14 de janeiro de 2007

"Flags of Our Fathers" por António Reis

O desmoronar de um mito


A carreira de Clint Eastwood parece melhorar com a idade e conseguir a proeza de, como realizador, afirmar-se de forma mais duradoura e relevante do que como actor. “Flags of Our Fathers” é uma ajuste de contas com a história da Segunda Guerra Mundial.
Sendo o desmoronar de um dos mitos do heroísmo americano no combate contra os japoneses e na vingança de Pearl Harbor, o filme acaba por se centrar mais na denúncia das mentiras da propaganda, do que em ser um mais convencional filme de guerra. O lugar é Iwo Jima, a data é 44, a situação é o desembarque nesta pequena ilha, já solo do império do sol nascente. Os marines sabem que a resistência vai ser terrível e que os soldados japoneses não se renderão nem desertarão daquilo que é o solo sagrado da sua pátria. As cenas do desembarque podem lembrar pela sua beleza plástica o dia D na Normandia revisto por Spielberg, mas Eastwood dá-nos uma visão mais cruel e menos estética do desembarque. Spielberg não resistia a uma bela-horrível coreografia da morte (como era o caso das cenas debaixo de água). Aqui o centro da história não é o heroísmo de ambos os lados nem as cenas de combate, mesmo com o seu realismo e cuidada recriação. Cedo a história se desvia para a mítica imagem da bandeira a ser hasteada no cume da montanha que fará capa nos jornais da época. Tornada símbolo de esperança de uma vitória quando o dinheiro começa a faltar para o esforço de guerra e a opinião pública americana começa a achar o esforço demasiado grande, não serão os heróis que recolherão os louros. Os verdadeiros heróis estão mortos e por isso a cena terá que ser encenada num campo militar com uma montanha de lixo e soldados a fingir que estão em solo nipónico. Três desses soldados andarão em tournée como artistas de circo pelos Estados Unidos a recolher fundos e sendo exibidos como excentricidades do povo americano – onde não falta sequer um índio.
Eastwood revê com cinismo e mágoa essa fraude histórica, pelo que não sendo o filme anti-americano é, pelo contrário, um filme na melhor tradição do cinema liberal e democrático na linha de Pollack e Pakula. A analogia com a guerra do Iraque é uma das pistas que o filme nos abre sendo aqui Truman o Bush da época. Acresce que esta obra-prima é apenas a primeira parte de um díptico verso de uma perspectiva americana que tem no seu reverso a perspectiva japonesa em “Letters of Iwo Jima”.
Se este “Flags of our Fathers” merece 10 em 10, “Letters of Iwo Jima” vale 11. Juntos valem 21 e desde já lhe atribuo os Oscares.

António Reis



Título Original: "Flags of Our Fathers" (EUA, 2006)
Realização: Clint Eastwood
Intérpretes: Ryan Phillippe, Jesse Bradford, Barry Pepper, Jamie Bell, Paul Walker
Argumento: William Broyles Jr., Paul Haggis
Fotografia: Tom Stern
Música: Clint Eastwood
Género: Drama histórico/Guerra
Duração: 132 min.
Sítio Oficial: http://www.flagsofourfathers.com/

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