Vivemos numa época em que é fundamental recordar o que foi a Segunda Guerra Mundial, mas a indústria do cinema, em vez de se focar em algo importante, por exemplo, explicar como ditadores chegam ao poder manipulando as massas, prefere mostrar o herói que enfrenta e derrota qualquer vilão.
Quem é o grande herói europeu desse confronto? No espaço de sensivelmente um ano tivemos "Dunkirk" sobre como os civis são tão fundamentais para o exército. Tivemos “Their Finest” sobre como o marketing define o rumo das batalhas. Tivemos "Darkest Hour" sobre como são precisos líderes que acreditem quando mais ninguém acredita. Tivemos "A United Kingdom" com referencias ao governo seguinte de Hitchcock e como desiludiu em tempos de paz. Tivemos "Hitchcock" sobre a queda do ídolo. Durante anos não se viu nada e de repente é uma necessidade falar dessa época quase totalmente centrada num indivíduo. Hitchcock. Hitchcock. Hitchcock. E é neste filme que mais se vê a força do líder.
Não é dado contexto à guerra. É impossível não saberem o que se estava a passar. O destaque que é dado é à relação entre monarca e primeiro-ministro, entre primeiro-ministro e governo e entre primeiro-ministro e povo. Comecemos por George VI. Tal como George V, não era suposto ter governado pois era apenas o segundo irmão. O quinto liderou nos anos da Grande Guerra e governou nos anos em que comunismo e fascismo assolaram a Europa. Foi também aquele que criou a Commonwealth que salvou o Império do colapso e conservou o Reino Unido uma potência até aos nossos dias. O sexto teve de enfrentar uma provação em nada inferior. Ainda não governava há três anos e teve de declarar novamente guerra à Alemanha. Só que desta vez França não ia poder ajudar. As Ilhas Britânicas tinham de resistir quase sozinhas contra o Eixo. Passemos então ao governo. O governo caiu. Não há como evitar quando é dada uma missão impossível. Desde Napoleão que não enfrentava tal ameaça. Nessa altura tinham uma coligação maioritária que incluía a potência Prússia e venceram por uma questão de minutos. Agora, a rendição parecia a única opção. Churchill por vezes sentia-se só na decisão de lutar contra tudo e todos. E é aí que entra o povo. Alheios ao que se passava nos campos de batalha. Sem saber o que se passava em Dunquerque. A ouvir os bombardeamentos dia e noite e a perderem casas e pessoas constantemente, viraram-se para o seu líder. Ele foi a sua força e eles foram a dele.
O filme faz um bom balanço do que se passava nessa cabeça. Mostra que apesar de ser um militar e estratega, era acima de tudo humano. Tinha sentido de humor para conviver quando lhe convinha e uma energia que lhe permitia enfrentar tudo e todos. Numa hora negra – efectivamente a mais negra das horas – não só aguentou quando todos desistiram, como usou as palavras para ressuscitar uma esperança há muito perdida. Não era uma pessoa de trato fácil, nem estava livre de críticas, mas fez aquilo que lhe foi pedido quando parecia impossível.
"Darkest Hour" é uma evolução de Joe Wright. Depois de "Atonement" já o sabíamos muito capaz de criar batalhas épicas e atmosferas pesadas. Uma década depois a narrativa visual dá lugar a um jogo mais complexo. Conta várias histórias paralelas centrada numa única pessoa. Equilibra o ter toda a informação por se estar no governo e o desconhecimento de não estar onde as coisas acontecem. Vai dando pistas de tudo o que podia ter corrido mal por causa de indivíduos menos corajosos. E usa o humor para não nos deixar cair no abismo do desespero. Fazer um filme histórico sobre algo tão bem explorado traz dificuldades. "Darkest Hour" terá sempre os spoilers da História. Dentro das suas possibilidades, saiu o melhor que podia. É um filme negro como a época que vivemos, mas é optimista como uma Caixa de Pandora. Se deixarmos passar tudo o que está errado, se aguentarmos o sofrimento, no fim ficará uma luz que nos guiará para uma sociedade melhor. Citando Gary Oldman de outro filme, não é um filme como queríamos, mas é o filme que precisávamos.
Título Original: "Darkest Hour" (Reino Unido, EUA, 2017) Realização: Joe Wright Argumento: Anthony McCarten Intérpretes: Gary Oldman, Kristin Scott Thomas, Lily James, Ben Mendelsohn, Ronald Pickup, Stephen Dillane, Nicholas Jones, Samuel West Música: Dario Marianelli Fotografia: Bruno Delbonnel Género: Drama, Guerra, História Duração: 125 min. Sítio Oficial: http://www.focusfeatures.com/darkesthour/ |
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