28 de dezembro de 2004

Os piores de 2004


A escassos dias de entrar em 2005, e antes de apresentarmos a parte positiva deste ano que finda, o Antestreia divulga hoje o que foi (na nossa opinião) o Pior de 2004. Como em situações análogas, será uma visão supra cinema, dando uma visão mais abrangente do audiovisual / cultura que se produziu este ano.

"Catwoman" - um filme muito mau, chegando a roçar o ridículo na construção das personagens;

"Michel Vaillant" - porque é uma adaptação deplorável;

"The Haunted Mansion" - e Eddie Murphy não se liberta dos maus filmes;

"Torque" - indiscutívelmente, na minha opinião, o pior filme do ano. Obsceno...;

"The Cat in the Hat" - fraquíssimo, horrível adaptação e interpretações péssimas...;

"Garfield" - o assassinato de um dos gatos mais bem-amados da banda-desenhada..

"Alexandre" - uma enorme desilusão, que de uma possível nomeação para melhor do ano caiu... num dos piores;

Cinema Português ("Portugal S.A.", "Tudo Isto é Fado", "Sorte Nula", etc) - pouco, e na globalidade fraco (obviamente com excepções - a serem abordadas nos melhores deste ano);

Pressões sobre a comunicação social - salvo contraditório, ano negro no direito e liberdade à comunicação...;

Orçamentos de Estado - 2003 e o recém aprovado 2004 voltam a reforçar um ponto - completo ostracismo da cultura. Elemento fulcral na educação da sociedade (logo desde a base) é um acesso à cultura digno, algo que os sucessivos Orçamentos de Estado continuam a ignorar. Um ponto claramente a rever;

Taxa de IVA - mais um ano sem descer o IVA. Absurdos os valores acrescentados a discos, livros e dvd's, entre outros. Um claro incentivo à sempre criticável pirataria. Mas, de facto, os preços que se praticam a nível de cultura são ridículos e ofensivos à inteligência e sede de cultura;

Edições dvd portuguesas - o costume. Desrespeito quase total pelos consumidores - traduções deploráveis, contracapas ridiculamente escritas, extras não legendados, menus em língua inglesa, preços exorbitantes (vide comentário supra) contribuem para uma colecção rica em filmes mas má em edições. Um pedido: mais qualidade, menos interesses monetários;

A 2: - o canal da sociedade civil. Programas prescritos para as insónias - desinteressantes e pachorrentos. Depois de horas de discussão e de planeamento, um projecto abúlico e bastante fraco. Possui alguns pontos de interesse, a serem analisados nos Melhores 2004;

Quinta das Celebridades - mais uma vez a televisão bate no fundo. Outra uma marca negativa na televisão portuguesa:

Informação TVI - o tablóide na sua máxima expressão. Informação deplorável, sensacionalista e... Manuela Moura Guedes. Pressão sobre um comentador, desinformação e exploração das fraquezas humanas. Horrível.

Falta de apoios aos festivais - mais uma vez, os festivais de cinema portugueses a sofrerem imenso com cortes orçamentais, o que (como é perceptível) dificulta imenso o trabalho de quem muito tem para dar à cultura portuguesa.


Em conclusão, filmes fracos (como em todos os anos) e, essencialmente, uma completo desinteresse por dar um acesso digno à cultura. Este será, na minha opinião, um ponto essencial a rever no ano que se avizinha.



26 de dezembro de 2004

Breves



Gervais nos Simpsons


Ricky Gervais, o homem responsável pela série britânica "The Office", vai escrever um episódio da popular série americana. O autor daquela que é possivelmente a melhor série inglesa da actualidade reconhece que "The Simpsons" é o melhor programa de sempre e que o seu sonho era escrever uma piada para a série, depois de escrever um episódio inteiro terá cumprido a ambição de uma vida. Que sosseguem os fãs dos Simpsons pois Gervais em "The Office" (que escreve, realiza, actua e produz) venceu o prémio de melhor comédia nas últimas três edições dos BAFTA e o seu sentido de humor é também reconhecido nos Estados Unidos: venceu um Golden Globe de Melhor Actor Comédia/Musical.

"Sicko" poderá ter problemas com a saúde


"Sucko", o actual projecto do controverso realizador Michael Moore está a ser temido por aqueles que ele visa. Este documentário irá incidir sobre o sistema de saúde americano e consequentemente nas empresas farmaceuticas por isso algumas das principais começaram a alertar os seus funcionários contra um homem gorducho de boné de basebol que lhes faça perguntas. Ou Moore muda a aparência ou terá algumas dificuldades em conseguir o material incriminatório que deseja. Mas de certeza que arranjará uma forma de fazer mais um filme polémico que lance o pânico nos visados e o medo nos americanos.

Novo filme de Jackie Chan


Jackie Chan tem mais um projecto em mente... Antes que os leitores se assustem aviso que não me refiro ao "Rush Hour 3" (que estreia em Agosto nos EUA) mas sim a "Jui kuen 3", o título inglês é "Drunken Master 3" e é a sequela dos filmes de 1978 e 1994. Neste filme Chan será o mestre e terá um pupilo que consegue ser melhor do que ele, refiro-me a Tony Jaa, o protagonista de "Ong-Bak" que foi exibido no Verão em Portugal mas só em Fevereiro chega aos Estados Unidos.
Pelo que Jaa demonstrou no seu trabalho anterior até estou com vontade de ver o filme mas os actores ainda não acertaram os calendários portanto não sairá nada nos próximos tempos.

23 de dezembro de 2004

Natal 2004


Os anos passam, o gosto mantém-se. Mais um Natal, mais uma época festiva, mais uma vontade: o Antestreia deseja a todos os seus leitores um Feliz Natal, esperando para todos que o lêem o mesmo que este blog espera para si próprio. Não só para estes, mas também para os seus mais directos colaboradores: César Nóbrega e Filipe Lopes, um abraço festivo e de agradecimento.Vemo-nos, num blog perto de si.



FEST


Um projecto português, encabeçado por pessoas competentes: FEST - Festival de Cinema e Vídeo Jovem de Espinho, projecto encabeçado por Filipe Pereira, e que em 2005 assiste à sua segunda edição, já anunciou as categorias de participação e os patrocinadores. Assim sendo, as categorias repartem-se entre: A - Ficção, B - Documentário, C - Trabalho Experimental, D - Animação, E - Videoclip Musicais. As inscrições estão abertas até 7 de Janeiro, e este festival de grande interesse conta com o apoio da Fundação Navegar, da SIC Radical, Câmara Municipal de Espinho, Appia Filmes e Rádio Universidade de Coimbra. Para saber mais, o melhor é consultar www.fest.pt.


22 de dezembro de 2004

"The Interpreter"


É um dos filmes a seguir com atenção para 2005. Um agente do FBI (Sean Penn) irá ter como missão proteger uma intérprete (Nicole Kidman), a qual ouve por engano uma conspiração de assassinato, num filme que misturará intriga política com drama e acção. "The Interpreter" será realizado por Sydney Pollack, e tem inúmeros pontos atractivos: além de Penn e Kidney contracenarem pela primeira vez, é bom não esquecer que os últimos filmes do californiano foram "Mystic River" e "21 Grams", sendo igualmente o regresso de Pollack à realização depois do decepcionante "Random Hearts". Por agora, deixo aqui o teaser poster, bem como a possibilidade de consultar o site oficial aqui, onde poderá ser visto o trailer.


20 de dezembro de 2004

Breves


Ronaldo, antigo jogador do Cruzeiro, PSV de Eindhoven, Barcelona e Inter de Milão, e actualmente no Real Madrid, vai ver a sua vida chegar ao cinema. De facto, tanto os acontecimentos pessoais como os profissionais irão ser retratados em filme, numa produção que irá ser dirigida por um dos mais promissores realizadores brasileiros da actualidade - Fernando Meirelles, realizador do aclamado "Cidade de Deus". O seu percurso desde o Cruzeiro de Belo Horizonte, a transferência para a Europa, a grave lesão e os affaires amorosos serão inúmeros ingredientes da vida daquele que já foi por duas vezes considerado o melhor jogador do mundo.

Foi lançada muito recentemente a segunda série de "24" em dvd, uma fabulosa série, vencedora de inúmeros Grammys, que conta com Kiefer Sutherland no papel principal. Fantástica aquisição para quem, como eu, é fanático por esta produção. Aponto, como já fiz noutas ocasiões, duas situações: a primeira, a ausência de menus em português (sim, eu sei inglês, mas nem todos são obrigados a sabê-lo). Um segundo ponto: a deplorável e muito pouco profissional tradução na legendagem: calão, muito calão, erros ortográficos - imperdoável - e traduções literais com a criação de palavras que não existem no léxico português. Uma nova mostra da falta de respeito que as distribuidoras portuguesas têm pelos consumidores portugueses.


19 de dezembro de 2004

Breves


David Goyer, realizador de "Blade: Trinity" e argumentista de "Batman Begins" irá escrever, produzir e dirigir "The Flash", adaptando assim mais uma BD, desta vez do original da DC Comics.

A Paramount adquiriou os direitos cinematográficos de "Splinter Cell", um vídeo jogo que já se encontra na sua segunda edição. Peter Berg ("Friday Night Lights") irá dirigir esta adaptação, que conta a história de Sam Fischer, um espião do governo que tenta entrar no retiro de uma unidade terrorista e tentar impedir um ataque com armas tecnológicamente avançadas. O jogo tem sido um enorme sucesso, com "Splinter Cell" e "Splinter Cell: Pandora Tomorrow" a terem vendido mais de 6 milhões de unidades, estando previsto para Março o lançamento de "Splinter Cell: Chaos Theory", uma terceira série deste campeão de vendas.

A 20th Century Fox divulgou mais duas imagens de "Star Wars: Episode III - Revenge of the Sith", a estrear (previsivelmente) a 19 de Maio em Portugal. Aqui ficam elas:





18 de dezembro de 2004

Prémios Lumière 2004




A ABCine - Academia de Blogs de Cinema, apresenta agora oficialmente o primeiro prémio online de cinema em Portugal, os Prémios Lumière. Estes prémios, novidade absoluta entre nós, irão premiar o que de melhor se fez em 2004 no cinema nacional e internacional. A 30 de Janeiro de 2005 irão ser divulgados os vencedores. Quanto à academia, cujo site pode ser encontrado aqui, encontra-se em fase de reestruturação, prevendo-se novidades já para o próximo ano.


17 de dezembro de 2004

16 de dezembro de 2004

Guerra no Iraque caminha para o cinema?


Segundo a Variety, a Guerra no Iraque caminha a passos largos para chegar ao cinema (como já seria de esperar). "No True Glory: The Battle for Fallujah", livro escrito por Bing West, um ex-marine, agora correspondente naquele país do Médio-Oriente, e que regressou lá para combater durante um ano, irá para as bancas em Maio próximo. Até lá, vão começar os preparativos para uma adaptação ao cinema, que segundo consta contará com Harrison Ford no principal papel. Ideias ainda vagas, mas que irão concerteza marcar uma nova mudança no cinema de guerra norte-americano.


Por onde é que anda...



DARREN ARONOFSKY



Darren Aronofsky, nascido a 12 de Fevereiro de 1969 em Brooklyn, Nova Iorque, desde cedo demonstrou talento para as belas artes, mas foi em Harvard que estudou cinema, desde imagem real até animação. Em 1996 lança-se com o seu primeiro filme, depois de alguns trabalhos de final de curso: realiza "Pi" (que chegou a Portugal pela mão do Fantasporto), vencedor de alguns prémios. Dois anos mais tarde, em 2000, mais uma grande obra: "Requiem for a Dream": um violento retrato do mundo das drogas, filmado com o talento único de Aronofsky. Desde lá, passados quatro anos, não houve notícias de filmes seus. Por onde anda, então, esta já certeza do cinema norte-americano?
Actualmente, Aronofsky encontra-se a filmar "The Fountain", um thriller de ficção científica com Ellen Burstyn, Hugh Jackman e Rachel Weisz nos papéis principais. Um filme que estreará lá para 2005. Encontra-se igualmente a trabalhar em dois projectos que deveriam ainda estrear este ano, mas cujo argumento foi alterado e, portanto, só começara a ser filmado no próximo ano: "Flicker", baseado no livro de Theodore Roszak, e "Lone Wolf and Cub", baseado na BD de Kazuo Koike. Ou seja, e infelizmente para todos os amantes da 7ª Arte, só em 2005 voltaremos a ouvir falar deste excelente cineasta.


15 de dezembro de 2004

14 de dezembro de 2004

Eu e o Cinema: algumas pérolas cinematográficas - por Filipe Lopes (PARTE I)


"Não sei a quem é que tu sais!", costumava a minha mãe dizer-me, com um sorriso de preocupação a sair-lhe dos lábios, quando eu tinha cerca de dezasseis anos, referindo-se à minha compulsiva vontade de ver filmes. De todo o tipo, mas acima de tudo, segundo a opinião dela - sublinho que era segundo a opinião dela e acho ser daí que provinha o tal esgar de preocupação -, de filmes de terror. Por um lado, penso que ela partilhava um pouco da minha alegria ao ver-me tão divertidamente interessado nessas coisas do cinema, por outro, temia que eu viesse a degenerar e me tornasse num daqueles psicopatas com cutelos e machados que pululavam nas fitas do género. Ou que me transformasse num vampiro à laia do Drácula ou do Nosferatu, sei lá! Bom, mas cedo compreendeu que podia ficar descansada quanto a essa questão, já que eu gostava dos filmes de terror tal como gostava dos outros, de todos os outros géneros, do 'western' ao drama, da comédia ao filme negro, do 'thriller' à animação ou à ficção científica. Mais tarde veio a comprovar que eu não me transformei no horripilante assassino da moto-serra. Acho que ficou contente!
Apaixonei-me pelo cinema quando ainda era criança. Na aldeia da minha avó existia uma associação recreativa, onde por vezes um projeccionista itinerante assentava arraiais com a sua velhinha máquina de 16mm. Os primeiros filmes que vi projectados foram, por essa altura, algumas curtas-metragens nas quais aparecia a inconfundível e mítica imagem do Charlot. Aquela figura pequenina com uma divertida forma de andar, que usava bigodinho, bengala e chapéu de coco, ficou-me para sempre na memória. Hoje, quando (re) vejo alguns filmes do Charlie Chaplin, a primeira coisa que me vem à memória é aquela sensação que tive quando era miúdo ao ver "O Garoto de Charlot" (1920) - a de uma pureza absoluta, ou a de uma ingenuidade imaculada, própria de quem está a presenciar e sentir algo pela primeira vez. Chaplin foi um grande realizador. Um dos maiores de todos os tempos. A prová-lo estão títulos como "A Quimera do Ouro" (1925), "Tempos Modernos" (1936), "O Ditador" (1940), ou "Luzes da Ribalta" (1952), apenas para dar alguns exemplos.
Acho que cresci fascinado pelo cinema da mesma forma que a criança de "Cinema Paraíso" (1988), de Giuseppe Tornatore. Para mim, aquele projeccionista que ia à aldeia da minha avó era um mago que trazia novos mundos e sonhos na bagagem para me oferecer. Graças a ele, fui o Zorro, o Robin dos Bosques, o Hércules e o Tarzan vezes sem conta, bem como o 'cowboy' mais rápido e com mais pontaria do Velho Oeste Americano. Ah! O Velho Oeste Americano! Teria, talvez, os meus oito anos, quando vi o "Shane" (1953), de George Stevens, pela primeira vez. E aí fui o rapazinho que segue de olhos lacrimejantes a partida do antigo pistoleiro transformado em herói solitário rumo ao horizonte. Um dos géneros que eu mais adorava, na época, era o 'western' e este filme foi o que abriu as portas para todos os outros que armazeno carinhosamente no meu baú de recordações, como "Rio Vermelho" (1948) ou "Rio Bravo" (1959), se falar em Howard Hawks, assim como "A Desaparecida" (1956), ou "O Homem Que Matou Liberty Valance" (1962), se me lembrar de John Ford. Aliás, estes dois realizadores pertencem, hoje, ao conjunto daqueles que eu mais admiro, mesmo noutros géneros cinematográficos. Lembrar-me-ei sempre de "As Vinhas da Ira" (1940) e de "O Vale Era Verde" (1941), como obras-primas absolutas que Ford nos deixou, tal como não me esquecerei jamais de "Paraíso Infernal" (1939), "Scarface - O Homem da Cicatriz" (1932) ou "Os Homens Preferem as Louras" como alguns dos legados mais importantes de Hawks à História do Cinema.
Voltando ao 'western', não é de estranhar que John Wayne seja uma presença quase constante nos filmes que referi (à excepção de "Shane", Wayne entra em todos); ele é, de facto, para mim a figura do 'cowboy' por excelência. E era ele quem eu imitava, mesmo não fazendo a mínima ideia de quem era, nas minhas brincadeiras de criança. 'Johnny Guitar' (1954), de Nicholas Ray e, mais recentemente, Silverado (1985), de Lawrence Kasdan, e "Imperdoável" (1992) de Clint Eastwood, fazem, também eles parte, em conjunto com mais duas dúzias de títulos, da prateleira dourada da minha memória. Seria, no entanto, escandaloso (sem qualquer ponta de exagero), esquecer-me de mencionar o tantas vezes mal amado italiano 'western spaghetti', por intermédio da figura magistral de Sergio Leone e de alguns dos seus filmes, com particular ênfase para "Aconteceu no Oeste" (1968) e para a trilogia iniciada com "Por Um Punhado de Dólares" (1964), seguida por "Por Mais Alguns Dólares" (1965) e terminada com chave de ouro através do excepcional "O Bom, o Mau e o Vilão" (1966). O protagonista destes três últimos foi outro grandioso senhor do cinema, Clint Eastwood, também ele um actor com lugar destacado no 'western' e que encarnou como ninguém a figura do justiceiro que é um cavaleiro solitário.
Mas foi aos treze anos, sensivelmente, que descobri ser o cinema a arte que eu mais adorava. O filme que provocou essa aproximação, no sentido de me levar a procurar outras coisas para ver e para ler, ou seja, para saciar a minha cada vez maior sede de conhecimento, foi "Laranja Mecânica" (1971), de Stanley Kubrick. Confesso que vi sem que ninguém, com poder para mo impedir, soubesse. Já sabia que todos diriam que não era um filme para a minha idade, tanto mais que o meu pai o tinha visto na altura da estreia em Portugal, lá para fins de 1974, princípios de 1975 e tinha ficado muitíssimo mal disposto com a sua violência, tanto a latente como a que era mostrada. Para um jovenzinho nos primórdios da adolescência, há melhor apresentação do que esta para ver o filme, sem sequer pensar em mais nada que não no simples prazer da transgressão? É óbvio que nada me tinha preparado para o que iria seguir-se e levei um violentíssimo murro no estômago por causa da minha teimosia, mas valeu a pena. A ideia subversiva que Kubrick transpõe para o grande ecrã, transformando um terrível e cruel criminoso em vítima da sociedade é, simplesmente, sublime. Claro que, com treze anos, embora já com uma relativamente longa jornada de filmes de terror vistos na televisão às sextas-feiras à noite sem que ninguém desse por isso, a percepção que eu tive do significado daquelas imagens não foi tão rebuscado. Isso só veio com o tempo, com o meu conhecimento das coisas do mundo, com os livros que li, com as pessoas com quem falei e com a numerosa quantidade de vezes que o revi. É incrível o que o Cinema pode fazer por nós!
Stanley Kubrick passou a ser, a partir dessa altura, o meu realizador preferido. O seu cinema enchia-me (e enche-me) verdadeiramente a alma! São poucos os realizadores que podem dar-se ao luxo de dizer que foram geniais em quase todos os géneros pelos quais passaram. Kubrick foi (é!) um deles. De "2001, Odisseia no Espaço" (1968), na Ficção Científica, a "Barry Lyndon" (1975), no Filme de Época, passando por "Shining" (1980), no Terror, "Doutor Estranhoamor" (1964), na Comédia, ou "Nascido Para Matar" (1987), no Filme de Guerra, toda a sua carreira está assente em pilares muitíssimo sólidos e praticamente indestrutíveis. Um génio!
Depois de "Laranja Mecânica", como há pouco referi, a minha paixão pelo cinema cimentou-se e a minha sede de conhecimento sobre a matéria cresceu como uma progressão geométrica. A partir daí, meus caros leitores, não sendo comedido no adjectivo a utilizar, foi o descalabro! Porque, se ver filmes custa dinheiro, comprar livros sobre a matéria tem um custo incomportável para uma bolsa de um miúdo que ainda não tem idade para trabalhar. Felizmente tive a ajuda de amigos, que me emprestavam muitas coisas e me ajudavam a seleccionar o que era importante. Foram largas centenas, os filmes que vi e os realizadores que tenho como referência. Citarei apenas alguns. Nunca se sabe… pode ser que esta "pequena" lista sirva para alguém que goste de cinema e queira andar à procura de algum que ainda não tenha visto…



ALGUNS DOS FILMES DE QUE MAIS GOSTO

Dario Argento
SUSPIRIA (1977)
INFERNO (1979)

Ingmar Bergman
MORANGOS SILVESTRES (1957)

O SÉTIMO SELO (1957)
A FONTE DA VIRGEM (1960)

Tim Burton
BATMAN (1989)
EDUARDO MÃOS DE TESOURA (1990)
BATMAN REGRESSA (1992)
ED WOOD (1994)

Frank Capra
UMA NOITE ACONTECEU (1934)
O MUNDO É UM MANICÓMIO (1944)
DO CÉU CAÍU UMA ESTRELA (1946)

Charles Chaplin
O GAROTO DE CHARLOT (1920)
A QUIMERA DO OURO (1925)
O DITADOR (1940)
LUZES DA RIBALTA (1952)

Francis F. Coppola
APOCALYPSE NOW (1979)
JUVENTUDE INQUIETA (1983)
O PADRINHO (I, II e III)
DRÁCULA DE BRAM STOKER (1992)

Michael Curtiz
O CAPITÃO BLOOD (1935)
AS AVENTURAS DE ROBIN DOS BOSQUES (1938) co-realizado com William Keighley
CASABLANCA (1942)

Jonathan Demme
O SILÊNCIO DOS INOCENTES (1991)

Sergei Eisenstein
O COURAÇADO POTEMKIN (1925)
ALEXANDRE NEVSKI (1938)

David Fincher
SE7EN - SETE PECADOS MORTAIS (1995)
CLUBE DE COMBATE (1999)

Victor Fleming
A ILHA DO TESOURO (1934)
O FEITICEIRO DE OZ (1939)
E TUDO O VENTO LEVOU (1939)
O MÉDICO E O MONSTRO (1941)

John Ford
AS VINHAS DA IRA (1940)
O VALE ERA VERDE (1941)
A DESAPARECIDA (1956)
O HOMEM QUE MATOU LIBERTY VALANCE (1962)

Milos Forman
VOANDO SOBRE UM NINHO DE CUCOS (1975)

Jean-Luc Godard,
O ACOSSADO (1960)
PEDRO, O LOUCO (1965)

D. W. Griffith
O NASCIMENTO DE UMA NAÇÃO (1915)
INTOLERÂNCIA (1916)

Howard Hawks
SCARFACE, O HOMEM DA CICATRIZ (1932)
PARAÍSO INFERNAL (1939)
RIO VERMELHO (1948)
A CULPA FOI DO MACACO (1952)
OS HOMENS PREFEREM AS LOURAS (1953)
RIO BRAVO (1959)

Werner Herzog,
AGUIRRE, O AVENTUREIRO (1972)
FITZCARRALDO (1981)

Dennis Hopper
EASY RIDER (1969)

Alfred Hitchcock
A JANELA INDISCRETA (1954)
A MULHER QUE VIVEU DUAS VEZES (1958)
PSICO (1960)

Peter Jackson
BRAINDEAD - MORTE CEREBRAL (1992)
O SENHOR DOS ANÉIS (I, II e III)

Mathieu Kassovitz
O ÓDIO (1995)

Elia Kazan
HÁ LODO NO CAIS (1954)

Buster Keaton
O REI DOS COWBOYS (1925)
A GLÓRIA DE PAMPLINAS (1926) co-realizado com Clyde Bruckman

Abbas Kiarostami,
E A VIDA CONTINUA (1992)
ATRAVÉS DAS OLIVEIRAS (1994)
O SABOR DA CEREJA (1997)

Stanley Kubrick
DOUTOR ESTRANHOAMOR (1964)
2001, ODISSEIA NO ESPAÇO (1968);
LARANJA MECÂNICA (1971);
BARRY LYNDON (1975)
SHINING (1980)
FULL METAL JACKET - NASCIDO PARA MATAR(1987)


continua...

Eu e o Cinema: algumas pérolas cinematográficas - por Filipe Lopes (PARTE II)


Akira Kurosawa,
ÀS PORTAS DO INFERNO (1950)
OS SETE SAMURAIS (1954)
KAGEMUSHA - A SOMBRA DO GUERREIRO (1980)
RAN, OS SENHORES DA GUERRA (1985)

Emir Kusturica
UNDERGROUND - ERA UMA VEZ UM PAÍS (1995)
GATO PRETO, GATO BRANCO (1997)

Fritz Lang
METRÓPOLIS (1927)
M - MATOU! (1931)

Sergio Leone,
POR UM PUNHADO DE DÓLARES (1964)
POR MAIS ALGUNS DÓLARES (1965)
O BOM, O MAU E O VILÃO (1966)
ACONTECEU NO OESTE (1968)
ERA UMA VEZ NA AMÉRICA (1984)

Ernst Lubitsch
A LOJA DA ESQUINA (1940)
SER OU NÃO SER (1942)
O CÉU PODE ESPERAR (1943)

Joseph L. Mankiewicz,
O FANTASMA APAIXONADO (1947)
JÚLIO CÉSAR (1953)
CARTA A TRÊS MULHERES (1948)

F. W. Murnau
FAUSTO (1926)
TARTUFO (1926)
AURORA (1927)
NOSFERATU, O VAMPIRO (1922)

Sam Peckinpah
CÃES DE PALHA (1971)
DUELO NA POEIRA (1973)
A BALADA DO DESERTO (1970)

Monty Python
MONTY PYTHON E O CÁLICE SAGRADO (realizado por Terry Jones e Terry Gilliam, 1975)
A VIDA DE BRIAN (realizado por Terry Jones, 1979)
MONTY PYTHON, O SENTIDO DA VIDA (realizado por Terry Jones, 1983)

Michael Radford
O CARTEIRO DE PABLO NERUDA (1994)

Nicholas Ray,
JOHNNY GUITAR (1954)
FÚRIA DE VIVER (1955)
SOMBRAS BRANCAS (1960)

George A. Romero
O DESPERTAR DOS MORTOS VIVOS (1968)

Robert Rossen
A VIDA É UM JOGO (1961)

Martin Scorsese
TAXI DRIVER (1976)
O TOURO ENRAIVECIDO (1980)
TUDO BONS RAPAZES (1990)

Ridley Scott
BLADE RUNNER (1982)

Steven Spielberg
TUBARÃO (1975)
OS SALTEADORES DA ARCA PERDIDA (1981)
E. T. , O EXTRATERRESTRE (1982)
INDIANA JONES E O TEMPLO PERDIDO (1984)
INDIANA JONES E A GRANDE CRUZADA (1989)
A LISTA DE SCHINDLER (1993)
O RESGATE DO SOLDADO RYAN (1998)

George Stevens
SHANE (1953)

Quentin Tarantino
CÃES DANADOS (1992)
PULP FICTION (1994)
KILL BILL - Vol. 1 (2003)
KILL BILL - Vol. 2 (2004)

François Truffaut,
O MENINO SELVAGEM (1970)
GRAU DE DESTRUIÇÃO (1966)

Orson Welles
O MUNDO A SEUS PÉS (1941)
O QUARTO MANDAMENTO (1942)
RELATÓRIO CONFIDENCIAL (1955)
A SEDE DO MAL (1958)
O PROCESSO (1962)

James Whale
FRANKENSTEIN (1931)
O HOMEM INVISÍVEL (1933)
A NOIVA DE FRANKENSTEIN (1935)
O HOMEM DA MÁSCARA DE FERRO (1939)

Ed Wood
GLEN OR GLENDA (1954)
PLAN 9 FROM OUTER SPACE (1959)

continua...


13 de dezembro de 2004

Golden Globes 2004


Foram hoje anunciados os nomeados para os Golden Globes Awards, que são unanimemente considerados como a antecâmara dos Óscares. Com Jamie Foxx como a grande revelação desta lista, resta esperar pela cerimónia, que decorrerá a 16 de Janeiro do próximo ano. De destacar ainda o actor Robin Williams, que receberá o prémio Cecil B. DeMille, galardão que homenageia toda uma grande carreira. Aqui fica a lista:



MELHOR FILME - DRAMA

"The Aviator"
"Closer"
"Finding Neverland"
"Hotel Rwanda"
"Kinsey"
"Million Dollar Baby"

MELHOR FILME - COMÉDIA/MUSICAL

"Eternal Sunshine of the Spotless Mind"
"The Incredibles"
"Phantom of the Opera"
"Ray"
"Sideways"

MELHOR REALIZADOR

Clint Eastwood - "Million Dollar Baby"
Marc Forster - "Finding Neverland"
Mike Nichols - "Closer"
Alexander Payne - "Sideways"
Martin Scorsese - "The Aviator"

MELHOR ARGUMENTO

"Eternal Sunshine of the Spotless Mind"
"The Aviator"
"Finding Neverland"
"Closer"
"Sideways"

MELHOR FILME DE LÍNGUA NÃO INGLESA

"The Chorus"
"House of Flying"
"Motorcycle Diaries"
"Sea Inside"
"A Very Long Engagement"

MELHOR ACTOR - DRAMA

Javier Bardem - "The Sea Inside"
Don Cheadle - "Hotel Rwanda"
Johnny Depp - "Finding Neverland"
Leonardo Dicaprio - "The Aviator"
Liam Neeson - "Kinsey"

MELHOR ACTOR - COMÉDIA / MUSICAL

Jim Carrey - "Eternal Sunshine of the Spotless Mind"
Jamie Foxx - "Ray"
Paul Giamatti - "Sideways"
Kevin Kline - "De-Lovely"
Kevin Spacey - "Beyond the Sea"

MELHOR ACTRIZ - DRAMA

Scarlett Johansson - "The Love Song for Bobby Long"
Nicole Kidman - "Birth"
Imelda Staunton - "Vera Drake"
Hilary Swank - "Million Dollar Baby"
Uma Thurman - "Kill Bill Vol. 2"

MELHOR ACTRIZ COMÉDIA / MUSICAL

Annette Bening - "Being Julia"
Ashley Judd - "De-Lovely"
Emmy Rossum - "Phantom of the Opera"
Kate Winslet - "Eternal Sunshine of the Spotless Mind"
Renee Zellweger - "Bridget JonesI and the Edge of Reason"

MELHOR ACTOR SECUNDÁRIO

David Carradine - "Kill Bill Vol. 2"
Thomas Haden Church - "Sideways"
Jamie Foxx - "Collateral"
Morgan Freeman - "Million Dollar Baby"
Clive Owen - "Closer"

MELHOR ACTRIZ SECUNDÁRIA

Cate Blanchett - "The Aviator"
Laura Linney - "Kinsey"
Virginia Madsen - "Sideways"
Natalie Portman - "Closer"



ROBIN WILLIAMS - UM GÉNIO DA COMÉDIA

You're only given a little spark of madness. You mustn't lose it


Robin McLaurin Williams, nascido em Chicago a 21 de Julho de 1951, cedo se envolveu no mundo das artes: com 16 anos mudou-se para San Francisco, onde estudou Ciência Política, pouco antes de se mudar para Teatro. Deu nas vistas em papéis de comédia, tendo sido inclusive considerado o melhor comediante vivo em 1997 pela Entertainment Weekly, mas recentemente deu grandes provas de versatilidade em filmes como "Patch Adams" (1998), "One Hour Photo" ou "Insomnia" (2002). Nomeado 4 vezes para Óscar ("Good Morning, Vietnam" (1987), "Dead Poets Society" (1989) e "The Fisher King" (1991) , ganhou-o numa ocasião: em "Good Will Hunting", contracena com Matt Damon, num filme que foi inclusive destacado
recentemente pelo Antestreia devido à sua banda sonora.
Fonte de talento inesgotável, Williams é ainda um fabuloso imitador de vozes e um stand-up comediant de primeira água. Actualmente, encontra-se com três projectos: a animação da Pixar "Robots", "The Big White" e ainda "Happy Feet", outra animação que se encontra ainda em projecto. Genial, completo, brilhante, são inúmeros os epítetos que qualificam o próximo vencedor do prémio Cecil B. DeMille.


12 de dezembro de 2004

European Film Awards


Foram ontem à noite divulgados os EFA 2004 - European Film Awards. Em cerimónia que decorreu em Barcelona, os prémios foram repartidos por vários filmes, destacando-se Fatih Akin e o seu "Gegen die Wand", mas especialmente o português Eduardo Serra, que venceu o prémio pra melhor director de fotografia, por "Girl With a Pearl Earring". Aqui fica a lista de prémios:




MELHOR FILME EUROPEU 2004

"Gegen die Wand", Turquia / Alemanha
realizado por Fatih Akin



MELHOR REALIZADOR EUROPEU 2004

Alejandro Amenábar
por "Mar Adentro", Espanha


MELHOR ACTOR EUROPEU 2004

Javier Bardem
em "Mar Adentro", Espanha



MELHOR ACTRIZ EUROPEIA 2004

Imelda Staunton
em "Vera Drake", Reino Unido / França



PRÉMIO CARREIRA 2004

Carlos Saura, Espanha



MELHOR FOTOGRAFIA 2004

Eduardo Serra
por Girl With a Pearl Earring", Reino Unido


MELHOR FILME INTERNACIONAL 2004

"2046", China, França, Alemanha, Hong-Kong
realizado por Wong Kar Wai


MELHOR CURTA-METRAGEM EUROPEIA 2004

"J'attendrai le suivant", França
realizado por Philippe Orreindy


MELHOR DOCUMENTÁRIO EUROPEU 2004

"Darwin's Nightmare", Áustria / Bélgica / França
realizado por Hubert Sauper



Fotos El Mundo online (elmundo.es)


9 de dezembro de 2004

Textos, críticas, opiniões e afins


Convêm, de foram clara e inequívoca relembrar, para evitar qualquer tipo de equívoco que possa existir, ou ter existido, que TODOS os textos publicados neste espaço estão protegidos pelo direito de propriedade intelectual, regulados pela lei portuguesa e internacional devidamente publicada para o efeito.


"Easy Rider" por Filipe Lopes

Born to be Wild

Mais do que apenas um filme de ficção, "Easy Rider" é como que uma ilustração sociológica dos Estados Unidos da América, no final dos anos 60.

Em 1969, Dennis Hopper realizava a sua primeira longa-metragem. O argumento tinha sido escrito em conjunto com Peter Fonda (que também foi produtor do filme) e Terry Southern (que se estreou na escrita de argumentos, em 1954, mais precisamente em "Dr. Estranho Amor", de Stanley Kubrick). A história girava em torno de dois amigos que resolviam pegar nas suas motos e fazer uma viagem pela América profunda; o primeiro título que teve foi "The Loners", cuja tradução seria algo como "Os Solitários", ou "Os Lobos Solitários". Acabou por se chamar "Easy Rider", nome que, por muitos, ainda hoje é tido como uma referência, não apenas do cinema, mas, sobretudo, num contexto em que surge associado a motoqueiros errantes, que procuram a liberdade em cada palmo da estrada/terra que percorrem. Na verdade, "Easy Rider", o filme, é muito mais do que a história de dois seres humanos e das suas 'Harley Davidsons'. É, igualmente, muito mais do que uma simples viagem. É uma busca, uma demanda, um ímpeto de procura de uma liberdade despojada, que foi beber muito do espírito à literatura 'beatnik' de Jack Kerouac, por exemplo, também ele e os seus livros, símbolos, ícones, do homem livre em permanente contestação consigo próprio e com a sociedade asfixiante que o rodeia. Assim, "Easy Rider", é, muito mais, uma película sobre a busca interior de dois homens e de todos quantos se lhes cruzam no caminho, todos eles párias em busca do seu rumo; muitos foram marginalizados pela sociedade, outros sofrem, quase, de misantropia; auto-marginalizaram-se e aproveitam para lucubrar, enquanto esperam conseguir abrir uma porta à redenção com o mundo e com eles próprios. Os EUA atravessavam um período conturbado, mas riquíssimo, na sua história, enquanto país, sobretudo nos aspectos culturais e artísticos, mas também nos político-sociais. A música (dos Velvet Underground aos Doors, da Janis Joplin, ao Bob Dylan), a poesia (de Bob Kaufman, a Allen Ginsberg), a literatura (de Jack Kerouac, a William Burroughs) e, de um modo geral, todas as artes, são exemplos disso mesmo. Se, a isto, juntarmos a contestação à guerra do Vietname, o consumo desenfreado de drogas, a libertação sexual, as palavras e os discursos mais ou menos inflamados - de Martin Luther King (menos) ou Malcolm X (mais) - sobre segregação racial, bem como a morte de ambos, verificamos que estamos a falar de um país em ebulição.
É verdade que "Easy Rider" não se centra em muitas destas questões, mas não é menos verdade que é fruto de todas elas. Os dois 'cavaleiros da estrada', Captain America (Peter Fonda) e Billy (Dennis Hopper) começam por arranjar dinheiro, fruto de uma transacção de drogas, logo no início da narrativa. Pegam nas notas e colocam-nas dentro de uma mangueira, no interior do depósito de gasolina das suas 'Harleys". O intuito é utilizar o montante que ganharam numa odisseia que os levará a percorrer o interior dos Estados Unidos da América. E, logo desde o seu início, onde se denota uma incontida ansiedade catártica, somos conduzidos, como que numa visita guiada, por algumas das comunidades 'hippies' isoladas das grandes cidades, até tudo descambar num final esvaído de esperança, causado pela brutalidade umbilicalmente ligada a uma arrogante, analfabeta e mesquinha sociedade americana simbolizada pelos homens da carrinha de caixa aberta com que se cruzam no final da jornada.
A presença de Jack Nicholson, aqui quase no princípio da sua carreira, e ainda relativamente longe dos êxitos e da dimensão que viria a alcançar nos anos vindouros, é portentosa. Elucidativo, quanto a esta questão, é o facto de ter sido nomeado, pela Academia, para o Óscar de Melhor Actor Secundário e, embora a vitória não lhe tenha sorrido, a simples nomeação contribuiu para a sua afirmação como um dos melhores actores dos últimos anos e, até mesmo, de sempre; estatuto, aliás, que hoje detém com inteira justiça. Não foi laureado pela Academia, nem ganhou o Globo de Ouro desse ano (para o qual também foi designado), mas venceu, todavia, os prémios para a melhor interpretação num papel secundário, atribuídos por duas das mais importantes associações de críticos norte-americanas nomeadamente - a NSFC e a NYFCC. Nos Óscares correspondentes ao ano de 1969, a indigitação de Nicholson não foi a única do filme, já que, igualmente nomeados para a estatueta dourada, foram os três argumentistas já referidos no princípio deste texto, que também não lograram vencer. Dennis Hopper acabaria, ainda, por receber, em Cannes, o galardão para o melhor primeiro trabalho. Trabalho, esse, que acabou por se tornar um enorme sucesso de bilheteira, tendo custado 340 000 dólares e facturado mais de 19 milhões.
O poder que "Easy Rider" exerceu em mim, quando o vi pela primeira vez, foi de tal modo colossal, que estaria tentado, mesmo hoje, a não parar de escrever sobre ele. Como o espaço não é assim tanto, o mais que posso fazer é dizer-vos, sem reticências, para o irem ver. Aluguem-no, no vosso clube de vídeo, ou comprem-no onde conseguirem! Não o vi à venda em nenhuma das lojas portuguesas, mas algumas aceitam encomendas e ainda existem videoclubes que o têm… Como alternativa podem sempre adquiri-lo pela internet, através do sítio http://www.amazon.com, por exemplo.

MONTY PYTHON'S LIFE OF BRIAN - A VIDA DE BRIAN - por Filipe Lopes

O final da década de sessenta, mais precisamente o ano de 1969, foi testemunha do nascimento de um grupo composto por meia dúzia de jovens com uma criatividade quase inesgotável, uma ironia tresloucada e um mordaz espírito crítico em relação a tudo o que os rodeava. Os seus nomes: Graham Chapman, John Cleese, Eric Idle, Terry Jones e Michael Palin, todos ingleses, aos quais se deve acrescentar, ainda, Terry Gilliam, o único não britânico (Gilliam é americano) da equipa que ficou conhecida como 'Monty Python'. Da união destes seis jovens (o mais velho, John Cleese, ainda não tinha 30 anos) surgiu uma das mais fabulosas e míticas séries cómicas da televisão inglesa (e mundial!) de que há memória - "Monty Python's Flying Circus". Cada episódio era constituído por várias pequenas histórias que contavam com a participação de todos, tanto na escrita, como na interpretação das mesmas. Embora parecesse não haver qualquer ligação entre cada sketch, cabia a Terry Gilliam interligá-los, através das suas estranhas mas divertidas animações. O resultado foi um gozo descomunal, repleto de nonsense, que se manteve em exibição na BBC durante cinco anos consecutivos, de Outubro de 1969 até Dezembro de 1974. Em 1971 fizeram, de propósito para o mercado americano, um filme a que chamaram "And Now For Something Completly Different" e que incluía cenas regravadas dos episódios exibidos em televisão nos dois primeiros anos.
Em 1975 surge a segunda e (genial) longa-metragem - "Monty Python and the Holy Grail" - realizada a quatro mãos (por Terry Jones e Terry Gilliam), mas escrita a doze (a escrita continua a ser um acto partilhado globalmente) e que muitos consideram ser a melhor coisa que aquelas seis cabeças fabricaram. Confesso não ser muito fácil, de facto, decidir qual tem mais qualidade, sobretudo se tiver de comparar entre esta e a película seguinte - "Monty Python's Life of Brian" - feita quatro anos depois; mas a ter que eleger uma delas, a minha escolha recai sobre esta última, como se nota, aliás, pelo título deste artigo. "A Vida de Brian", nome que teve em Portugal, é uma sátira bíblica muitíssimo bem disposta situada cronologicamente na época de Jesus Cristo, mas, e antes que alguém comece já a acusá-la de blasfémia, convém dizer que a história não se centra em Jesus, mas numa outra personagem que terá nascido na mesma altura - o tal Brian do título. Terry Jones realizou este verdadeiro ícone da comédia dos últimos 25 anos, mas foi autor de outros títulos, como "The Meaning of Life - O Sentido da Vida" (1983), no qual repete a parceria de "Monty Python and the Holy Grail" com Terry Gilliam, "Erik, The Viking" (1989) e um episódio da série televisiva "As Aventuras do Jovem Indiana Jones, datado de 1992".
Mas vamos ao que interessa. O filme começa como uma normal fita de Natal. Três homens seguem uma estrela e entram numa gruta à procura do Messias, levando-lhe, como presente, ouro, incenso e mirra… parece que já viram isto em qualquer lado, não é? Pois… só que a receber os Reis Magos está Terry Jones travestido em Mandy, a mãe do menino daquela caverna. Jesus está mais à frente, na mesma rua, como reparam já cá fora e depois de terem prestado homenagem à criança errada. É na vida desse bebé - Brian -, agora já com 33 anos, que se centra toda a história, até terminar de uma forma que tem muito mais de cómico do que de trágico, através de uma crucificação, no mínimo, 'sui generis'. Tirando a parte cómica, o resto continua a parecer familiar, não é? De facto as analogias com a história que deu origem ao Novo Testamento são profusas e hilariantes, mas o paralelismo que existe com o percurso de Jesus Cristo, cuja coexistência é sublinhada algumas vezes mas que raramente aparece no enquadramento, é, simplesmente, delicioso. Estou a lembrar-me, por exemplo, de um leproso que foi curado contra a sua vontade por um milagre do Mestre, que dessa forma lhe tirou o ganha-pão como pedinte… elucidativo, não é? E pedaços como este, de saboroso e requintado humor, atravessam toda a narrativa, tornando "Life of Brian" numa das mais hilariantes e desbragadas comédias de sempre. O meio clerical mais conservador não teve esta visão na altura da estreia em 1979 (e ainda hoje a não tem). Pelo contrário, moveu-lhe uma perseguição feroz que só contribuiu, claro está, para a sua meteórica transformação em filme de culto - a velha máxima do odiado por uns, amado por outros adequa-se aqui na perfeição.
Bom, mas feitas as contas, temos mais de hora e meia (94 minutos, sensivelmente) de gargalhadas e isso é o que mais interessa. "A Vida de Brian"é, talvez, o filme que melhor simboliza o universo dos Monty Python, já que eles sempre se divertiram em subverter saudavelmente tudo o que lhes apeteceu, se bem que se aconselham vivamente todos os outros trabalhos que eles fizeram, quer em conjunto, quer cada um por si. Não resisto é em adoçar-vos um pouco mais a boca, quanto a este filme: imaginem um Pôncio Pilatos que troca os érres pelos éles a falar a uma multidão que ri desenfreadamente da sua oratória; ou um eremita que não falava há 18 anos e as primeiras palavras que diz são "Ai, o meu pé!", quando Brian o pisa ao atirar-se para um buraco quando tentava fugir de uma multidão de (per)seguidores; ou, ainda, quando alguém dá uma ajudinha a um dos futuros crucificados, levando a sua cruz e acabando por ser crucificado no seu lugar… o final, então, transmite-nos uma boa disposição que se mantém durante semanas a fio. É como eles dizem, caro leitor: Always look at the bright side of life!

Filipe Lopes, himself, the one and only


O Antestreia tem o prazer de apresentar mais um colaborador: Filipe Lopes. Seguidor, crítico, conhecedor, opinador da revista Primeiras Imagens (infelizmente extinta) e, acima de tudo, um grande Amigo de este vosso postador que vos publica. Todos os artigos, críticas, opiniões, exposições por ele publicadas serão certamente, por cá, muito bem recebidas.


5 de dezembro de 2004