Quando Cohen disse que não poderia voltar a fazer de Borat por se ter tornado famoso, todos acreditamos. O mundo tinha ficado marcado de forma indelével pelo exótico repórter. Catorze anos depois - com algumas personagens falhadas, mas um lugar especial no Cinema do século XXI – Cohen voltou ao ataque. Era necessário? A resposta curta é “Sim, completamente”. Os Estados Unidos entraram numa espiral de loucura que 2020 não apaziguou. A aposta da Amazon neste trunfo não tinha nada de arriscado (todos os nomes do entretenimento estão unânimes que Trump tem de ir embora depressa) e a publicidade gratuita que a campanha presidencial traria a esta nova plataforma seria bem-vinda. Convém admitir que entramos numa fase ímpar em que já não há uma luta entre estúdios ou canais, mas entre plataformas. Se o confinamento fortaleceu a estabelecida Netflix e Setembro foi o despertar da Disney, Outubro traz a Amazon a espreitar o pódio com cartas na manga.
Recordo-me perfeitamente da desilusão que tive quando fui confrontado com "Borat" numa sessão surpresa em Sitges. O seu estilo documental misturado com a sátira social e o ataque direto à cultura Cazaque (e vários países da região por arrasto) foi excessivo. Até hoje não percebo como se pode considerar melhor argumento uma obra de ficção que é construída como documentário. Então foi pré-escrito, ou foi editado consoante o material conseguido?
No entanto, tinha percebido "Ali G Indahouse". Foi com este "Consequent" que percebi o porquê: diferenças culturais. Um filme feito para Inglaterra é bem interpretado por Portugal. Os países estão ligados à séculos e a diferença é mínima. Um filme feito para americanos é uma questão completamente diferente. Aqui podem ridicularizar um países distante do qual nunca ouviram falar. Mas o verdadeiro foco de crítica são os americanos. E o consumo de televisão americana e da sua realidade tão distante da nossa, ajuda em muito a perceber porque este filme faz falta.
Borat passou catorze anos na prisão pelo seu crime de leza-pátria. O Cazaquistão é agora mal visto em todo o mundo e o plano para mudar isso é o Cazaquistão oferecer uma prenda a Trump para passar a ser uma das suas ditaduras amigas. Borat, como grande autoridade no mundo americano, tem assim uma oportunidade de se redimir. A sua missão é levar um símio até Mickeal Pence, o segundo homem mais poderoso do regime.
A sequela vai então repetir a fórmula exacta do que funcionou no primeiro filme. Louco, ofensivo e completamente parvo. Com a diferença que na sua odisseia pela EUA vai encontrar além de muita gente ignorante, alguma gente boa. Fica difícil saber quanto do que vimos é real, mas cada vez é mais credível que seja tudo. Os americanos retratados são um perigo para eles próprios e por vezes para os outros e, aquilo que há uns anos se acharia impossível, hoje em dia e entre eles é bem provável.
O argumento é novamente construído para dar um fio condutor a episódios aleatórios. A colaboração na escrita de Sacha Baron Cohen com o seu parceiro de longa data na loucura, Anthony Hines, continua a dar frutos. À equipa juntaram-se Dan Swimer (faz sentido se pensarmos na sua série "Grandma’s House") e Nina Pedrad (escritora de "30 Rock" e "New Girl", não confundir com a irmã Nasim) para definir o rumo da história que se foi desenrolando no meio de uma pandemia. Um filme louco, num país louco, numa época louca. E ainda assim, Borat continua a apontar a hipocrisia de um país que se auto-entitula o mais avançado do mundo.
Infelizmente os imensos escândalos utilizados para manchar a campanha republicana à presidência retiraram-nos a surpresa de saber que desta vez Borat é auxiliado pela filha (interpretada pela actriz búlgara Maria Bakalova) que vai ter o choque cultural de uma vida ao saber que as mulheres podem conduzir, não devem viver em gaiolas e podem escolher o marido. Porque na ausência de anonimato para o jornalista, muitas vezes teve de ser a sua filha a dar a cara na rua para conseguir as reacções dos transeuntes. E sim, isto foi capturado por câmaras. Faz-nos pensar o que maisse terá passado. O polémico episódio com Giuliani não é tão mau como o pintam nas notícias (mero isco para mais gente aderir ao serviço e acendalha para as campanhas) nem sequer dos melhores ou mais importantes da narrativa. Este é o filme mais adequado para o momento em que vivemos. Feito em 2020, sobre 2020, lançado em 2020, para ver em 2020. E uma nota para o twist final visto que terá sido dos melhores momentos desta personagem.
Novamente é um filme que deve ser visto como material de introspecção e discussão pelos estado-unidenses, mas trará pouco para quem está de fora. Nõs nunca seriamos dados a teorias da conspiração, pois não?
Título Original: "Borat Subsequent Moviefilm: Delivery of Prodigious Bribe to American Regime for Make Benefit Once Glorious Nation of Kazakhstan" (EUA, Reino Unido, 2020) Realização: Jason Woliner Argumento: Sacha Baron Cohen, Anthony Hines, Dan Swimer, Nina Pedrad Intérpretes: Sacha Baron Cohen, Maria Bakalova, Dani Popescu, Música: Erran Baron Cohen Fotografia: Luke Geissbuhler Género: Comédia Duração: 95 min. Sítio Oficial: https://www.primevideo.com/dp/0O2UR0DET7Q8BLWJVZL7G5WXZ4 |
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