14 de fevereiro de 2007

“Hannibal Rising” por António Reis


Hannibal Lecter, a psicanálise não tem culpa

Transformar um mito do mal num personagem aceitável é prova mais que evidente de que a hierarquia de valores está invertida. A ideia de fazer um passado para coincidir com o Hannbal de “O Silêncio dos Inocentes” (já tínhamos tido “Red Dragon”) agora temos “Hannibal Rising” ainda mais colado à infância. Por ironia só faltaria que o próximo episódio desta saga retroactiva fosse Hannibal no período pré-natal e os seus traumas da experiência uterina.
O Hannibal de “O Silêncio dos Inocentes”, apesar do odioso dos seus crimes, conquistava o espectadores pela perversidade genial o seu raciocínio, a sua capacidade de manipular todos os que se atreviam a contactá-lo, tinha um apurado sentido de humor e no fundo o seu fraquinho pela agente Clarice compunha um personagem que na sua maldade era socialmente aceitável. Este Hannibal quer reconstruir o passado em função de premissas que estavam esboçadas no filme de Jonathan Demme (por exemplo, a máscara, a sua paixão de gourmet e o gosto por alguns requintes de canibalismo “I’ll be having an old friend for dinner”) e se não se poupa a esforços para dar coerência e textura à história, cedo descai por uma visão esotérica, inverosímil e forçada da lógica dos acontecimentos.
Os traumas de Hannibal estão, Freud explica, na infância passada nos finais da Segunda Guerra Mundial quando os nazis recuam face ao avanço do exército vermelho na zona dos países bálticos. Não bastava a família de Hannibal ser judia, ser duplamente roubada por nazis e sovietes, ainda tem de passar pela experiência de ver a família ser chacinada e a irmã Mischa ser literalmente comida num canibalismo de sobrevivência.
Interno num colégio de órfãos durante a ditadura de Estaline, rebelde e vítima desse internato, o que se poderia esperar que Hannibal fosse em adulto?
No trajecto que o levará para França encontra refúgio em casa de parentes, onde a sua tia (Gong Li) o inicia nas artes das lâminas chinesas, razão que o leva a aperfeiçoar os sistemas de corte nas mórbidas faculdades de medicina. O quadro está composto: Hannibal afinal é um justiceiro, a sua missão é redimir o Mal deste mundo e aviar uns quantos criminosos que escaparam do Tribunal de Nuremberga. Aparte a curiosidade de quase todos os seu carrascos estarem refugiados, imagine-se, em França, alguns terem bem sucedidos e rendosos negócios, o que simplifica as deslocações, acresce o facto de a figura de Gong Li, pese embora passear-se no filme durante quase um hora de roupão, é das poucas coisas que não é comida. Uma fotografia particularmente atractiva para um filme que não faz jus a Silêncio dos Inocentes” e é mesmo ofensivo que se reclame de ser uma prequela. Anthony Hopkins escapou de ser a voz off, a prova de que um grande actor pode dar-se ao luxo de sacrificar a conta bancária por uma questão de bom senso na carreira. Os traumas de infância não explicam tudo mas o filme abre portas a uma nova super-heroína que pode autonomizar-se em próximos episódios. Gong Li apesar de chinesa poderia ser então a Hannibal Lecter do sushi.



Título Original: "Hannibal Rising" (EUA, Frnça, Reino Unido, 2007)

Realização: Peter Webber
Intérpretes: Gaspard Ulliel, Gong Li
Argumento: Thomas Harris
Fotografia: Bem Davis
Música: Ilan Eshkeri, Shigeru Umebayashi
Género: Drama, Thriller
Duração: 117 min.
Sítio Oficial: http://www.hannibalrising.com/

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