Arquimedes será sempre recordado como um matemático que mudou a nossa forma de pensar e talvez o que melhor adaptou a mais pura das ciências à arte bélica. No entanto, é um nome muito comum em terras gregas e vários indivíduos com esse nome peculiar tiveram histórias dignas de serem contadas. Um desses casos é o do tio de Aris. Mas porque faria a República Checa um filme sobre um grego que ninguém conhece? Essa é a única parte boa desta história.
Na década de 1940, a Europa estava a ferro e fogo. Os extremos políticos guerreavam em vários países e a Grécia não foi excepção. Quando a Alemanha Nazi desocupou a península, surgiu um vácuo de poder onde monarquia, comunismo e fascismo se enfrentaram numa terrível guerra civil. Archimedes combateu pelos comunistas, mas perderam e foram deportados para um paraíso comunista, Checoslováquia. Em 1945 esse país entrou na sua terceira república, com uma forte influência soviética que se tornou efectiva em 1948. Archimedes (interpretado por Ondrej Vetchý) achava que estava a partir para o mundo utópico em que queria transformar a sua pátria. Isso só melhora quando lhe dão tutela do seu sobrinho órfão e quando conhece a mulher dos seus sonhos. Com uma família grega, terá menos saudades de casa e a integração será muito mais fácil. Uma coisa que como todos sabemos é que, se para visitar um sítio convém falar a língua, para lá viver, ainda mais. Ora tanto o checo como o grego são línguas complicadas pelo que a família grega terá algumas dificuldades.
O filme adopta desde cedo a comédia como arma para transpor a barreira da guerra, da solidão e da morte com que começa. Com o desenvolver da narrativa e a entrada em cena de Karel (Miroslav Donutil), um velho rezingão anti-comunismo, isso torna-se muito divertido. É que apesar da sua resistência e teimosia, Karel tem um coração mole e tal como os vizinhos acaba por ajudar o grego a conseguir um emprego e até a engendrar um mirabolante plano de fuga. É também o refúgio emocional quando a miragem comunista termina e Archimedes percebe que o regime é tão mau e violento como o oposto e Stalin não é um herói. Mas o ponto central do filme é mesmo Vetchý que, quase sem palavras, mas expressões que falam por si, nos faz apoiar esse pobre de espírito com um enorme coração e um sonho por realizar. Ainda que o cinema checo não seja muito popular fora de portas, Vetchý foi uma das estrelas maiores do oscarizado “Kolja” de 1996. Esta sua performance como grego é igualmente preciosa e só por isso temos de começar a prestar mais atenção a essa cinematografia.
Com hora e meia exacta, esta longa consegue manter o espectador preso num misto de drama, romance, comédia e intriga. Tem alguns momentos menos conseguidos – admito que talvez sejam interpretações minhas por diferenças culturais – mas que não perturbam o visionamento. É um excelente exemplo de como a União Europeia pode trabalhar em conjunto na cultura para apresentar os países vizinhos e explorar os erros do passado para aprender com eles. E é mais um estalo na cara dos países que recusam acolher refugiados quando há setenta anos os papéis estavam invertidos.
Título Original: "Muj strýcek Archimedes" (República Checa, Alemanha, França, 2018) Realização: Georgis Agathonikiadis Argumento: Georgis Agathonikiadis, Petr Hudský Intérpretes: Ondrej Vetchý, Miroslav Donutil, Dana Cerná, Veronika Freimanová, Tadeás Stourac Fotografia: Petr Hojda Género: Comédia, Drama Duração: 90 min. Sítio Oficial: https://www.ceskatelevize.cz/porady/10460904893/31529131006 |
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