27 de janeiro de 2016

"Spotlight" por Nuno Reis


Spotlight
Por vezes a simples tradução de um título revela demasiado sobre um filme. No caso de “O Caso Spotlight” revela que não sabiam do que se tratava. Spotlight não foi um caso específico, é uma equipa especial de investigação. Entre os seus vários trabalhos, houve um que se destacou, e em 2003 a mais antiga equipa de jornalismo de investigação em actividade nos Estados Unidos viria a receber um Pulitzer pelo serviço público prestado à comunidade com esse artigo. A melhor forma de começar a falar disso é pela cidade dos acontecimentos, Boston. A capital do estado do Massachussets tem uma identidade muito própria e o orgulho do habitante comum na sua cidade só tem comparação na quase vizinha Nova Iorque e uma ou outra pelo mundo fora. Boston sempre foi uma amálgama de culturas (o filme refere arménios, irlandeses e portugueses entre outros) mas todos eles americanos que a defendem de tudo como ainda se viu no trágico atentado da maratona.
Spotlight
Boston tinha um problema, um padre pedófilo. Enquanto os jornalistas comuns o referiram, o novo editor do Boston Globe, um judeu itinerante que pouco sabia sobre a cidade, quis ver essa história melhor explicada. Alocou à investigação a sua melhor equipa, Spotlight, e esperou que lhe trouxessem algo. Saiu bem maior do que a encomenda e, como talvez recordem, abalou os alicerces da Igreja Católica em todo o mundo, tal como o caso belga.
Spotlight
O filme começa com um ritmo pausado, de pessoas normais a fazerem o seu trabalho, a conviverem, em suma, a viverem. Lentamente vão falando aqui e ali e chega uma nova pista ou um testemunho. Seguem um novo rumo ou confirmam o que desconfiavam. Depressa o lado emocional sobrepõe-se ao racional e o ser humano sobrepõe-se ao jornalista. O elenco de luxo onde temos Michael Keaton, Mark Ruffalo, Rachel McAdams e John Slattery transmite tudo isso. Liev Schreiber com uma personagem mais controlada, introvertida e racional, destoa ao ser o único que se mantém calmo quando as provas dizem que devia perder a cabeça. E então quando começam os jogos de bastidores onde se envolve a Igreja, a Justiça, as instituições e as amizades, vemos que todos estão a tentar proteger a sua imagem em vez de lutarem pela verdade e pela sua cidade.
Spotlight
Não é um filme feito para convencer o público ou para agradar a alguém. É duro de ver e não tem nenhuma história paralela facilitadora. São apenas jornalistas que se dedicam exclusivamente a isso, às vezes com prejuízo da vida pessoal, porque o público precisa de saber e os culpados terão de ser afastados das potenciais vítimas. Porque quem tem o dom da palavra tem de o usar em prol da sociedade. Às vezes basta uma pessoa para fazer a diferença. Independentemente dos obstáculos e das amizades que fiquem pelo caminho, o jornalista é o primeiro com esse dever. Nesta era em que a imprensa corre riscos de extinção e tem de se reinventar, muitas publicações seguiram o caminho fácil do sensacionalismo para aumentar as vendas, ou de simplesmente copiar textos de uma agência para reduzir custos. Convém que cada jornalista relembre o juramento ou pelo menos os ideais que tinha quando se aventurou nessa profissão. É preciso investigar, confirmar, documentar e publicar para informar isento e imparcial. Pode não vender sempre, mas pelo menos fica-se com a sensação de dever cumprido.

SpotlightTítulo Original: "Spotlight" (EUA, 2015)
Realização: Tom McCarthy
Argumento: Josh Singer, Tom McCarthy
Intérpretes: Mark Ruffalo, Michael Keaton, Rachel McAdams, Billy Crudup, Stanley Tucci, Liev Schreiber, John Slattery, Brian d'Arcy James
Música: Howard Shore
Fotografia: Masanobu Takayanagi
Género: Drama, Histórico
Duração: 129 min.
Sítio Oficial: http://spotlightthefilm.com/

26 de janeiro de 2016

"The Big Short" por Nuno Reis



The Big Short 2015
Primeiro tínhamos as comunidades que partilhavam tudo. Quando acharam necessário introduzir as trocas por uma questão de justiça, descobriram a ganância. Quem tinha algo único, tinha o poder de definir o seu preço. Os metais passaram de adorno a sinal de riqueza. Aí inventaram outro conceito, o da moeda. O seu valor tornou-se figurativo e um pedaço de metal com uma forma específica valia mais do que o metal nele contido. Depois entrou em cena um pedaço de papel que valia mais do que o metal e foi o descalabro. Hoje em dia o dinheiro que usamos em quase tudo é ainda mais leve do que o papel. Não existe, é algo etéreo e virtual. A economia sempre seguiu o rumo inverso e assim que o dinheiro se tornou nada, ganhou demasiado peso. De repente, as vidas de todos dependiam de uma informação escrita em bits em computadores controlados por X, que seguiam as regras definidas por Y, as leis definidas pelos políticos XX aconselhados pelos especialistas XY, e era investido segundo os instintos de XZ em Não Se Sabe Quem. E sempre que a economia funcionava e fazia dinheiro para as pessoas, a ignorância era uma bênção. Até que um dia alguém quis conhecer melhor essas incógnitas e, além de lhes pôr um nome, saber o seu valor. Assim que começaram a puxar o cordão, viram uma corrente onde todos os elos eram fracos, estúpidos e corroídos e que não aguentaria um puxão. A melhor forma de lhes fazer frente, era esperar que caíssem.
The Big Short 2015
"The Big Short" é um quatro em um. Começa como um mockumentary sobre o grande crash financeito no final da década passada cuja factura ainda estamos a pagar. Com um estilo muito próximo do documentário, reconstrói de forma levemente ficcionada os factos que levaram à queda do sistema e à ruína de milhões de pessoas em todo o mundo, explicando que foram os culpados e o que fizeram. Depressa descobrimos a vertente da comédia, pois este lote de actores de primeira - onde se incluem Christian Bale, Ryan Gosling, Steve Carell, Brad Pitt, e em papéis menores Melissa Leo, Karen Gillan e Marisa Tomei, além de algumas outras estrelas como elas próprias – explora a tragédia da única forma possível: com humor. Depois há o revés e o que nos fazia rir, depressa nos faz sentir vontade de chorar. É tão grande o número de gente mesquinha, incompetente e idiota que tem poderes sobre o dinheiro, que aquilo só podia dar torto. E vai ser mesmo muito mau. Tão mau que se fosse ficção ninguém acreditava. Só que é a mais pura realidade, ainda que um pouco retocada. E aí chega o quarto sub-género do filme: o terror. Pois estes monstros continuam em liberdade. A trabalhar. A fazer as mesmas asneiras. A brincar com o dinheiro dos outros e a vender um saco de gatos mortos como se fosse um tigre raro.
The Big Short 2015
Adam McKay conseguiu pegar num tema que não tem nada de divertido e torná-lo apelativo para um leque alargado de público. Brincou com um assunto sério, explicou a economia como se fizesse sentido, e desmascarou os especialistas como uns incompetentes que, por estarem no lugar certo à hora certa, acabaram a carregar nuns botões que controlam as vidas dos outros. Mas eles não são todo-poderosos. Os poucos com escrúpulos já se afastaram e os que restam são uns aproveitadores sem respeito por ninguém e obcecados pelo dinheiro que nunca parece suficiente. Claro que isto é redutor, mas quando o vilão é assim apresentado e provavelmente todos os espectadores foram vítimas de alguma forma (seja pela sobretaxa, pelo aumento do IVA, ou outro imposto qualquer) como se pode não desejar que eles sejam depenados como uma galinha? Ver "The Big Short" é saborear a vingança contra aquela gente que continua impune e esse bilhete de cinema é o melhor investimento financeiro que se pode fazer. Seja pela aula de economia avançada, ou seja pela sensação de relativo prazer que o sofrimento dos carrascos traz às vítimas. Porque os nossos heróis foram ladrões que roubaram a ladrões e tiveram dois olhos numa terra de cegos.
The Big Short 2015
Sou contra os shorts como instrumento financeiro. Acho ridículo apostar a desvalorização das coisas. Tornam a economia num mero jogo. Mas aqui foram muito bem usados.
Para fixar como lição sobre investimentos bancários: Umas vezes ganha-se, das outras vezes perde-se e no fim, a casa ganha sempre. Ou, como diria o nosso AI preferido, “A strange game. The only winning move is not to play.

Para mais frases inspiradoras, a citação no início do texto tem oito versões. É só refrescar a página.
The Big ShortTítulo Original: "The Big Short" (EUA, 2015)
Realização: Adam McKay
Argumento: Adam McKay, Charles Randolph (baseados no livro de Michael Lewis)
Intérpretes: Steve Carell, Christian Bale, Ryan Gosling, Tracy Letts, Marisa Tomei, Brad Pitt, John Magaro, Finn Wittrock, Rafe Spall, Jeremy Strong, Margot Robbie, Anthony Bourdain, Selena Gomez, Melissa Leo, Karen Gillan,
Música: Nicholas Britell
Fotografia: Barry Ackroyd
Género: Biografia, Drama
Duração: 130 min.
Sítio Oficial: http://www.thebigshortmovie.com

25 de janeiro de 2016

"The Danish Girl" por Nuno Reis


Einar Wegener: I think Lily's thoughts, I dream her dreams. She was always there.



Em "The Danish Girl é-nos contada a história verídica (muito adaptada) de Einar Wegener, uma mulher nascida em corpo de homem. O protagonismo foi entregue ao actual detentor do Óscar de Melhor Actor, Eddie Redmayne, mas há uma única estrela no filme e é Alicia Vikander. Não se pode falar d’A Rapariga Dinamarquesa sem falar de uma rapariga que afinal é sueca. Após um 2014 onde a vimos apenas em "Testament of Youth" e "Son of a Gun", 2015 foi o ano em que saltou para a fama e se tornou impossível de ignorar. Logo no início do ano no flop sword and sorcery "Seventh Son" tem uma aura mágica. Depois foi a maior entre as enormes estrelas de "Ex Machina" onde era uma máquina inocente a precisar de ajuda que conquistou todos os corações, em especial dos informáticos. Em seguida veio "The Man From U.N.C.L.E." onde se tornou um ícone da moda e de estilo. E um pouco antes de, em modo fast food, ser o prato mais delicioso de "Burnt", foi uma Mulher daquelas com maiúscula que lutou contra o mundo por amor e pelo que achava correcto.
Alicia Vikander, The Danish Girl
Tom Hooper tem tido uma relação de amor-ódio com o público e a crítica. Depois do eficaz mas ignorado "The Damned United" chegaram os quatro Óscares para "The King’s Speech" (Filme, Actor, Realizador e Argumento) entre doze nomeações e as não tão impressionantes três vitórias em oito nomeações (maioritariamente técnicas) de "Les Misérables". Ambos os filmes foram considerados monótonos e este seu regresso aos biopics, com um tema bem polémico, prometia agitar as águas. Tudo começa com um casal de artistas, Einar e Gerda Wegener. Mais importante do que serem um casal ou serem artistas, é o facto de serem dois jovens sociáveis, imensamente apaixonados e os melhores amigos um do outro. Aos poucos vamos ouvindo a sua história, mas não era preciso. Vemos que há algo especial entre eles desde o primeiro momento. E enquanto Gerda é sempre ela própria, torna-se óbvio que Einar se está a conter. O que começa como uma brincadeira, acaba por revelar a faceta escondida de Einar. Na verdade ele tem uma outra personalidade. Ele é uma ela e adopta o nome Lily. Essa provação vai minar o casamento, mas vai reforçar ainda mais a amizade.
Se o ditado garante que por trás de cada grande homem está sempre uma grande mulher, os biopics sobre eles deveriam admitir a importância das suas companheiras. Quase todos os anos vemos algumas dessas grandes mulheres, mas quantas são enormes e se igualam ou superam o protagonista? Deste século recordávamos Reese Witherspoon como June Carter em "Walk the Line" e agora junta-se-lhe Alicia Vikander como Gerda Wegener. Nem foi a dualidade de Einar/Lily que abalou o estatuto de Redmayne, nem o cansaço pelo biopic onde triunfou (sem convencer) no ano passado. É o erro de Vikander ter sido apresentada como actriz secundária para todos os prémios quando o filme na verdade é sobre as duas mulheres em pé de igualdade (e Vikander até tem mais tempo de ecrã). O espectador parte com expectativas diferentes, exigindo mais dele, e enquanto Redmayne tinha uma personagem à deriva e que só por uma vez tem um brilho credível nos olhos, Vikander deslumbrou-nos com uma personagem frontal, simples e com os sentimentos à flor da pele e o coração na boca. Enquanto Einar tenta descobrir Lily, Gerda é sempre ela mesma e tem uma posição de força. Ele revela a fragilidade do seu lado feminino e ela mostra toda a força daquele que não é um sexo fraco.
The Danish Girl
Depois de "Big Eyes" nos ter contado a vida de um casal de pintores a viver na mentira, esta outra visão de uma história que de forma redutora trata do mesmo tema - e na verdade não tem nada mais em comum - podia ter parecido demasiado semelhante. Não. Ainda que Lily nos seja apresentada pelos quadros de Gerda e eles nos deixem saudades, a pintura é muito bem desviada para segundo plano. Isso faz parte do estilo próprio de Hooper que levou às críticas nos trabalhos anteriores: foca-se apenas nas pessoas. Resumindo o que está mal, o ritmo não é o ideal, a história precisava de mais desenvolvimento e aposta demasiado no indivíduo ignorando o ambiente, o que costuma ser fatal quando se faz um produto histórico. Por sorte tem algumas interpretações que o ajudam e tanto a breve participação de Amber Heard ao início, como de Matthias Schoenaerts em momentos mais avançados, ajudam a mostrar a complicada sociedade envolvente onde eles são os raros pontos de fuga. Os vários detalhes em que o argumento escapou à realidade fragilizam o filme e tornam Lily naive, compensando na criação de uma grande personagem para Gerda, tanto do ponto de vista humano como artístico ou emocional.
The Danish Girl
É um filme imperdível para compreender porque 2015 é o ano de Alicia Vikander e porque ela merece o título de Melhor Actriz Secundária (se não lhe querem dar o de principal) e provavelmente será estudado por décadas a propósito disso, mas falhou em tudo o resto. Há vários anos que o tema da transsexualidade tem sido bem tratado no cinema, mas este que podia ter sido o seu regresso à ribalta foi um bocado ao lado. Pelo menos a televisão não se tem saído mal nessa tarefa.
The Danish GirlTítulo Original: "The Danish Girl" (Reino unido, EUA, Bélgica, Dinamarca, Alemanha, 2015)
Realização: Tom Hooper
Argumento: Lucinda Coxon (baseada no livro de David Ebershoff)
Intérpretes: Eddie Redmayne, Alicia Vikander, Ben Whishaw, Matthias Schoenaerts, Amber Heard, Sebastian Koch
Música: Alexandre Desplat
Fotografia: Danny Cohen
Género: Biografia, Drama, Histórico, Romance
Duração: 119 min.
Sítio Oficial: https://www.workingtitlefilms.com/films/view/film/124

9 de janeiro de 2016

Blogs e bloggers vencedores dos TCN 2015

Hoje teve lugar a sexta edição dos TCN Blog Awards. Dentro de três semanas virá um texto sobre a cerimónia e considerações sobre o futuro, mas até lá fiquem com links para os vencedores para recordar o que de melhor se fez na blogosfera em 2015.


Blogger do Ano: Pedro de Alarcão Lombarda, do blogue CinemaXunga

Blogue Colectivo: TVDependente

Blogue Individual: A Janela Encantada

Novo Blogue: Jump Cuts

Artigo de Televisão: The Daily Show with Jon Stewart, por Diogo Cardoso, do blogue TVDependente

Artigo de Cinema: Cinema Mudo Escandinavo, por José Carlos Maltez, do blogue A Janela Encantada

Crítica de Televisão: Mad Men, 7ª Temporada, por Mafalda Neto, do blogue TVDependente.

Crítica de Cinema: Mad Max: Fury Road, por Pedro de Alarcão Lombarda, do blogue CinemaXunga

Entrevista: Shlomi Elkabetz, por Aníbal Santiago, do blogue Rick's Cinema

Reportagem: Cannes 2015, por Hugo Gomes, do blogue Cinematograficamente Falando

Iniciativa: VHS - Vilões, Heróis e Sarrabulho

Rubrica: Posters Caseiros, por Edgar Ascensão, do blogue Brain-Mixer

Ranking/Top: Top 15: Música de Filmes de Terror, por Rita Santos, do blogue Not a Film Critic

Site/Portal/Facebook: Facebook da Girl on Film

Festival: MOTELx 2015

Distribuidora: Alambique

Canal de Cabo: Canais TVCine & Séries