23 de novembro de 2012

"Argo" por Nuno Reis

O cinema como salvação
Os filmes sobre Cinema têm vindo a ganhar força nos últimos anos. Não costumam é ser dedicados a maus filmes. “Argo” era um terrível argumento do período pós-Star Wars e nunca foi filmado. No entanto, em 2012 fazem um filme com o mesmo título sobre a pré-produção e é justamente apontado como um dos grandes filmes do ano. Como pode um filme sobre um mau filme ser bom? É que “Argo” não é sobre um mau filme, é sobre um não-filme, e porque esse não-filme foi feito para salvar vidas.
Já sabíamos que um filme suficientemente mau se torna bom. Esta é a história de como uma ideia tão má que não podia ser verdade, se revelou a melhor possível.

Contexto histórico: O Irão passou os anos setenta sob domínio americano indirecto. O seu Xá era um ditador ao serviço dos capitais estrangeiros e o povo vivia na miséria. Uma revolução bastou para o depor e colocar o líder religioso Ayatollah Khomeini no poder só que os EUA, cumprindo as suas obrigações, acolheram o aliado moribundo. Os iranianos, profundamente descontentes com isso, exigiram a extradição do anterior líder para julgamento, que serviria para condená-lo à morte. Como os americanos se revelaram intransigentes, o povo ocupou a embaixada sequestrando todos os seus ocupantes. Seis conseguiram escapar. Após dois meses de exigências de parte a parte, começaram a ser pensados planos para os tirar de lá. O melhor era um pouco suicida: dar-lhes bicicletas e mapas para percorrerem 500 kilómetros até uma fronteira pouco guardada. Por isso o especialista da CIA em extracções decidiu pensar num plano menos mau. O melhor que lhe ocorreu foi fazer um falso filme.
Quem anda atento à indústria cinematográfica sabe que a imprensa especializada está constantemente a anunciar projectos que jamais verão a luz do dia. Para os americanos em casa "Argo" seria mais um desses. Para os refugiados na casa do embaixador canadiano seria o tudo ou nada.

O que distingue o "Argo" de Ben Affleck de 99% dos filmes americanos é dizer à partida que os EUA têm culpa no processo. Assume ter causado interferências no processo democrático dos povos com petróleo e admite responsabilidade dos seus aliados por atentados aos direitos humanos. Mostra o Irão como um povo selvagem, mas justifica-o pois era um período de transição e o fim de um regime terrível (não que o seguinte fosse melhor, mas na altura não o sabiam). Com um início assim, o filme conquista logo a simpatia. E no final reconhece que a América do Norte tem outro país. Com tantos canadianos infiltrados nos EUA e campeonatos desportivos comuns, a divisão entre os dois é pouco clara, especialmente porque o de sul tem um ego enorme. Ver esta sentida homenagem ao povo irmão do norte dá vontade de aplaudir.
E há mais! Na abertura é dada uma lição abreviada de história ao espectador. Recorre desde logo à linguagem cinematográfica causando algum espanto em quem esperava um filme mais convencional. Mas "Argo", estou a demonstrar, não é um filme como os outros. Este é um em vários exemplos de uma enorme atenção aos detalhes. Só contamos verdadeiramente uma história se contarmos tudo e "Argo" vai fazê-lo. A dolorosa verdade é uma característica dos filmes do produtor George Clooney.


Um dos favoritos a Oscares nesta recta final do ano, basta ver quem trata da fotografia e banda sonora, permitirá ver como Ben Affleck se está a metamorfosear. De galã sem jeito, para protagonista de filmes de acção e finalmente herói nacional, está salvo como actor. Fora das câmaras junta o Oscar de argumentista a um currículo que o nomeará mais cedo ou mais tarde na categoria de realizador. Tudo mais do que boas razões para ver em cinema o caso desclassificado que faz parte do manual de qualquer agente secreto. Aproveitem que, com as novas ferramentas de comunicação, esta desculpa não pode ser reutilizada.
ArgoTítulo Original: "Argo" (EUA, 2012)
Realização: Ben Affleck
Argumento: Joshuah Bearman (baseado no artigo de Chris Terrio)
Intérpretes: Ben Affleck, Bryan Cranston, Alan Arkin, John Goodman, Victor Garber, Tate Donovan, Clea DuVall, Scoot McNairy, Rory Cochrane, Christopher Denham, Kerry Bishé, Kyle Chandler, Chris Messina
Música: Alexandre Desplat
Fotografia: Rodrigo Prieto
Género: Drama, História, Thriller
Duração: 120 min.
Sítio Oficial: http://argothemovie.warnerbros.com/

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