Passaram-se várias semanas desde a última vez que fui a uma sala de cinema comercial. Para o regresso escolhi, num misto de curiosidade e obrigação, o filme português. É divertido chegar às bilheteiras e pedir um bilhete de comboio como se fossemos partir em viagem. Em especial para um comboio nocturno. A sala escura do cinema ganha logo uma aura mística, como um túnel onde entrassemos de comboio para sair num mundo mágico. Para quem há três semanas não entrava numa sala de cinema, ver os créditos desfilarem por entre as paisagens suíças é mágico. Foi assim, como alguém que acabava de redescobrir a magia do cinema, que parti nesta viagem no ”Comboio Noturno Para Lisboa”.
Os nomes nos créditos não disfarçavam a dimensão internacional da obra. Alguns nomes ou apelidos portugueses destoavam, mas quase nem se dava por eles. Foi quando temi que me tivessem enfiado um barrete. Ser co-produção lusa e rodado cá, não significava que fosse um filme nacional. Não era Jeremy Irons e muitos actores nacionais. Era Jeremy Irons, Christopher Lee, Melanie Laurent, Bruno Ganz, Lena Olin, Charlotte Rampling...
Felizmente também isso era apenas uma questão de marketing. Os nomes nos créditos eram os mais sonantes, mas havia muitos portugueses no elenco. Papéis menores, é certo, mas não foram ignorados no casting. E assim encontramos Nicolau Breyner, Beatriz Batarda, Marco d’Almeida, Adriano Luz e cameos de João Lagarto e José Wallenstein. Se preferia ter mais dos nossos artistas nesta produção? Claro, pelo menos porque saberiam falar português ao contrário dos visitantes, mas pelo menos aproximamo-nos do tão bem-sucedido modelo espanhol de fazer grandes produções internacionais em inglês, com realizadores e estrelas consagradas nos papéis de relevo e a prata da casa em segundo plano (actores e equipa técnica), a acumular créditos para saltos maiores.
Escrito por um suíço, tem uma história com muito de português. Não é um ponto de vista de quem sempre morou em Lisboa, é de quem a visitou e se foi apaixonando. Raimund estava afectado quando decidiu entrar no comboio para Lisboa. Tinha acabado de salvar uma vida. No entanto em Lisboa começa a deixar-se envolver nas pessoas, nos jeitos, e em especial na vida de Amadeu de Prado, um médico revolucionário que escreveu os seus pensamentos ousados em período de ditadura. Até que Raimund está totalmente incapaz de partir sem saber o que aconteceu a cada um dos intervenientes anónimos dessa falada revolução. Haverá algo mais português do que a vontade de ajudar o próximo, de partir rumo ao desconhecido, de conhecer os outros e de fazer a diferença por onde passa, mesmo que isso pareça impossível? Gostaria de pensar que não.
Esta epopeia filosófica pautada pela citações do tal Amadeu tem uma aura de mistério que a aproxima de um descontraído thriller. Os flashbacks para os tempos negros da ditadura ajudam muito a criar essa atmosfera. No fundo temos um estranho numa terra estranha, à procura de respostas que estiveram escondidas durante décadas. Conseguirá um elemento imparcial reunir pessoas que durante quarenta anos não se quiseram ver?
É um filme envolvente, que conta muito mais do que se esperaria pela duração. As duas narrativas paralelas, e por diferentes pontos de vista, são completamente diferentes. A do presente serve apenas para organizar e dosear os retalhos que vamos tendo da história principal, aquela que se passa nos anos sessenta e setenta. E assim, enquanto vamos sorvendo a trama que parece ter moldado o nosso presente, vamos criando afeição por aquele suíço que nos veio visitar num impulso e, graças a um livro, se torna também parte da nossa história.
Esse livro será talvez o ponto mais exigente do filme. Não só obriga a escutar em vez de apenas ver, como obriga a reflectir no que estamos a ouvir. Leva-nos numa viagem para a vida de outra pessoa, noutra época, e ao mesmo tempo deixa a nossa mente a pensar na vida e no pouco que fazemos com ela. E enquanto isso, o filme avança para outros territórios.
Gostaria muito mais de ter visto um filme totalmente português e em português. Faz-me impressão que personagens portuguesas não consigam dizer o próprio nome bem! Tal como me faz impressão que nas memórias uma pessoa tanto fale português como inglês, por vezes na mesma cena. E especialmente, detesto traduções mal feitas na legendagem. Sim, aqui há disso. Mas se tirar esse desapontamento, se o encarar como um estrangeiro que nada sabe de Lisboa e da Revolução dos Cravos, tem algo mágico, quase a fazer lembrar “Lost in Translation”.
Não há muito mais a apontar. Apesar de tudo, é um filme que se vê com gosto e uma história que era preciso contar. O nosso cinema podia aprender alguma coisa com este exemplo.
Os nomes nos créditos não disfarçavam a dimensão internacional da obra. Alguns nomes ou apelidos portugueses destoavam, mas quase nem se dava por eles. Foi quando temi que me tivessem enfiado um barrete. Ser co-produção lusa e rodado cá, não significava que fosse um filme nacional. Não era Jeremy Irons e muitos actores nacionais. Era Jeremy Irons, Christopher Lee, Melanie Laurent, Bruno Ganz, Lena Olin, Charlotte Rampling...
Felizmente também isso era apenas uma questão de marketing. Os nomes nos créditos eram os mais sonantes, mas havia muitos portugueses no elenco. Papéis menores, é certo, mas não foram ignorados no casting. E assim encontramos Nicolau Breyner, Beatriz Batarda, Marco d’Almeida, Adriano Luz e cameos de João Lagarto e José Wallenstein. Se preferia ter mais dos nossos artistas nesta produção? Claro, pelo menos porque saberiam falar português ao contrário dos visitantes, mas pelo menos aproximamo-nos do tão bem-sucedido modelo espanhol de fazer grandes produções internacionais em inglês, com realizadores e estrelas consagradas nos papéis de relevo e a prata da casa em segundo plano (actores e equipa técnica), a acumular créditos para saltos maiores.
Escrito por um suíço, tem uma história com muito de português. Não é um ponto de vista de quem sempre morou em Lisboa, é de quem a visitou e se foi apaixonando. Raimund estava afectado quando decidiu entrar no comboio para Lisboa. Tinha acabado de salvar uma vida. No entanto em Lisboa começa a deixar-se envolver nas pessoas, nos jeitos, e em especial na vida de Amadeu de Prado, um médico revolucionário que escreveu os seus pensamentos ousados em período de ditadura. Até que Raimund está totalmente incapaz de partir sem saber o que aconteceu a cada um dos intervenientes anónimos dessa falada revolução. Haverá algo mais português do que a vontade de ajudar o próximo, de partir rumo ao desconhecido, de conhecer os outros e de fazer a diferença por onde passa, mesmo que isso pareça impossível? Gostaria de pensar que não.
Esta epopeia filosófica pautada pela citações do tal Amadeu tem uma aura de mistério que a aproxima de um descontraído thriller. Os flashbacks para os tempos negros da ditadura ajudam muito a criar essa atmosfera. No fundo temos um estranho numa terra estranha, à procura de respostas que estiveram escondidas durante décadas. Conseguirá um elemento imparcial reunir pessoas que durante quarenta anos não se quiseram ver?
É um filme envolvente, que conta muito mais do que se esperaria pela duração. As duas narrativas paralelas, e por diferentes pontos de vista, são completamente diferentes. A do presente serve apenas para organizar e dosear os retalhos que vamos tendo da história principal, aquela que se passa nos anos sessenta e setenta. E assim, enquanto vamos sorvendo a trama que parece ter moldado o nosso presente, vamos criando afeição por aquele suíço que nos veio visitar num impulso e, graças a um livro, se torna também parte da nossa história.
Esse livro será talvez o ponto mais exigente do filme. Não só obriga a escutar em vez de apenas ver, como obriga a reflectir no que estamos a ouvir. Leva-nos numa viagem para a vida de outra pessoa, noutra época, e ao mesmo tempo deixa a nossa mente a pensar na vida e no pouco que fazemos com ela. E enquanto isso, o filme avança para outros territórios.
Gostaria muito mais de ter visto um filme totalmente português e em português. Faz-me impressão que personagens portuguesas não consigam dizer o próprio nome bem! Tal como me faz impressão que nas memórias uma pessoa tanto fale português como inglês, por vezes na mesma cena. E especialmente, detesto traduções mal feitas na legendagem. Sim, aqui há disso. Mas se tirar esse desapontamento, se o encarar como um estrangeiro que nada sabe de Lisboa e da Revolução dos Cravos, tem algo mágico, quase a fazer lembrar “Lost in Translation”.
Não há muito mais a apontar. Apesar de tudo, é um filme que se vê com gosto e uma história que era preciso contar. O nosso cinema podia aprender alguma coisa com este exemplo.
Título Original: "Comboio Noturno para Lisboa" (Alemanha, Portugal, Suíça, 2013) Realização: Bille August Argumento: Greg Latter, Ulrich Herrmann (baseados no livro de Pascal Mercier) Intérpretes: Jeremy Irons, Mélanie Laurent, Jack Houston, Martina Gedeck, Tom Courtenay, August Diehl, Charlotte Rampling, Beatriz Batarda, Marco D'Almeida, Bruno Ganz, Lena Olin, Christopher Lee Música: Annette Focks Fotografia: Filip Zumbrunn Género: Mistério, Romance, Thriller Duração: 111 min. Sítio Oficial: comboionoturnoparalisboa.ofilme.pt |
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