estão simplesmente a ser manipulados por alguém com outros interesses. Interpretações surpreendentes de todos os actores que podem adicionar este projecto ao currículo com orgulho pois não será um exagero dizer que não fizeram nada tão bom em muitos anos.

Com uma narrativa envolvente, muita intriga, acção, e truques de ficar com o queixo caído, o filme heist de Louis Leterrier é bastante inteligente e convence como qualquer ilusionista gostaria. Há detalhes que não são tão credíveis (o truque grande do segundo espectáculo é o mais escandaloso), e o twist final não é uma surpresa completa, mas perdoa-se pois o filme no seu todo funciona e o seu visionamento será uma bela experiência para os sentidos e para a mente.

Now You See MeTítulo Original: "Now You See Me" (EUA, França, 2013)
Realização: Louis Leterrier
Argumento: Ed Solomon, Boaz Yakin, Edward Ricourt
Intérpretes: Jesse Eisenberg, Mark Ruffalo, Woody Harrelson, Isla Ficher, Dave Franco, Morgan Freeman, Mélanie Laurent, Michael Caine
Música: Brian Tyler
Fotografia: Mitchell Amundsen, Larry Fong
Género: Crime, Mistério, Thriller
Duração: 115 min.
Sítio Oficial: http://www.nowyouseememovie.com

3 de novembro de 2013

"The Internship" por Nuno Reis

Há muito tempo, mas nesta mesma galáxia, vi um filme chamado “AntiTrust”. Apesar do seu elenco de renome, foi um tema demasiado marginal para ser um sucesso e apenas funcionou com um pequeno nicho. Aquele nicho dos adolescentes visionários que adivinhavam o potencial da informática antes dos chavões e da liberalização fazerem com que qualquer um se achasse intendido no assunto. Era a época das dotcom e dos sonhos computadorizados, a época em que um jovem numa garagem podia fazer toda a diferença. Era eu em potência.
Os anos passaram, a informática superou as expectativas de qualquer um, intrometendo-se por completo na vida das pessoas e acabando com a individualidade. As startups e o empreendedorismo tornaram-se vocabulário corrente, provando que a tal ideia teria de vir cada vez mais cedo, enquanto eu caminhava para velho. O sonho de fazer aquela descoberta revolucionária que mudaria o mundo foi-se esbatendo, mas não morreu.

Doze anos depois, vivemos num novo paradigma. Parece que já foi tudo inventado, que não há mercado para novas ideias e novos talentos, e, quando há, alguém chega lá antes de nós. Mas é também a era da falta de privacidade, das empresas multinacionais malignas, dos computadores e da rede quase como um inimigo da Humanidade e da individualidade. A maldita obrigação de estar sempre online e de manter uma amizade virtual com pessoas que não víamos desde o infantário e cuja vida seguiu um rumo diferente, cujas fotos de família não nos poderiam interessar menos e no entanto nos aparecem na página de entrada.
Há muitas formas de evitar isso. Gerir bem as permissões. Simplesmente ignorar as pessoas. Não ter uma presença online. Não falta por onde escolher. Mas de uma forma ou outra, acabaremos sempre ligados e teremos de confiar em alguma das coorporações. A única que se vai safando, apesar do ocasional escândalo, das legislações nacionais em constante desafio, da concorrência feroz, é a Google. Conhecida e usada por todos, odiada por praticamente ninguém, é ainda hoje um bastião dos valores das primeiras empresas tecnológicas, dos jovens que numa garagem ousaram sonhar com um mundo melhor, das empresas que estão focadas no cliente e nos funcionários e não apenas no lucro. Doze anos depois e com a informática de consumo generalizada, “Antitrust” continua a ser um filme para uma minoria, mas um filme sobre entrar na Google, aplica-se a vários milhões mais. É um sonho que mesmo quem não tem, percebe perfeitamente.

“The Internship” não é um anúncio à Google. Pode ter o apoio oficial - não só usam a marca exaustivamente como o patrão Sergey Brin tem um cameo - mas não seria nunca a forma como o G mais famoso do mundo se apresentaria. Não é fiel ao que será o processo de selecção Google ou qualquer empresa. É uma comédia que tem lugar na Google, como algumas tiveram em busca dos hambúrgueres White Castle, e imensas passam por um Starbucks ou McDonalds. De tão conhecida que a Google é, não é publicidade encapotada, é um cenário familiar a todos. Como comédia, pode ser semelhante a trabalhos anteriores dos envolvidos actores e realizador envolvidos, o que conta é a mensagem de vida. Dois vendedores com quarenta anos vêem-se a ter de começar a vida do início depois de a sua empresa fechar. Se vão começar de baixo, o melhor é estarem perto do elevador e vão tentar entrar na Google, a melhor empresa do mundo, a empresa do futuro. A sua visão pode ser antiga, mas não são retrógrados. Estão lá para aprender tanto como para ensinar e vão deixar uma marca.
Por sorte consegui apreciar completamente o filme. Tanto compreendo uma geração que se sente defraudada pelas expectativas e teme o que a tecnologia trará, como a geração que vive num mundo electrónico e sonha com um futuro brilhante que se resume a ter um emprego. Tão depressa percebo a referência cinematográfica de quem viveu os 80, como a ausência de referências culturais da geração que nasceu nos 90. Percebo que o filme foi escrito por pessoas que têm uma visão um bocado limitada, só viram um dos lados da questão - o lado velho - mas ao menos esforçaram-se em construir um produto que também é bem recebido pelos jovens. Claro que as falhas são óbvias para quem sabe do que falam, mas como dentro do tema das tecnologias nenhum filme consegue ser correcto e envolvente, prefiro um que agarra o espectador desensinando pouco, a um que agarre baseado em mentiras ou um que seja cientificamente correcto e não interesse a ninguém.

Estando a chegar a época de férias, deixo uma forte recomendação para que seja o primeiro visionamento nesse período de ócio. Dá para por momentos nos sentirmos mais jovens e recordar o que é a Googleness, aquela capacidade de fazer o mundo avançar em harmonia. É a altura ideal para fazer algo de louco e disruptivo. Ou ser preguiçoso, ir ver outro filme e esperar que isto passe. Depende dos efeitos e da força de vontade em cada um.

The InternshipTítulo Original: "The Internship" (EUA, 2013)
Realização: Shawn Levy
Argumento: Vince Vaughn, Jared Stern
Intérpretes: Vince Vaughn, Owen Wilson, Rose Byrne, Aasif Mandvi, Max Minghella
Música: Christophe Beck
Fotografia: Jonathan Brown
Género: Comédia
Duração: 119 min.
Sítio Oficial: http://www.theinternshipmovie.com