Talvez devido ao nome, a teoria dos jogos tem sido encarada como uma brincadeira. A verdade é que já no início do século XVIII Leibniz afirmava com convicção que essa ciência/arte era o futuro. Claro que na altura era comum os génios dedicarem-se a temas que hoje nos parecem díspares como Matemática e Filosofia, mas os novos campos de investigação provam cada vez mais que os pensadores do Renascimento é que estavam correctos e não se podia ser genial numa área de investigação sem dominar as restantes. Leibniz foi um dos primeiros génios da computação, ao desenvolver calculadores mecânicos e o sistema binário, algo que lhe deve ter parecido uma trivialidade, mas que define a sociedade do século XXI. Um século depois Charles Babbage desenhou um computador mecânico que demorou dois séculos a ser construído (e funcionou!) e que Ada Lovelace, uma apaixonada pelas lógicas matemáticas, programou. Luxos de mentes brilhantes que por serem ricos ou por terem o apoio dos mecenas da época, criaram uma área de pensamento completamente disruptiva. Voltando ao início, a matemática sempre foi uma ferramenta de guerra. Recordemos o caso lendário de Arquimedes que terá desenvolvido catapultas, lentes incendiárias e roldanas, para adiar a conquista da cidade pela investida romana. Também para os computadores, a primeira utilidade que se encontrou foi calcular trajectórias, algo que qualquer humano treinado faria igualmente bem. Então porque investiram nos computadores, tão maiores e caros? Para estarem sempre disponíveis e não falharem devido ao cansaço (o maior defeito dos calculadores humanos é serem pessoas, esses seres imperfeitos).
Quando chegou a Segunda Guerra Mundial, muitos viram-na como um confronto de ideologias. De vontades. De egos. Na verdade era de máquinas. Inglaterra precisava de derrotar uma máquina, a Enigma, e para isso contratou especialistas em jogos. Até que lhes apareceu Alan Turing, um matemático, a dizer que se sentia tentado pelo desafio e queria tentar resolver o maior puzzle de aplavras cruzadas na história da Humanidade. A equipa onde o puseram era composta por génios que, dia após dia, tentavam derrotar o relógio, descodificando a chave secreta do dia. Quando soava o relógio, o seu esforço era todo desperdiçado pois o código deixava de ser válido. Turing via mais longe. Ele queria combater a máquina com outra máquina. Para isso desenhou e construiu um computador que, lento mas imparável, mastigava as 159000000000 combinações. Para muito era visto como um louco. Afinal, era um génio. Pois enquanto os colegas e até o exército pensavam com o coração e queriam decifrar uma mensagem, ele queria resolver o puzzle maior. Eles pensavam na guerra de soldados, ele pensava na guerra de mentes.
“The Imitation Game” é um filme muito limitado em vários aspectos. Eu esperava ver a história de Alan Turing, o génio dos computadores, inventor do Teste e das Máquinas que lhe herdaram o nome. Esperava um filme sobre um investigador brilhante e o seu método. O que tenho é uma obra sobre homossexualidade num período duplamente negro.
A história está tri-partida entre a infância, a guerra e o pós-guerra. Na infância é posto de lado por ser um génio. Na guerra, esteve sempre focado do lado matemático do problema. No pós-guerra esconde a sua homossexualidade. Referem que não tinha problemas em trabalhar com pessoas mais inteligentes do que ele, só não suportava os incapazes de aprender com ele. Da mesma forma que lhe era igual trabalhar com homens, mulheres ou máquinas, desde que servissem para o seu fim. Numa sociedade em que não havia problemas raciais, mas as mulheres não podiam trabalhar com os homens e a homossexualidade era quase tão grave como a espionagem, Turing estava a correr muitos riscos de uma vez.
Aldrabaram a história para dar um filme mais interessante, da mesma forma que simplificaram o processo de desencriptação para ser percebido pelo comum espectador, mas alhearam quem estava a tentar participar no jogo. Só falam de Turing e do seu brinquedo, ignorando passos chave como os banburies que usavam. Sim, para o filme tudo é ridiculamente simples e ainda por cima ele tem o discernimento num bar como John Nash. Faltou darem o destaque devido à participação de Joan Clarke que superou as barreiras do género (na mesma altura que Grace Hopper), permitindo que haja mulheres a trabalhar em sistemas de informação. Esses facilitismos destroem tudo o que o filme pudesse fazer de bom e mesmo com um elenco de sonho, não consegue cativar quem está na plateia pelo desafio mental e se quer sentir envolvido no processo. A mistura dos tempos narrativos, além de desnecessária, é prejudical por quebrar o ritmo que precisaria para se vender como thriller. E ter por título “imitation game” quando há uma única referência breve a esse tema, é bastante enganador pois não chegam a aprofundar essa parte do trabalho de Turing (bastante mais interessante do que a verdadeira história da Enigma, mas não tão fácil de aldrabar) Em suma, pegaram numa vida genial que nos foi tirada demasiado cedo, fizeram o melhor filme possível sobre nada (para que não haja ideias de voltar a pegar no assunto) e deram o tratamento para Oscar falando de assuntos pessoais que não deviam interessar hoje em dia, tal como não o deviam ter incomodado há 70 anos.
Como conclusão, não adianta esperar por um filme mainstream sobre o processo criativo numa área que poucos percebem. Teria de ser feito por uma perspectiva que não interessaria ao grande público. No entanto há duas vantagens. Uma é que talvez o grande público veja que a discriminação nos pode retirar grandes pessoas. Seja pelo raça, idade, género, nacionalidade, orientação sexual, etc, não se vai pode recusar ou perseguir alguém. A segunda é que a genialidade para os computadores pode ser inata, mas o talento não pode ser espremido sem tempo nem recursos. Um trabalho apressado, é útil uma vez e causa stress. Um trabalho bem feito, é um prazer e eterno. Alguém acha que ganhou mais com o primeiro. Todos ficam a ganhar com o segundo. Um caso prático: quem faz o exercício mental de completar o sudoku, resolve um problema e pode até demorar menos de um minuto. Quem analisa e decompõe o puzzle, definindo as regras de resolução, resolve todos os sudokus do mundo. Pode precisar de algumas horas, mas o problema fica resolvido para sempre. Na perspectiva do analista, o segundo desafio é mais complexo e divertido. E na vossa?
A história está tri-partida entre a infância, a guerra e o pós-guerra. Na infância é posto de lado por ser um génio. Na guerra, esteve sempre focado do lado matemático do problema. No pós-guerra esconde a sua homossexualidade. Referem que não tinha problemas em trabalhar com pessoas mais inteligentes do que ele, só não suportava os incapazes de aprender com ele. Da mesma forma que lhe era igual trabalhar com homens, mulheres ou máquinas, desde que servissem para o seu fim. Numa sociedade em que não havia problemas raciais, mas as mulheres não podiam trabalhar com os homens e a homossexualidade era quase tão grave como a espionagem, Turing estava a correr muitos riscos de uma vez.
Título Original: "The Imitation Game" (EUA, Reino Unido, 2014) Realização: Morten Tyldum Argumento: Graham Moore (baseado no livro de Andrew Hodges) Intérpretes: Benedict Cumberbatch, Keira Knightley, Matthew Goode, Mark Strong, Rory Kinnear, Allen Leech, Matthew Beard Música: Alexandre Desplat Fotografia: Oscar Faura Género: Biografia, Drama, Guerra, Thriller Duração: 114 min. Sítio Oficial: http://theimitationgamemovie.com |
0 comentários:
Enviar um comentário