Ao longo das suas mais de vinte edições, Avanca tem sido um festival fora do comum. As pessoas que lá se reúnem podem não ser as mais famosas, mas são, sem excepção, boas pessoas e amam a arte. Aliás, como é um festival para todos os formatos (tem cinema, televisão, vídeo, curtas, longas, animação, documentário, ficção, experimental, conferência académica) tem pessoas que não se encontram noutros festivais. Todas vão a festivais, mas não se cruzam todas em mais nenhum lugar do mundo. Por isso a selecção é sempre diversa e pouco convencional – muitos dos títulos não voltam a ser exibidos em festivais nacionais – mas há sempre grandes pérolas pelo meio. Este ano sem grande surpresa o vencedor foi "King of the Belgians", dos repetentes Peter Brosens e Jessica Woodworth que competiram pela terceira vez no certame Desta vez com uma história tão mirabolante que é credível e tão simples que é fascinante.
O argumento acompanha Duncan Lloyd, um documentarista contratado para fazer um filme sobre o rei Nicholas da Bélgica. Tem permissão para gravar tudo de forma a editar uma peça que evidencie o maravilhoso rei que os Belgas têm a governá-los. No decorrer desse projecto, vai com o monarca para Istanbul onde participará numa cerimónia que demonstre o apoio da Bélgica à adesão turca à a´União Europeia. Só que acontece uma situação delicada no seu país e, como quase simultaneamente houve um problema nas radiações cósmicas, não tem forma de comunicar. O Rei tem de voltar urgentemente a Bruxelas o que a Turquia vê como uma ameaça à integração europeia. Protocolo, patriotismo e desejo de gravar algo extraordinário colidem e não há tempo a perder.
O filme vinha classificado como comédia o que é sempre um pouco suspeito. Esta dupla tem feito documentários e vários filmes sérios. Por isso a mudança brusca de género foi ainda mais surpreendente. Os vários anos de Brosens como documentarista permitem-lhe brincar com o género à vontade. Esta dupla só teve de adicionar algum do peculiar humor belga e retratar as estranhas peripécias que alguém muito azarado teria de enfrentar ao atravessar países menos desenvolvidos do que a capital da Europa. Vai conhecer o melhor da humanidade. Vai perceber o que realmente importa na vida. Vai ser uma pessoa melhor e libertar o governante melhor que todos sabiam que ele podia ser.
A equipa artística é simplesmente perfeita. Estão todos adequados ao papel nos momentos formais e depois são humanos interessantes de conhecer como Lloyd vai provar nas perguntas pertinentes que vai fazendo casualmente. Não era pedido que fossem perfeitos, era pedido que fossem humanos e conseguiram. De uma perspectiva técnica não havia muito a mudar. A câmara nem sempre está num ângulo plausível, mas faz parte das artimanhas do realizador para gravar quem não sabe que está a ser filmado. O argumento é delicioso e tem uma construção meticulosa que os vai despojando de bens materiais enquanto os enriquece de experiências de valor imenso.
Com uma dose de humor inesperada e uma sagacidade extrema sobre os problemas que assolam a Europa do século XXI, “The King of Belgians” foi o claro vencedor em todas as competições de Avanca onde participava. Saber que vem aí uma nova aventura – uma sequela – dá uma enorme vontade de aplaudir. Depois do Rei dos belgas, pode ser Imperador dos europeus, Líder da Humanidade, ou Governante do Universo só para sugerir algumas possibilidades de prosseguir com a história. É um feel good movie feito com mestria, humor e arte. Que mais se podia pedir?
Título Original: "King of the Belgians" (Bélgica, Bulgária, Países Baixos, 2016) Realização: Peter Brosens, Jessica Woodworth Argumento: Peter Brosens, Jessica Woodworth Intérpretes: Peter Van den Begin, Lucie Debay, Titus De Voogdt, Bruno Georis, Goran Radakovic, Pieter van der Houwen Fotografia: Ton Peters Género: Comédia, Drama Duração: 94 min. Sítio Oficial: http://kingof.be/ |
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