Todos sabem que Woody Allen tem várias facetas. Não é só por ser actor, realizador, argumentista e músico, é porque tão depressa nos dá uma comédia como um drama, algo de época ou ficção-científica, tao depressa filma nas suas Nova Iorque ou Paris com amor, como faz um filme em piloto automático por razões claramente económicas. "
Cafe Society" é um filme com algum piloto automático, mas é um quase regresso à Nova Iorque dos anos 30 que vimos em
"Os Dias da Rádio" (passado em 1942), é uma visita à Hollywood glamorosa dessa época com um toque de
"Broadway Danny Rose", é um refrescar dos actores com quem trabalha.
"
Café Society" é sobre Hollywood e as festas do mundo do cinema. Não se foca naquelas cheias de estrelas e fotografias para as revistas, mas as dos homens de negócios que faziam acordos milionários e trocavam boatos. Phil Stern é o maior deles. Um homem tão ocupado que quase não consegue tempo para reunir com o sobrinho - cujo nome não recordava - para lhe arranjar emprego. E Bobby agradece pois não só tem liberdade para explorar a cidade, como acaba por conhecer Vonnie, uma das assistentes do tio e uma lufada de ar fresco numa sociedade maquilhada e vestida para impressionar. Ao fim de alguns meses, já farto dessa vida, Bobby volta para Nova Iorque com ideias sobre como a gente da alta sociedade quer ser vista e aplica essas ideias no clube do irmão que depressa se torna o lugar mais
in da cidade.
Neste regresso ao que Allen já fez tão bem, tanto pela época como pelo tema e localização, o argumento de "
Café Society" fica a dever muito aos seus irmãos mais velhos. Tem tudo o que vimos Allen fazer como ninguém, em especial aquelas personagens que tentam seguir em frente nas relações falhadas, ou as que estão a mudar para sempre o mundo em que vivem sem se aperceberem disso, mas não é um bom Allen. Vindo de um novo realizador ainda se aceitaria e aplaudiria, mas dele exigíamos mais. Está sempre na eminência de saltar para algo maior, mas depois há sempre um qualquer acontecimento que impede esse avanço e se volta a focar num individuo e aí prefere jogar com os sentimentos de culpa e arrependimento do que explorar todo o mundo que nos apresentou.
É de destacar a nova oportunidade de Jesse Eisenberg (depois de um fraco
"To Rome With Love") que se volta a tentar esticar para fora do acting range que lhe imaginávamos. Não serve para tema único do filme como o realizador tentou, mas tem uma boa transformação de jovem entusiasmado e desorientado vindo da outra costa em sagaz homem de negócios. De notar a improvável aposta em Kristen Stewart com quem Eisenberg fez dupla em "
American Ultra" (e ultimamente tem conseguido trabalhar com alguns dos maiores realizadores) numa personagem-chave que podia e devia ter sido mais explorada. Entre as confirmações, Steve Carell também não faz nada que ainda não o soubéssemos capaz e podia ter tido ou mais ou menos tempo, ficou numa posição ingrata em que parecia ser pivotal para depois ser descartado. Tal como a Stewart, foi-lhe dada uma personagem demasiado estereotipada para conseguir dar um cunho pessoal. Corey Stoll teve a sorte de ser o escape cómico e faz parte de muitas da melhores cenas. Exceptuando um momento de Bobby no hotel, diria que todos os bons
gags do filme passam precisamente pelo Ben de Stoll. Falta ainda uma referência a Blake Lively que surge no filme por alguns minutos quase como uma figura angelical e, mesmo não sendo exigente para a actriz que simplesmente tem de sorrir e deslumbrar, tem o condão de subtilmente mudar o tom do filme.
Após ver um daqueles filmes que só Allen conseguiria fazer, a sensação é de ter sido um bom filme, com grande elenco, cenários e fotografia impecáveis, mas com o passar das horas a sensação de poder ter sido mais acaba por ganhar. Tem muitas cenas memoráveis (por quem não via igual antes noutros filmes dele) e uma ou outra frase que se poderá repetir no dia-a-dia, mas nada de extraordinário.