9 de março de 2008

Fernando Lopes, necessariamente





A homenagem a Fernando Lopes e a consequente atribuição de um prémio carreira no Fantas 2008 foi dos momentos mais emotivos de um realizador com uma longa e brilhante carreira, que escreveu os últimos cinquenta anos do cinema português. Na sua aula magistral que, humildemente, preferiu designar como "confissões de um cineasta", Fernando Lopes falou da vida, do passado, do presente e do futuro, sobretudo falou de cinema.

De "Belarmino" vê-o como uma metáfora de Portugal e citou o poema de Alexandre O’Neill sobre o filme:
[...]
Que é a poesia mais que o boxe, não me dizes?
Também na poesia não se janta nada,
mas nem por isso somos infelizes.
Campeões com jeito
É a nossa vocação, nosso trejeito...
[...]
Como em "Belarmino" onde o ex-boxeur esteve no limiar da glória e vive numa decadência de biscates, também Portugal vive sempre na miragem da glória, de um Quinto Império por vir.

O seu prémio carreira teme que seja um prémio de "final de carreira já que cada vez é mais difícil para mim filmar. Os meus dois últimos projectos foram recusados no concurso do ICA". Mas se o realizador teme o futuro, por outro lado o actor de "The Lovebirds" está cheio de projectos. Acaba de ser convidado por Jorge Silva Melo para mais um papel. Neste filme de Bruno de Almeida o episódio com Joe Berardo e Rogério Samora é marcadamente autobiográfico. "Filmar com Joe Berardo foi uma experiência divertida, mas o episódio é a história do cinema em Portugal e das dificuldades de um realizador. Foi assim em quase todos os filmes que fiz". No dia de encerramento Fernando Lopes frisou no discurso do prémio que o agradecia "em nome de todos os actores e técnicos que comigo trabalharam e de alguns, repito, alguns, produtores".
Entre o seu "Belarmino" e o "The Lovebirds" de Bruno de Almeida, Fernando Lopes recorda "a forma de filmar Lisboa. Filmei a minha Lisboa como se fosse a actriz principal do filme e Bruno - que me chama carinhosamente de avô Lopes e que eu considero o meu nono neto - filma Lisboa como só um estrangeiro consegue fazer. Tem um olhar de Nova Iorque sobre Lisboa". Muito crítico sobre o estado actual do cinema português "é preciso distinguir-se produtos de formatos. Agora em cinema só se quer fazer formatos como em televisão. Está tudo tão formatado que já não há espaço para mim neste Cinema. Em certa medida penso que o meu tempo acabou e que nunca mais me darão o dinheiro para fazer outro filme. Mas o meu problema é o mesmo de realizadores como Manoel de Oliveira, Fonseca e Costa, Paulo Rocha, António Pedro Vasconcelos".

Neste tempo em que o cinema se mede pelas audiências Fernando Lopes lembra que "Corrupção" pode ter muitos espectadores, mas que não é "o cinema português". O cinema "tem de tocar o espectador, pode gostar ou não gostar dos meus filmes, mas tocam-lhe. Senão não é cinema, é um outro formato qualquer". "Estive recentemente em Colónia a apresentar os meus filmes. E percebi que mesmo para o público alemão os meus filmes lhes tocavam, lhes diziam alguma coisa e essa experiência foi das mais gratificantes que tive".

Nostálgico, um pouco entristecido, o seu olhar só se ilumina quando se lhe pergunta os novos projectos: "vou fazer filmes muito mais baratos, documentários sobre pessoas que conheço, artistas, escritores, gente, voltar a um cinema documental que guarda essa memória para o futuro". Nós por cá achamos que Fernando Lopes é um dos maiores do cinema português.

0 comentários: