31 de agosto de 2013

"La Cage Dorée" por Nuno Reis


Se não é inédito, parece. O ano passado "Morangos com Açúcar" e "Balas e Bolinhos 3" entraram em Setembro a arrasar com os números do cinema nacional. Acabaram respectivamente como quarto e terceiro filmes portugueses mais vistos desde que há registos oficiais.
Este ano podia ser diferente. Especialmente quando se anuncia quebras de 50% nas bilheteiras. Mas não foi muito. Com Agosto chegou um filme francês falado em português. Era sobre os emigrantes de primeira e segunda geração. Quem não se identifica com isso? Quantas famílias nos últimos cinquenta anos não perderam irmãos ou filhos para um país distante? E quantos de nós não choram cada ano quando eles regressam para logo partirem novamente? "A Gaiola Dourada" sabia ao que vinha. Em França teve um milhão de espectadores. Ou seja, basicamente todos os portugueses foram ver. Chegar a Portugal em Agosto era a pedir para que os emigrantes fossem rever. Que quem tivesse acolhido os emigrantes fosse ver com eles. Que quem não teve visita este ano fosse matar saudades e tentar perceber porque não voltam eles de vez.
Cada semana cerca de cem mil pessoas vão ver o filme e estamos nisso há quatro semanas. Com quatrocentas mil entradas, se fosse uma produção nacional tinha sido o filme português mais visto de sempre. Com o fim das férias, o fim do fluxo de emigrantes e o fim de pessoas que o queiram ver, não conseguirá manter esses números por mais tempo, mas será o filme mais visto do ano. Num ano de crise. E isso é obra.

Facto mais importante sobre “A Gaiola” - este é o estereótipo do emigrante português em Paris. Mas essa é também a realidade de noventa por cento dos “tugas” em terras gaulesas. O homem nas obras, a mulher como porteira num condomínio. Ambos imensamente apreciados por todos, mas raramente reconhecidos. Até que um boato se espalha. "O José e a Maria vão voltar para Portugal? Não os podemos perder! Como vamos viver sem eles?" E começa a ser erguida uma nova e deslumbrante realidade de onde não queiram sair. Uma gaiola dourada. E o José quer voltar para a terra da sua família. E a Maria não quer andar a cozinhar bacalhau toda a vida como a irmã sonha. Mas os filhos não querem ir. Eles não se sentem franceses, mas não são portugueses. Pertencem àquela geração abençoada que tem o mundo como pátria e, no entanto, sente que não tem um lugar seu.
Enquanto a comunidade à sua volta lhes dá a vida com que sempre sonharam e os filhos os fazem viver um pesadelo, os portuguesíssimos José e Maria sentem-se com total liberdade para brincar com aquela fantochada. E é assim que vão descobrir o que realmente importa.

É um filme para puxar à lágrima. Em especial quando se passou por aquilo e se sofre com o ternurento calor das memórias. Ser emigrante é sofrer, mas também é vencer. É deixar o país, mas levá-lo orgulhosamente no coração e ser um seu embaixador. É comemorar com os compatriotas exilados a cada semana numa mesa que tenha bacalhau e Super Bock e é voltar nos verões para aqueles que amamos no nosso Portugal à beira mar plantado. O mundo perfeito não teria fronteiras nem distâncias. Mas este tem. E como manda a tradição, o português - desculpem, o Português - é aquele que deixa tudo para ir, para descobrir novos mundos, para dar novos mundos ao mundo e para dar o melhor do mundo ao seu Portugal.
Pode nunca mais voltar a sentir-se em casa, mas um dia descobrirá que quem ficou para trás, só tem a felicidade de não saber o que perdeu.

Numa altura em que tanto se fala de não ser piegas, de sair da zona de conforto e de partir para o mundo, “A Gaiola Dourada” obriga-nos a pensar no que acontecerá dentro de uma geração. Perderemos muito, ganharemos mais. Cabe a cada um descobrir qual o seu lugar no mundo. Qual o seu cantinho.

Devem esperar que faça observações sobre o argumento, as opções estéticas e narrativas, sobre a iluminação ou edição. Nada disso. Este filme não é para ver com a mente que se estraga, é para ver com o coração. Querem que fale da transformação dos nossos actores mais internacionais, Rita Blanco e Joaquim de Almeida, e quão bem encaixam nas personagens que ninguém poderia fazer tão bem? Querem que diga como Maria Vieira, igual a ela mesma, é o exemplo perfeito da portuguesa sempre a trocar entre falar português e francês? Ou como o fado interpretado pela inesperada Catarina Wallenstein é suficiente para descongelar qualquer coração que ao fim de hora e meia ainda não se tenha rendido ao filme? Como aquelas mesas ao ar livre transmitem os sons, cheiros e sentimentos de Verão? Desculpem se queriam saber algo sobre o filme.
Para alguém de fora “A Gaiola Dourada” seria apenas um filme. Para nós é mais. É uma história como milhares de histórias que todos conheciamos, mas ainda não estava imortalizada em película. Cada país de imigrantes/emigrantes devia ter um e nós estávamos a falhar de forma incrível. Com uma perspectiva mais afastada, não bateria o meu predilecto "Almanya", mas este é o nosso filme e todos deviam ir vê-lo. Só é pena que "Aquele Querido Mês de Agosto" não tenha tido igual sucesso há cinco anos.
La Cage DoréeTítulo Original: "La Cage Dorée" (França, Portugal, 2013)
Realização: Ruben Alves
Argumento: Ruben Alves
Intérpretes: Rita Blanco, Joaquim de Almeida, Roland Giraud, Chantal Lauby, Bárbara Cabrita, Lannick Gautry, Jacqueline Corado, Maria Vieira
Música:
Fotografia: André Szankowski
Género: Comédia, Drama, Romance
Duração: 90 min.
Sítio Oficial: http://agaioladourada.ofilme.pt

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