Jaco Van Dormael é belga e esta condição revela-se em quase todo o seu cinema. Desde o realismo mágico das suas obras a uma ironia cínica, passando pela metáfora como forma de espelhar esse mal de vivre que é ter-se nascido num quase não-país. Para além disso acresce aos belgas a infelicidade de serem o umbigo da Europa e da União Europeia com tudo o que de negativo isso arrasta.
Como se não bastasse, “Le Tout Nouveau Testament” arrisca à polémica religiosa quase se propõe fazer uma adenda ao Novo Testamento. Não bastavam os Evangelhos Apócrifos de Apóstolos caídos em desgraça e não reconhecidos pela Igreja, como agora se propõe acrescentar mais seis Apóstolos à mítica Última Ceia.
Se um jogo de basebol tem dezoito jogadores, Deusa, a pouco conhecida mulher de Deus, entende que os Apóstolos não se podem ficar pelos doze de um jogo de hóquei no gelo. Sim, entenderam bem. Deus existe, é casado, e além de Jesus Cristo tem também uma filha rebelde. E a par disso, diverte-se a interferir e infernizar a vida dos pobres mortais. O problema vai começar a sério quando Ea, a sua filha mal-querida, decide enviar uma mensagem aos terrenos a avisar do dia e da hora da sua morte. Confrontados com esse destino programado, os humanos vão ser obrigados a reflectir sobre o sentido das suas vidas e o que fazer com o tempo que lhes resta. Ea entretanto, para fugir à ira divina, pisga-se para Bruxelas, talvez a cidade que mais se aproxima com a ideia de Inferno, à procura dos candidatos susceptíveis de preencher as vagas dos seis Apóstolos que faltam.
Uma comédia triste com um forte teor político que pode provocar a ira dos fundamentalistas católicos. Mesmo se algumas das propostas coincidam com as novas directrizes do Papa Francisco. Um ocasião para revisitar uma fabulosa Catherine Deneuve e sobretudo uma excepcional banda sonora onde cada música é a tradução de um estado de alma. Aí encontramos temas de Carlos Paredes ou de Charles Trénet . Esperemos que o destino deste Novo Novo Testamento seja mais favorável que o de “Mr. Nobody” que demorou três anos a estrear numa sala portuguesa.
Título Original: "Le Tout Nouveau Testament" (Bélgica, França, Luxemburgo, 2015) Realização: Jaco Van Dormael Argumento: Jaco Van Dormael, Thomas Gunzig Intérpretes: Pili Groyne, Benoît Poelvoorde, Catherine Deneuve, François Damiens, Yolande Moreau, Laura Verlinden, Serge Larivière, Didier De Neck, Marco Lorenzini, Música: An Pierlé Fotografia: Christophe Beaucarne Género: Comédia Duração: 113 min. Sítio Oficial: http://www.le-pacte.com/france/a-l-affiche/detail/le-tout-nouveau-testament/ |
2 comentários:
Vim aqui parar a esta crítica depois de ver o filme há uns dias (por meios menos graciosos) e procurava algumas reflexões sobre o mesmo. E esta descrição inicial é perfeita para a base que nos é apresentada:"Jaco Van Dormael é belga e esta condição revela-se em quase todo o seu cinema. Desde o realismo mágico das suas obras a uma ironia cínica, passando pela metáfora como forma de espelhar esse mal de vivre que é ter-se nascido num quase não-país". Posto isto, e depois de tudo lido, só tenho de dizer que é uma bela análise e até me deu uma certa nostalgia por vir parar através de uma pesquisa a um blogue português.
Bons filmes.
www.cinemaschallenge.blogspot.com
Obrigado Andreia. Se quiseres mais:
Entrevista ao Jaco Van Dormael (a única nomeação do blog aos TCN)
e a minha
Crítica na SciFiWorld.
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