Einar Wegener: I think Lily's thoughts, I dream her dreams. She was always there.
Em "
The Danish Girl é-nos contada a história verídica (muito adaptada) de Einar Wegener, uma mulher nascida em corpo de homem. O protagonismo foi entregue ao actual detentor do Óscar de Melhor Actor, Eddie Redmayne, mas há uma única estrela no filme e é Alicia Vikander. Não se pode falar d’A Rapariga Dinamarquesa sem falar de uma rapariga que afinal é sueca. Após um 2014 onde a vimos apenas em "
Testament of Youth" e "
Son of a Gun", 2015 foi o ano em que saltou para a fama e se tornou impossível de ignorar. Logo no início do ano no
flop sword and sorcery "Seventh Son" tem uma aura mágica. Depois foi a maior entre as enormes estrelas de
"Ex Machina" onde era uma máquina inocente a precisar de ajuda que conquistou todos os corações, em especial dos informáticos. Em seguida veio "
The Man From U.N.C.L.E." onde se tornou um ícone da moda e de estilo. E um pouco antes de, em modo fast food, ser o prato mais delicioso de "
Burnt", foi uma Mulher daquelas com maiúscula que lutou contra o mundo por amor e pelo que achava correcto.
Tom Hooper tem tido uma relação de amor-ódio com o público e a crítica. Depois do eficaz mas ignorado
"The Damned United" chegaram os quatro Óscares para
"The King’s Speech" (Filme, Actor, Realizador e Argumento) entre doze nomeações e as não tão impressionantes três vitórias em oito nomeações (maioritariamente técnicas) de "
Les Misérables". Ambos os filmes foram considerados monótonos e este seu regresso aos biopics, com um tema bem polémico, prometia agitar as águas. Tudo começa com um casal de artistas, Einar e Gerda Wegener. Mais importante do que serem um casal ou serem artistas, é o facto de serem dois jovens sociáveis, imensamente apaixonados e os melhores amigos um do outro. Aos poucos vamos ouvindo a sua história, mas não era preciso. Vemos que há algo especial entre eles desde o primeiro momento. E enquanto Gerda é sempre ela própria, torna-se óbvio que Einar se está a conter. O que começa como uma brincadeira, acaba por revelar a faceta escondida de Einar. Na verdade ele tem uma outra personalidade. Ele é uma ela e adopta o nome Lily. Essa provação vai minar o casamento, mas vai reforçar ainda mais a amizade.
Se o ditado garante que por trás de cada grande homem está sempre uma grande mulher, os biopics sobre eles deveriam admitir a importância das suas companheiras. Quase todos os anos vemos algumas dessas grandes mulheres, mas quantas são enormes e se igualam ou superam o protagonista? Deste século recordávamos Reese Witherspoon como June Carter em
"Walk the Line" e agora junta-se-lhe Alicia Vikander como Gerda Wegener. Nem foi a dualidade de Einar/Lily que abalou o estatuto de Redmayne, nem o cansaço pelo biopic onde triunfou (sem convencer) no ano passado. É o erro de Vikander ter sido apresentada como actriz secundária para todos os prémios quando o filme na verdade é sobre as duas mulheres em pé de igualdade (e Vikander até tem mais tempo de ecrã). O espectador parte com expectativas diferentes, exigindo mais dele, e enquanto Redmayne tinha uma personagem à deriva e que só por uma vez tem um brilho credível nos olhos, Vikander deslumbrou-nos com uma personagem frontal, simples e com os sentimentos à flor da pele e o coração na boca. Enquanto Einar tenta descobrir Lily, Gerda é sempre ela mesma e tem uma posição de força. Ele revela a fragilidade do seu lado feminino e ela mostra toda a força daquele que não é um sexo fraco.
Depois de
"Big Eyes" nos ter contado a vida de um casal de pintores a viver na mentira, esta outra visão de uma história que de forma redutora trata do mesmo tema - e na verdade não tem nada mais em comum - podia ter parecido demasiado semelhante. Não. Ainda que Lily nos seja apresentada pelos quadros de Gerda e eles nos deixem saudades, a pintura é muito bem desviada para segundo plano. Isso faz parte do estilo próprio de Hooper que levou às críticas nos trabalhos anteriores: foca-se apenas nas pessoas. Resumindo o que está mal, o ritmo não é o ideal, a história precisava de mais desenvolvimento e aposta demasiado no indivíduo ignorando o ambiente, o que costuma ser fatal quando se faz um produto histórico. Por sorte tem algumas interpretações que o ajudam e tanto a breve participação de Amber Heard ao início, como de Matthias Schoenaerts em momentos mais avançados, ajudam a mostrar a complicada sociedade envolvente onde eles são os raros pontos de fuga. Os vários detalhes em que o argumento escapou à realidade fragilizam o filme e tornam Lily naive, compensando na criação de uma grande personagem para Gerda, tanto do ponto de vista humano como artístico ou emocional.
É um filme imperdível para compreender porque 2015 é o ano de Alicia Vikander e porque ela merece o título de Melhor Actriz Secundária (se não lhe querem dar o de principal) e provavelmente será estudado por décadas a propósito disso, mas falhou em tudo o resto. Há vários anos que o tema da transsexualidade tem sido bem tratado no cinema, mas este que podia ter sido o seu regresso à ribalta foi um bocado ao lado. Pelo menos a televisão não se tem saído mal nessa tarefa.
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