8 de julho de 2007

"Harry Potter and the Order of the Phoenix" por António Reis


Harry Potter na crise da adolescência

O envelhecimento dos heróis em cinema é um processo normalmente traumático. Veja-se Stallone a regressar penosamente a Rocky, Bruce Willis a escapar-se menos mal em Die Hard e Radcliffe a passar para a adolescência fingindo mal que é pré-adolescente. Adaptar o volume cinco da saga é um processo complexo, sobretudo por estar condicionado pelo próprio texto literário e, não menos importante, estar condicionado pelo visual dos filmes anteriores. Neste sentido a escolha de David Yates compreende-se no pressuposto de que o filme decorre como se de um seriado de TV fosse. Escorre lentamente, sem grandes picos narrativos, sem emoção e quase sem história, seguindo com fidelidade aquilo que o livro já tinha sido: uma seca.
No fundo percebe-se que Harry Potter está a entrar na adolescência e que a crise da adolescência em Hogwarts não é muito diferente das escolas normais. Se os personagens se debatem com os seus próprios fantasmas e medos, não admira que o público a que se destina este Harry Potter pareça ser mais os que acompanharam o crescimento dos personagens e estarão assim no mesmo estádio de desenvolvimento. A ideia poderia ser interessante, fidelizando o público que acompanha o herói desde o início, mas tem o risco de poder alienar audiências mais jovens e por isso não se augura o mesmo sucesso de bilheteira que os anteriores. Pode-se reforçar os efeitos visuais, mas algumas das melhores ideias em termos de efeitos parecem já esgotadas. Chris Columbus conseguiu dar humor ao filme, Cuarón faz uma incursão num universo mais dark, Newell conseguiu acentuar o carácter mágico e onírico, Yates limita-se a gerir o processo sem grande talento.
Quando a história começa a enveredar pelo cliché do personagem em luta com o seu alter-ego maligno, quando o bem e o mal se confundem, talvez mesmo só a mão de Del Toro, caso se confirmem os palpites de espectadores mais clarividentes, poderá salvar Harry Potter do flop. Harry pode estar em vias de acabar o curso, mas o seu futuro pode ser o desemprego. Aos sete livros previstos da saga pode estar a acontecer o mesmo que ao espectáculo das sete maravilhas. À falta de ideias começa-se a “engonhar” como diriam os Fedorentos.



Título Original: "Harry Potter and the Order of the Phoenix" (EUA, UK, 2007)
Realização: David Yates
Argumento: Michael Goldenberg, J. K. Rowling (livro)
Intérpretes: Daniel Radcliffe, Emma Watson, Rupert Grint, Gary Oldman, Imelda Staunton
Fotografia: Slawomir Idziak
Música: Nicholas Hooper
Género: Aventura/Drama/Fantasia
Duração: 138 min.
Sítio Oficial: http://www.harrypotterorderofthephoenix.com/

2 comentários:

SILÊNCIO CULPADO disse...

Concordo inteiramente com a análise feita. Nada me deprime mais que um actor que eu admiro, e quase idolatro, me aparecer como uma caricatura de si próprio. É fundamental manter constante a análise crítica que nos faça parar antes de perdermos qualidade.

Anónimo disse...

Os livros não são secos. Crescem assim como os personagens crescem. Tem seu foco naquilo que você aqui despreza, que é o cotidiano dos personagens, e é a isso que todos se apegam, é com isso que todos que lêem se identificam. Você vive a história de Harry, lendo o livro, porque ela é parecida com a sua. E isso acontece com todos as histórias. O problema dos filmes é que esse cotidiano é passado com imagens das aulas, apenas, e não há a demora, o tempo que se leva para atravessar os capítulos e sentir mesmo os dias que passam. Nos filmes é tudo muito rápido - e, nesse último, em que não se precisa quase de explicação alguma - tudo passou extremamente rápido. Só nos sobra dali imagens fantásticas. Coisa que não há porque o livro 5 não se foca nisso, mas no amadurecimento de Harry, no depois da primeira morte, na perda do último parente, na batalha agora sim declarada. Os outros tinham os jogos, personagens gigantes, explosões e seres mágicos. Nesse, há a vida dele, e quase mais nada. Essa é uma história pra ser lida, não filmada - e você erra quando diz que há "falta de idéias". Os livros caminharam menos pra ação e mais pro humano. Isso é o que eu afirmo e o que pode ter baseado um texto da Folha de São Paulo da semana passada: No sétimo livro, JK Rowling chega ao auge. Exatamente por esses aspectos a que me refiro.