26 de abril de 2014

"Mulheres de Abril" por Nuno Reis

Pode ser só vontade de ter feriados, mas Portugal dá a impressão de ter um enorme orgulho da sua história e dos momentos em que fez a mudança acontecer. Este festejo mais recente do 25 de Abril tinha um significado especial. Porque aquela geração que melhor percebeu o que estava a mudar, a que mais fez por isso e a que mais mais beneficiaria com isso - militares e estudantes que na altura estariam com 20 anos - de momento estão com 60, sem empregos, sem se aproximarem da idade da reforma, e sem ilusões de terem reforma. Só em 2019 será mais claro quão pouco a nossa sociedade mudou.

A RTP apostou numa versão novelesca dos factos para celebrar a data e trouxe-nos “Mulheres de Abril”, uma série que mistura a história de Portugal em 1974, com a da família Crispim, vinda de Carrazeda de Ansiães para o Porto no final do anos 30. E como não podia deixar de ser, pelo ponto de vista das mulheres, a metade da população que mais notou a diferença (fica o aviso aos homens que somos muito mal vistos por estas mulheres, mais detalhes à frente).
Devo dizer que depois da qualidade da mítica série “Conta-me Como Foi”, não esperava menos desta produção que mostrava a ditadura. Até porque tinha a vantagem de se desenrolar no Porto, por entre locais que conheço. A fasquia estava demasiado alta. Vendo sem o peso dessa herança, até teria sido bem agradável.

O mote para esta série é dado pelo aniversário de Ana. Nascida a 25 de Abril de 1954, é surpreendida pela notícia da Revolução em pleno vigésimo aniversário, será uma vítima e ao mesmo tempo uma sobrevivente dessa fase de mudança e de liberdades.

Logo no início do primeiro episódio, fiquei profundamente desiludido ao ver que o protagonismo seria de Ana Bastorff, uma actriz cujo trabalho raramente me agrada, e que começava com diálogos incrivelmente foleiros. Para piorar, ver que a abertura da série passada no Porto estava a ser com uma alternância de imagens da zona dos Clérigos com a Avenida da Liberdade em Lisboa (que já quase conheço melhor do que a baixa do Porto), foi algo muito confuso. Quando chegamos ao jantar propriamente dito, começa a melhorar. Primeiro porque as apresentações de personagens estão essencialmente feitas, segundo porque os diálogos artificiais ficam disfarçados na balbúrdia daquelas sete mulheres. Chega então a hora de abrir o baú das memórias e partir numa viagem de quase um século, começando por 1974.


Vinte e Cinco de Abril de 1974. Anita parte para mais um dia de aulas na Faculdade de Ciências. É a primeira pessoa na família a fazer universidade. Se no primeiro dia o encontro casual com Luísa - de quem se viria a tornar grande amiga - ajudou a desbravar esse mundo novo, perto do final da terceira inscrição, já a ida para os Leões de eléctrico era um hábito. Este aniversário mítico acabou por ganhar um novo sabor, quando a amiga corre para lhe dizer, ainda Ana estava à espreitar da janela do transporte, que tinha havido uma revolução. Jovens intrépidas que já então desafiavam a imagem tradicional da mulher da sociedade, não perdem tempo a obter o máximo de informações, fosse junto dos manifestantes empoleirados em carros, na comunicação social, ou nos cafés onde se formavam vários movimentos. Esse foi um dia para não esquecer.
Enquanto isso, o pai de Ana estava bem preocupado com a mudança política. A queda do regime ia mudar a sociedade e ameaçava a vida de riqueza a que se tinha acostumado.

Como as revoluções não se fazem num dia, foi preciso recuar e no segundo episódio, contam-nos como foram os anos anteriores. 1968 teve a mais famosa queda da cadeira da nossa história. 1969 ficou marcado por um terramoto e a chegada à Lua transmitida pela televisão. Ou algo tão simples como fazer contrabando de chocolates em 1971, ano em que Vilar de Mouros teve um cartaz impressionante. No fundo, ajudar a definir quem eram Ana e Luísa e como era o Portugal quando se estavam a tornar adultas.
O terceiro episódio é o complemento natural deste segundo. Conta como foram os anos setenta depois da revolução e o que fez a juventude com a sua nova liberdade enquanto o governo ia alterando de facções. Continuava a ser sonorizado pelas músicas de então.

O quarto episódio recua ainda mais, para os tempos em que Joaquim Crispim começa a negociar carnes com o Porto o que levará anos mais tarde a uma mudança da família para a cidade. Foram os anos 20 e 30, e os tempos em que as mulheres dessa família se começam a unir numa inglória batalha contra os homens.

O quinto episódio fecha o ciclo e mostra o século XXI. A entrada numa era onde homens e mulheres são iguais, apesar de os homens bons serem uma raridade.


Há duas coisas insuportáveis na série. Uma são os diálogos artificiais, então no que se refere a 2014 é atroz. A outra, os falsos sotaques usados nas gentes do norte, em especial do interior. Tirando isso, seria uma belíssima série com bastante interesse e rigor histórico.

Nos aspectos positivos o primeiro e incontestável ponto é o casting. A matriarca Isabel terá sido a maior sorte, pois à grande Anabela Teixeira juntaram Rita Lagarto, que pelos olhos passa por uma versão mais jovem da actriz (e é muito talentosa), e para fazer dela mais velha tinham uma grande senhora, Lourdes Norberto.
Destacaria ainda duas personagens que envelheceram nas mãos de actrizes diferentes. Por um lado Rosa, interpretada a meias por Sara Norte e Márcia Breia, porque lhe deram incríveis semelhanças com quarenta anos de diferença. O bom trabalho conjunto a dar continuidade imtemporal. Por motivos contrários, destaco Luísa, interpretada por Sara Barros Leitão e Paula Mora, uma é a maior expectativa que tenho na interpretação lusa, a outra é parte da história da nossa televisão. Aparentemente elas interpretaram a mesma personagem, de forma diferente. Percebo que uma veterana não se deixe condicionar pelo estilo de uma jovem. E quando a série terminou, também percebi que a jovem não se deixasse influenciar pela veterana. Luísa aos vinte é uma jovem impulsiva e inconformada, aos sessenta está já realizada. O que se mantém é a alegria, a amizade, e a certeza de ter feito sempre o correcto. Em cenas seleccionadas há também alguns trejeitos comuns revelando que é muito mais o que as une do que o que as separa. Também tem piada ver o Carlos de António Cordeiro e comparar com o pequeno papel de Afonso Lagarto como a versão mais jovem dessa personagem, mas os homens são tão insignificantes que depressa é esquecido.
Nas interpretações individuais, a figura indiscutível é Amélia (há uma versão mais velha da personagem, mas é apenas figuração e sem interesse para a história). Sandra Barata Belo está fenomenal. A personagem sofre grandes transformações e ela acompanha essa mudança de forma incrível.
Infelizmente outras não tiveram oportunidade de se destacarem por falta de tempo. Carla Maciel e Sónia Balacó são bons exemplos. Se a série fosse mais focada no nosso século talvez tivessem sido boas surpresas pois no último episódio nota-se uma melhoria em relação ao início. Ou Mariana Monteiro que só tem um papel interessante ao terceiro episódio, quando termina a colaboração.
Em termos de mensagem transmitida, Amélia e Joaquim ao quarto episódio são o melhor resumo do que a série trata. Com a pouca atenção dada a Bernardo, o irmão mais novo de Ana, Joaquim torna-se a única personagem masculina a ter algum relevo na história. E este canalha apresentado como um anjo caído de mentalidade retrógrada, acaba por ser o homem mais integro da família, se enquadrado no contexto social. Amélia com as mesmas origens, demonstra uma fibra que surpreende, enfrenta todos os desafios que lhe são colocados e apoia a filha incondicionalmente contra tudo e todos, fazendo tudo para que saia dali uma grande mulher. Isabel será demasiado submissa ao marido dominante, mas nota-se igual preocupação pela filha e isso é o fundamental: garantir que a mulher da geração seguinte terá sempre mais oportunidades do que a própria.

No fundo não é uma série sobre 1974. É sobre a sociedade portuguesa e o lugar da mulher na mesma. Diferenças no antes e no depois, não as dizem. O progresso que Portugal teve colocou-o a par com a Europa civilizada, mas a nível cultural parece que as influências estrangeiras nunca estiveram muito afastadas. Permitiram-se novas liberdades (que, pelo que se vê ao terceiro episódio, fizeram mais mal do que bem).e continuou um progresso lento que em nada se distinguiu do que o resto do mundo ocidental ia sentindo. A preocupação em explicar todo o antes e o depois, fez com que o momento importante fosse menosprezado. Esquecem-se de dizer o que mudou. Pelo que a série diz, a Revolução dos Cravos não foi mais do que uma ilusão para a geração nascida em 1950 e um susto para alguns dos seus antepassados.

Com tamanha preocupação em mostrar a emancipação feminina, não explicou o que foi realmente o 25 de Abril. É pena que se tenham esquecido desse enorme detalhe, tendo em conta que a série fazia parte da celebração da efeméride. Agora gostaria que fizessem uma segunda temporada com o mesmo elenco e contassem como Ana e Luísa arranjaram trabalho, como foram envelhecendo, a verdadeira diferença em relação às suas mães, donas de casa toda a vida.
Quanto ao século XXI, terá a conversa realmente mostrado a Maria a sorte que ela tem? Terá Patrícia capacidade de fazer da filha algo mais do que a típica aluna de ballet? Essas questões que ficam dariam para muita discussão.

Novamente, parabéns à RTP pela iniciativa de filmar no Porto. Foi um prazer ver os meus Leões como centro de tão importante produção. Sei o que se sente apenas por estar junto àquela fonte mágica, sei o que é fazer uma amizade eterna com a primeira pessoa que conhecemos ali dentro, sei o que é fazer manifestações nos Aliados. Se mostrassem Lisboa não me identificaria com aquelas personagens, aqueles lugares e aqueles acontecimentos. E como eu, a grande maioria da população nacional. Agradeço também a publicidade ao meu empregador em dois dos episódios.
Não aprendi nada sobre 1974, mas vou rever os três primeiros episódios muito brevemente e a série toda ainda antes do próximo Abril. Está provado que temos no Porto muita gente capaz diante das câmaras.



Como nota extra, deixo dois comentários que recebi de fonte informada e que poderão confirmar: o Café Ceuta era maioritariamente frequentado por mulheres; os sacos de farmácia da altura eram como o que foi usado na mercearia.
Da minha parte, deixo como conselho que não criem demasiadas personagens e tão entrincada árvore genealógica. Ana chega a confundir a avó com a bisavó! Teve ainda muitos momentos inverosímeis, mas percebo que fosse para deixar uma mensagem de esperança, seja qual for a situação.

24 de abril de 2014

Pecado Fatal - entrevista a Luís Diogo

Hoje chegou aos cinemas um filme português diferente. Um filme que vem provar como se pode fazer um produto comercial e ao mesmo tempo com qualidade. Refiro-me a "Pecado Fatal" e há dias tive oportunidade de falar com o seu argumentista, realizador e produtor, Luís Diogo.
Nesta entrevista falamos das únicas duas coisas que são precisas para fazer cinema: coragem e sorte.


Antestreia: Estás a promover fortemente o filme numa série de iniciativas ao longo destas semanas. Podes resumir algumas delas?
Além das idas à RTP, tivemos concertos da Daniela Galbin que esteve no estádio do Paços de Ferreira - o Paços de Ferreira já tinha promovido o filme várias vezes no jogo com o Sporting - e a Daniela cantou em discotecas e em bares, para promover o filme. Basicamente a grande promoção tem sido essa. As notícias que têm saído, por exemplo a reabertura dos cinemas de Ovar que foi publicada em praticamente todos os jornais, fazem sempre referência ao Pecado Fatal que é o filme que vai abrir a sala, portanto foi um pouco através disso. O filme entretanto foi seleccionado para mais dois festivais internacionais, que só vou publicar hoje precisamente e enviar para os jornais, é uma forma de ter mais promoção.

Foi um projecto pessoal. O que te levou a correr esse risco?
O facto de os argumentos que eu escrevia não chegarem a produção. Só tinha "A Bomba" de 2002 já, depois tinha o "Gelo" que era o projecto do Luís Galvão Teles, que tinha sido subsidiado em 2005 - é um argumento original meu - e foi sendo adiado constantemente. Curiosamente, foi filmado agora, acabou as filmagens dia 5 de Abril, mas estava continuamente a ser adiado, e uma altura recebi um telefonema do Luís Galvão Teles a dizer que o filme tinha sido novamente adiado, o Instituto Português do Cinema não ia dar o dinheiro esse ano, tinha de adiar um ano. Quando desliguei o telefone pensei “vou fazer um filme. Se eu ficar à espera nunca mais fazem os filmes, vou eu fazer um filme.” Tinha cinco mil euros na conta bancária, decidi fazer um filme.

Deste o teu dinheiro, filmaste na tua casa...
Exacto, assumi tudo. Por exemplo, estive em Chicago a apresentar o filme e no fim ficava a falar com os espectadores. E quando digo no fim do filme que o filme custou o que custou, primeiro pensam que é um erro de tradução, é o meu inglês que não está bom, e eu “não, não, o meu filme custou treze mil dólares”. Tem piada porque estava no festival de cinema latino-americano de Chicago, e estavam realizadores, nós almoçávamos juntos e o pequeno-almoço era junto. Um realizador espanhol [Jesús Monllaó] tinha realizado “Os Filhos de Cain” que tinha feito bem em Espanha, e ele dizia que o filme dele era independente. Um filme de baixo orçamento. Custou dois milhões e tal euros. Ele considerava que uma produção europeia normal custa sete milhões, a partir de sete milhões. O que eu até concordo. Tirando o cinema português que está um pouco à parte. O A Gaiola Dourada custou sete milhões e é só um filme de pessoas a falar com pessoas. E eu “O teu custou dois milhões? Olha, o meu custou dez mil.” E eles ficaram todos “o que é isto?” Nesse festival curiosamente até houve muita gente que veio falar comigo, dois disseram que queriam ser realizadores, tinham sempre medo, mas agora iam fazer, tinham visto que era possível, tinham visto o filme, não notavam nada, e iam avançar. Eu tinha servido de exemplo.

Paços de Ferreira não costuma ter produção cinematográfica. Como lidaram as pessoas com essa novidade?
Acho que aqui passa tudo ao lado. Houve uma altura que pensei que Paços de Ferreira ia ser a melhor sala, mas mesmo em relação aos espectadores começo a duvidar. Será que as pessoas vão mesmo ver? Parece que passa tudo um pouco ao lado.
Não houve apoios. A Câmara forneceu apoio logístico. Nós precisávamos da Polícia, eles punham lá a Polícia para parar o trânsito, o camião da recolha do lixo tinha de ser contratado com a SUMA, eles é que contactaram a SUMA para os pôr em contacto connosco, electricistas, precisamos de electricistas para uma cena final do filme e eles mandaram os eletricistas colocar luz numa rua que não tinha... Nós não tinhamos essas despesas que no fundo a Camara fazia.
Em termos de apoios institucionais, só houve duas Juntas, a de Paços de Ferreira e a de Frazão, que se limitaram a pagar um almoço à equipa - era uma equipa pequena, eramos oito ou dez pessoas de vez em quando.
Depois houve uma empresa... Mandei um email para várias empresas de Paços de Ferreira, quase todas as que encontrei os emails - estamos a falar de centenas de empresas - só respondeu uma, dava cem euros para o filme se um carro com o nome da empresa, aparecesse no filme. No fundo é o único patrocinador oficial do filme. Foi a única pessoa que deu dinheiro para o filme. Foi o único dinheiro que não saiu do meu bolso.

E o Tertúlia porque foi escolhido? Não é propriamente perto.
Eu na altura estava a morar em Paços de Ferreira há um ano e tal. Não conhecia pessoas ligadas a bares daqui. Havia várias hipóteses, mais tarde vim a saber que até seria fácil filmar nesse tipo de bares, na altura em tinha pensado num bar no Porto, chegamos a falar com eles, mas depois começaram a pedir condições, tinhamos que pagar ao empregado que lá estava na rodagem, tinhamos que pagar as bebidas do filme a preço de bar e coisas assim. Eu comecei a achar que mais valia tentar outro bar. Eu já achava o Tertúlia mais bonito, apesar de estar um bocado mais desviado. Contactei o Tertúlia e eles aceitaram. Não puseram condição nenhuma, não pediram dinheiro para nada, cederam o espaço, cederam as bebidas, acabou por ser o espaço escolhido.

Quanto tempo passou desde a ideia até ao fim da rodagem? E quando foi isso?
Foi muito rápido. Na última semana de Março de 2012, está agora a fazer dois anos. O filme demorou dois anos e um mês desde aquele telefonema até à estreia. Já tinha argumentos escritos, só pensei qual seria o melhor. Até ao início da rodagem penso que não terá chegado a seis meses.
Por comparação o "Gelo" foi subsidiado em 2005, recebeu em 2005 setecentos mil euros, e só vai estrear no final do ano, em princípio será em Dezembro. Estás a ver a diferença de um filme com orçamento? E o “Sei Lá" que estreou no dia 3 de Abril que era a nossa data - e nós fugimos dessa data porque o “Sei Lá” calhou aí - curiosamente eu escrevi "A Bomba" em 2000, na atura vendi ao Tino Navarro e perguntei lá dentro quanto tempo achavam que iria demorar a ser feito. Na altura disseram que isso demorava, o “Sei Lá” estava a ser reescrito e ia demorar muito. Em 2000 estava a ser reescrito e saiu em 2014! Costumo dizer que o ritmo português se vê nestes casos. E o meu filme, em dois anos e um mês passa as fases todas. O casting, tudo. Ao contrário da maior parte dos filmes independentes, eu não conheço as pessoas que fizeram o filme. Por exemplo, o “Assim Assim” foi feito pelos amigos do realizador. Eu não conheço praticamente ninguém do meu filme. Conheço o Costa Valente da Filmógrafo, o meu irmão que não é da área do cinema e me prestou uma ajuda, a minha ex-mulher que me prestou uma ajuda, e da equipa técnica conheço o técnico de som - porque o técnico que tinha contratado comunica-me que não vai fazer o filme cinco horas antes das filmagens, tive que adiar um dia as rodagens e contactei outro técnico de som que já tinha trabalhado comigo - não conhecia mais ninguém da equipa técnica. Dos actores, tirando a Ana Margarida Carvalho e o namorado que fazem uma cena como compradores de móveis e já trabalharam comigo, não conheço praticamente ninguém, foi tudo através de castings, de contactos que as pessoas iam dando.
Foi um processo muito rápido arranjar estas pessoas todas especialmente tendo em conta que eu tenho outra profissão, tenho de dar aulas todos os dias e tratar de outras coisas, mesmo assim com alguma rapidez consegui pôr o filme a rodar, mesmo com os contratempos todos: o técnico de som desaparecer, o director de fotografia desaparecer a um mês da rodagem, sempre a arranjar substitutos à última da hora. Porque eu estipulei logo prazos e para serem cumpridos. às vezes perguntavam “achas que já tens os actores todos?” e eu dizia “Tenho os que tenho. O prazo para encontrar actores era esta data, se eu começo a adiar isto, a certa altura adio tudo!”. Como durante as filmagens, onde acabaria uma cena idílica de um passeio de bicicleta, eu já tinha escolhido o lugar, o mar ao fundo, o sol a pôr à hora certa, eles chegam ali e ela diz “que bonito”. Quando chegamos para filmar, havia um grande incêndio. Nem se via o mar. Não podíamos filmar ali! Queriam voltar no dia seguinte, e eu “Neste filme não se adia nada, vou já procurar aqui e daqui a cinco minutos estamos a filmar noutro lugar qualquer”. Ou seja, não se adiava nada. Tudo o que era para filmar naquela data, era para filmar naquela data. O filme foi todo feito nessa condição. Porque eu sei como é este sistema do cinema português. As coisas adiam-se, e depois acabam por não ser feitas. Eu vendi o argumento do "Gelo" em 2005, eu era outra pessoa, teria sido completamente diferente para mim se o filme tivesse estreado em 2006, 2007, mesmo em termos de carreira. No fundo não tenho nada desde esse ano até agora, em que por acaso vão estrear dois no mesmo ano. O filme foi sendo adiado por coisas assim estranhas.

Em termos de ajudas, Avanca deu o apoio técnico e agora tem ajudado com as salas.
A Filmógrafo - Cineclube de Avanca, já tinha feito as minhas curtas. Parto sempre do princípio que estão interessados e geralmente estão. O material de iluminação e de som, que normalmente teria de alugar ou de ter, cederam-mo gratuitamente. O Costa Valente tem conhecimentos que às vezes surge um imprevisto e ele resolve com alguma facilidade. Depois eles fazem a parte burocrática da coisa. Contratos, as licenças de distribuição, tratam da parte burocrática.
Em termos de salas, temos a sala deles de Ovar, todas as outras salas, a RTP, a TAP, foram sempre estabelecidos por mim. Até que chega uma parte em que as empresas gostam de negociar com empresas, eu comunico à Fimógrafo, e eles fazem a parte burocrática toda. Claro que fazem mais além disso, tentam fazer alguma promoção, gravam os blu-rays que envio para os festivais, e quando estou no estrangeiro eles tratam de tudo.
Foi uma ajuda preciosa, provavelmente o filme não teria sido feito se não tivesse o material deles. Estão sempre prontos a ajudar, não só no meu caso, mas basicamente qualquer pessoa que queira fazer um projecto deste género, pode sempre recorrer ao Cineclube de Avanca. Dentro do panorama do cinema português, acaba por ser um caso único de uma empresa que apoia. Quem quiser fazer um filme, quase de certeza que eles vão tentar apoiar, porque o objectivo do Costa Valente é que as pessoas produzam filmes, e que as pessoas que não têm outras possibilidades também produzam filmes. Eles têm produzem filmes institucionais e subsidiados, têm várias curtas subsidiadas, a primeira longa-metragem portuguesa de animação foi produzida por eles, apesar disso tentam sempre apoiar quem quer fazer bons projectos.

Na banda sonora colaboraste com DJWild e descobriste Daniela Galbin.
O filme teve vários azares. A certa altura o director de fotografia dizia “Este é daqueles projectos em que tudo o que podia correr mal corre mal”. E em certos pontos foi. Ainda está a ter. Eu tenho histórias inacreditáveis, algumas não vou divulgar agora pois poderiam jogar contra o filme, mas todos os dias há uma história inacreditável que eu tenho que resolver. Ao mesmo tempo, para compensar isto tudo, houve três ou quatro momentos de sorte. São basicamente o facto de eu encontrar a Sara Barros Leitão porque o tio dela era professor na minha escola. Essa foi a maior sorte do filme, quando se vê o filme, a Sara Barros Leitão é basicamente o filme. Se fosse outra actriz, dificilmente o filme... ela é que consegue fazer o filme viver. Essa foi uma sorte incrível, foi uma sorte à última da hora saber que há uma actriz que é sobrinha de um colega meu de escola, e depois foi a banda sonora. Foi uma sorte inacreditável. A banda sonora do "Pecado Fatal", sinceramente, não me parece que haja nos últimos anos do cinema português grande concorrência em termos das canções e da banda sonora em si. Está num nível que o orçamento não faz adivinhar.
Aliás, as pessoas que ouviam a Daniela Galbin nos concertos ao princípio pensavam que era a cantora do "Pecado Fatal", mas ao ouvir - e falo de pessoas que trabalham com som e acostumadas a grandes concertos, como no Tertúlia que tem grandes nomes - tinham uma reacção, “Que é isto? Não era isto que estava à espera. Pensava que era uma coisa muito mais modesta.” E ela aparece-me assim, porque foi ao casting. E o DJWild também foi porque a minha ex-mulher conhecia-o pessoalmente, falava-me dele. E acho que estiveram muito acima do que era espectável quando eu os convidei.
Aliás, havia as montagens antes, e as montagens depois. Eu arrependo-me muito de ter mostrado à Lusomundo uma montagem sem a banda sonora, muitas distribuidoras foram recusando o filme porque viram uma primeira montagem. Um aviso que eu faço é não acreditem quando as distribuidoras disserem que depois vêm a segunda, eles não vão ver a segunda. A montagem final do "Pecado Fatal", não as contei, mas deve ser uma vigésima montagem. Foi sendo afinada umas vinte vezes. Eu mostrei a primeira sem a banda sonora do DJWild, sem as canções da Daniela, não tem nada a ver o filme. Eles fazem o filme ter outra dimensão. Quando comparo essa primeira montagem que me lembro, com a estável, não tem nada a ver. Até porque quando chega à banda sonora do DJWild ela não só se põe sobre o filme, o próprio filme se adequa a ela. Tento fazer a montagem para em certas cenas bater. A banda sonora era tão boa que valia a pena ser o próprio filme a aproveitar a banda sonora que estava feita.

Sobre a história, surgiu um mito urbano que foi inspirada em factos reais.
Sim, aliás, foi logo ao princípio. Foi muito estranho, porque fui buscar uma actriz idosa que faz parte do final do filme, e quando a fui buscar para fazer uma cena, ela diz-me que achou muito bem que eu fosse buscar esta história. Eu disse que aquilo nunca tinha acontecido, mas a ela todos lhe diziam que era uma história verídica de Paços de Ferreira. Portanto, já há dois anos que o dizem. Eu tenho a certeza que não aconteceu, mas talvez porque entretanto as primeiras pessoas contaram como se tivesse acontecido... Neste tipo de localidade há esse tipo de histórias que se propagam. Eu tenho um caso como professor, em que a jogar futebol na escola parti uma costela e deixei de ir às aulas. No dia seguinte um vizinho diz-me “Você está aqui? Disseram-me que tinha sido atropelado por um camião”. Achei que fosse uma piada. À noite o meu ex-cunhado, que não tem nada a ver com a minha escola, telefona-me porque lhe tinham dito que eu tinha sido atropelado por um camião. Como é possível em tão pouco tempo a história chegar a alguém que não tem nada a ver com Paços de Ferreira? É um exemplo desta terra. A história de "Pecado Fatal" tenho a certeza que não é verdadeira, foi eu que inventei. Agora há esse mito urbano que uma rapariga foi abandonada em Paços de Ferreira e às vezes até me questiono se não devia aproveitar porque as pessoas gostam mais quando a história é verídica.
Mas não houve nada real que te tenha inspirado?
Às vezes uma pessoa ouve nos telejornais essas histórias, pessoas que são abandonadas em contentores do lixo ou noutro lugar qualquer, curiosamente depois começa-se a reparar em histórias que surgiram logo a seguir também muito parecidas no Brasil, na China um miúdo estava num cano de esgoto e assim, mas todos nós já tinhamos ouvido histórias deste género, de alguém que foi abandonado no dia que nasceu.
Talvez porque é uma história muito terra a terra. Que seria possível. Qual é o segredo para um argumento ser plausível, algo que tanto falta no nosso cinema?
Por acaso a maior parte dos meus argumentos não são plausíveis, "A Bomba" claramente não é um argumento plausível, o "Gelo" muito menos, é completamente... a maior parte dos meus argumentos seriam improváveis, não diria que não fossem possíveis, o ponto de partida é que seria improvável. Ou seja, o mesmo aliás que em "Pecado Fatal", o ponto de partida em si é pouco provável - alguém que dorme com outra pessoa naquela situação - mas depois eu trato de forma realística. N’"A Bomba" não, obviamente, era uma comédia absurda, mas nos outros, trato de uma forma o mais real possível. Com os diálogos mais reais, para que as reacções tenham mais impacto. Porque se nós tratamos as reacções de uma forma irreal, ela depois não vão ter impacto. As pessoas percebem que estão a ver um filme.
Eu já vi o filme várias vezes, na do Fantasporto notou-se mais porque a sala estava cheia. Ao princípio parece que as pessoas estão a ver uma comédia. A sensação que dá, há umas piadas na fase inicial e tal, o filme começa com uma situação assim mais leve, e a certa altura, o filme começa a ficar mais denso, há aquele momento, as pessoas riem-se de uma piada e a Sara faz um olhar assim “isto é a sério” e parece que as pessoas ficaram “isto já é a sério, isto é drama”. Como se separassem de repente. Porque o filme aos poucos vai começando a ficar mais dramático, mas como é tudo assente na realidade, quando chega a parte emocional, as pessoas sentem mesmo. Não estão desligadas do filme. É isso que tento sempre fazer em termos de diálogos. Eu gosto de diálogos construídos.
Os meus diálogos teoricamente não aconteceriam. São daqueles que a resposta teria de estar muito bem pensada, como na cena do pequeno-almoço, mas ao mesmo tempo que o diálogo não é muito plausível, faço com que os actores o façam como se fosse a coisa mais normal do mundo. Muito fluído. Não como acontece às vezes no cinema português que quando há um diálogo é bom, os actores fazem pose para o espectador “vejam como este nosso diálogo é espectacular”. Não. Eles estão ali a falar como se fosse a coisa mais normal do mundo. Não perdem tempo para o espectador pensar: Fazem tudo como é natural. A preocupação que eu tinha quando eles estavam a interpretar era não darem espaços entre os diálogos. No cinema português dão sempre um espaço enorme entre os diálogos... Faz uma pergunta, responde logo! Eu sei que na realidade este tipo de diálogo super-elaborado não seria assim, mas é melhor fazerem tudo fluido porque a fluidez é que dá aquela sensação de normalidade. Porque num diálogo nós não esperamos.
Se calhar arrependemo-nos das coisas que dizemos, não conseguimos ter diálogos tão perfeitos como os do filme, que vai bater certo no fim com o início do diálogo. Aquela “Estás na idade dos porquês” e ela acaba o diálogo “porquê?”. É um diálogo claramente contruído, que parece completamente natural.

Como descreverias as personagens?
Os filmes às vezes têm que ter várias personagens trabalhadas, às vezes nem tanto. Eu acho que o personagem deste filme que tem de ser totalmente trabalhado é o da Lila. A minha preocupação sempre foi o dela. Os outros já não exigiam trabalho, tiveram umas indicações muito básicas do que o personagem era. Os outros vivem do que a cena os obriga a viver, a Lila é que nós tivemos muito cuidado com o personagem. É uma pessoa que é um bocado frustrada, mas ao mesmo tempo tem confiança nela mesma. Chega a casa de alguém que não conhece, pega no tabaco dele, não tem problemas nenhuns com as pessoas. Em termos de vestuário houve um cuidado. Uma coisa que eu não gosto nos filmes é que um personagem tem sempre um estilo. Olhas para eles, aquele é o estilo daquele personagem. A maior parte das pessoas não tem estilo a vestir. Se olhares em volta, as pessoas não tem um estilo. São poucas as pessoas que têm um estilo. E nos filmes incomoda-me porque todos os personagens têm um estilo. Eu disse à Sara que a Lila não tem estilo. É uma pessoa que se está nas tintas para o estilo. No fundo, o estilo dela é o mau gosto. Ela tem mau gosto a vestir-se. Ela veste tudo. Vai andar de botas, de sandálias, depois com uns trapos... Na altura havia um programa de televisão, os Ídolos, por acaso a Sara tinha lá uma amiga a concorrer, na fase final do concurso - que não costumo ver, mas por acaso vi - havia uma rapariga alentejana que tinha isso: um certo mau gosto a vestir-se. E eu disse à Sara “tu ias lá às sessões com a tua amiga, estás a ver aquela rapariga? Repara bem. A Lila é assim terra-a-terra, veste-se de forma completamente diferente, a tua personagem está-se nas tintas para o que as pessoas pensam dela, não anda preocupada”.
É uma pessoa obcecada pela verdade. Há um tema ao longo do filme, se eu perguntar qual é acho que não me dizem, o que não me preocupa. Porque no fundo o tema não é importante. Acho que tem de lá estar. Há filmes que sentimos que são vazios. Outros sentimos que são mais preenchidos, mas não conseguimos explicar porquê. Porque o argumentista sabia o que estava lá. O espectador não tem obrigatoriamente de perceber. Para mim há um tema muito claro neste filme que é a busca da verdade. Basicamente há uma personagem que vai em busca da verdade, é apanhada numa mentira, ela é obcecada pela verdade, há uma cena, quando ela confronta o rapaz com a namorada, em que vemos claramente que ela não suporta traições. Não suporta a mentira - em momento algum suporta a mentira - ela quer a verdade, a verdade, a verdade, a verdade, a verdade, a verdade, a verdade E no último diálogo que ela diz do filme, vê-se que ela aprendeu algo, ela pede a mentira. A última coisa que ela diz, ela pede uma mentira. Ela aprende que por vezes é preciso mentir por amor. Esse será o tema do filme. Alguém que vai ter que aprender que a verdade pode ser perigosa e que às vezes mente-se por amor. Basicamente ninguém repara nisso, mas é muito claro. O último diálogo do filme é “mente”. “Oculta a verdade”. O tema do filme é essa obsessão com a verdade. A verdade não pode ser sempre dita. Ela está obcecada pela verdade. Está-se nas tintas para os confrontos, mas vai aprender que a verdade pode ser perigosa.

Miguel podia ter sido apenas o elo entre as personagens, mas mantém-se sempre num segundo plano, como que para recordar que, apesar do que Nuno fez, há homens piores.
O Miguel e o idoso estão lá para dizer uma coisa muito clara. Para dizer ao espectador “olhem que este tipo é um bom tipo. Ele fez aquilo, mas é um excelente tipo”. Isso é muito claro, eles estão lá para isso. O Nuno, não sendo o personagem principal, é um dos personagens principais e era muito perigoso se ele fosse mesmo um filho da mãe. No fundo há um romance. Se ele fosse um filho da mãe, não iam querer que eles se envolvessem. Iam querer proteger a Lila. Era bem claro que ele não era um filho da mãe, por assim dizer. Ele é uma pessoa com princípios, aquilo acontece porque ele não tem coragem de dizer à Sara “olha que sou eu”. Está sempre com aquele receio de provocar. Era muito claro que ele era assim.
O outro, o amigo, ele é um filho da mãe, mas não seria um assassino ou coisa do género. É um daqueles tipos que se está um bocado nas tintas para tudo.

Quantas vezes já falaste da filha abandonada nos filmes? “Desta Água”, “A Noite Gélida/Fria em Castelo Branco”...
Quando estava a filmar este aqui é que eu reparei nisso. Já escrevi treze longas-metragens. Treze. Só foi feita "A Bomba", esta e agora o "Gelo". Mas já escrevi treze e olhando para os outros não tem nada a ver. N’”A Bomba” há uma personagem que a certa altura fala do pai que foi para a prisão, mas por coincidência, de todos os filmes que eu escrevi, os que filmei foram aqueles que tinham uma ligação à paternalidade. Eu não tenho nenhum problema com a paternalidade. Acho que foi mesmo uma grande coincidência.

20 de abril de 2014

Trailer para "Jersey Boys"

Para quem não sabe, considero o senhor Clint Eastwood o maior realizador vivo. E fico facilmente rendido a um musical que tenha músicas pelo menos tão velhas como eu. Ao saber que Eastwood adaptou o musical vencedor de quatro Tony's "Jersey Boys" - sobre os The Four Seasons - a minha única questão é quanto tempo falta para poder ver.

Resposta: São quatro longos meses, mas pelo menos já temos trailer.

17 de abril de 2014

15 de abril de 2014

"Pecado Fatal" devolve cinemas a Ovar

A cidade de Ovar volta a ter cinema a partir do dia 24 de Abril. O Dolce Vita Ovar passa a contar com um espaço destinado à exibição diária de filmes, reforçando a oferta cultural e de lazer do concelho.

O regresso do cinema ao Centro Comercial resulta da parceria estabelecida entre o Dolce Vita Ovar, a Câmara Municipal de Ovar e a Filmógrafo, produtora, distribuidora e exibidora que será responsável pela exploração do espaço.

Após ter acolhido no início do ano um ciclo de cinema de homenagem póstuma ao cineasta Paulo Rocha, natural de Ovar, o Dolce Espaço passa a contar com uma programação semanal, com sessões diárias, que serão reforçadas ao fim-de-semana.

O espaço encontra-se equipado com tecnologia para exibição digital e vai apresentar aos visitantes as mais recentes obras em estreia nacional. Para além de oferecer sessões a um preço competitivo, a sala vai receber também momentos especiais, com a presença de realizadores e actores, que constituirão uma oportunidade para o público interagir com os protagonistas dos filmes em cartaz.

No dia 24 de Abril iniciam-se as sessões com a exibição de "Pecado Fatal", em estreia nacional. O filme, da autoria de Luís Diogo, tem como protagonistas Sara Barros Leitão, Miguel Meira e João Guimarães e acaba de ser distinguido com o “2014 Award of Excellence Winner” do Canada International Film Festival.

13 de abril de 2014

"La vie d'Adèle - Chapitres 1 et 2" por Nuno Reis

Vencedor indiscutível da Palma de Ouro e aclamado um pouco por todo o mundo, bem antes da estreia já "La Vie d’Adèle - Chapitres 1 et 2" estava envolto em polémica. Se nos esquecermos disso e nos concentrarmos apenas no filme, estamos perante uma obra fundamental do cinema contemporâneo. Para começar por ser a primeira adaptação de novela gráfica a ganhar Cannes revelando novas possibilidades para o cinema de autor com base num género literário que se julgava mainstream. Também por ser um filme sobre homossexualidade que agradou a todo o público (há algo que duas meninas bonitas não consigam?). Mas especialmente, porque é um brutal reflexo da vida.
Comecemos pela dualidade do título. Enquanto uns lhe chamam "Blue is the Warmest Colour", directamente do livro "Le Bleu est une Couleur Chaude", os outros chamam "La Vie d’Adèle". Só que nada no livro refere Adèle, de onde terá vindo esse nome? É que Kechiche em muitas das cenas do dia a dia de Clémentine, utilizava imagens de bastidores da protagonista, Adèle Exarchopoulos. Para aproveitar os diálogos, nada mais simples do que mudar o nome da personagem. Ou, se quisermos ser honestos, apagar a personagem e dar todo o protagonismo à actriz. Colocar o filme completamente nos ombros de uma jovem de dezanove anos com meia dúzia de filmes no currículo. Torná-la na Clémentine do livro , dizendo que podia continuar a ser a Adèle de todos os dias. Funcionou. A história original de "La Vie d’Adèle" pode cair no esquecimento, mas o facto de ter uma história simples e humana sobre o crescimento e a sociedade tornou-o parte permanente das memórias cinematográficas de quem o viu.

Adèle é uma jovem adolescente em busca de um rumo e de orientação. O contacto com uma mulher mais velha num bar onde não devia estar, vai-lhe abrir os olhos para um mundo que desconhecia. Fascinada pela irreverência de Emma - aquele anjo com o cabelo tingido de azul - e pelo mundo adulto, numa altura em que a escola e a infantilidade dos colegas cada vez se distanciavam mais do que queria ser, deixa-se levar pela curiosidade e parte à descoberta. Guiada por Emma, lentamente vai-se tornando mulher, mantendo muita da sua encantadora inocência.

Este retrato da juventude francesa tem imensos pontos a seu favor. O primeiro é a naturalidade das situações. Não só pelo desempenho magistral de Exarchopoulos, mas também pelas pequenas coisas como a música angófona que a juventude francesa ouve constantemente e nem se dá conta; as manifestações, sinal dos nossos tempos e do descontentamento da nossa juventude; o cada vez maior distanciamento geracional e como isso afecta os indivíduos... Poderia continuar a enumerar, mas de forma sucinta é a honestidade de tudo o que nos conta. É uma história de vida, de como a chama do amor se acende e se apaga, e de todos os momentos pelo meio em que arde fulgurosa.

A Adèle personagem teve um início de vida inesquecível e no fim daquela dolorosa estrada conseguiu encontrar a sua identidade. A Adèle actriz atingiu o estrelato com naturalidade, e esperemos que por lá se mantenha. Será quase impossível dissociar da personagem, mas o carinho que lhe tem sido demonstrado prenuncia uma magífica carreira.
La vie d'Adèle - Chapitres 1 et 2Título Original: "La vie d'Adèle - Chapitres 1 et 2" (França, Bélgica, Espanha, 2013)
Realização: Abdellatif Kechiche
Argumento: Abdellatif Kechiche, Ghalia Lacroix (baseado no livro de Julie Maroh)
Intérpretes: Adèle Exarchopoulos, Léa Seydoux
Fotografia: Sofian El Fani
Género: Drama, Romance
Duração: 179 min.
Sítio Oficial: http://www.ifcfilms.com/films/blue-is-the-warmest-color

9 de abril de 2014

Festa do Cinema Italiano começa amanhã

O 8½ Festa do Cinema Italiano anunciou uma sessão especial: a exibição, em 3D, do filme "O Último Imperador", de Bernardo Bertolucci, que inaugura, assim, as sessões em 3 dimensões do Cinema São Jorge e terá lugar no último dia do festival, 18 de Abril, às 15h30.

Trata-se de versão restaurada em 3D, feita a partir da versão original, de 1987, cujo restauro foi acompanhado por Bernardo Bertolucci e Vittorio Storaro e estreou na última edição do Festival de Cannes. "O Último Imperador" foi vencedor de nove Oscares (filme, realizador, argumento, fotografia, montagem, música, cenografia, guarda-roupa e som) e conta a história verídica de Pu Yi (1906-1960), que nasceu imperador e morreu como cidadão comum da República Popular da China.

Os bilhetes do 8 ½ Festa do Cinema Italiano já se encontram à venda no Cinema São Jorge, na Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinemateca e na Ticketline. Os bilhetes para o Cine-Jantar, onde será exibido o filme "O Último Tango em Paris", de Bernardo Bertolucci e terá lugar nos dias 11 (sexta-feira) e 13 de Abril (domingo), às 19h30 no Mercado de Santa Clara, já estão, igualmente, à venda no Mercado de Santa Clara e a partir de dia 10 de Abril, no Welcome Desk do Cinema São Jorge.

As sessões do 8 ½ Festa do Cinema Italiano já tiveram início nas lojas Fnac de todo o país, onde são exibidos diversos filmes, nomeadamente os que estão incluídos no pack de DVDs do festival à venda na Fnac (com oferta de voucher para o festival): "Benfica-Torino 4-3", de Andrea Ragusa e Nuno Figueiredo, "Shun-Li e o Poeta", de Andrea Segre, "Piazza Fontana - Uma Conspiração Italiana", de Marco Tullio Giordana e "Scialla! (Tá-se)", de Francesco Bruni. O calendário completo das sessões pode ser consultado em www.culturafnac.pt/calendario.

O programa completo e actualizado do festival está disponível em www.festadocinemaitaliano.com e em http://issuu.com/ottoemezzofci/docs/programacao_fci.

O 8 ½ Festa do Cinema Italiano realiza-se de 10 a 18 de Abril, no Cinema São Jorge e na Cinemateca Portuguesa, em Lisboa, seguindo-se: Coimbra, de 21 a 23 de Abril, no Teatro Académico Gil Vicente; Porto, de 24 a 27 de Abril, na Casa das Artes; Funchal, de 8 a 11 de Maio, no Teatro Municipal Baltazar Dias e Loulé, de 16 a 18 de Maio, no Cine-Teatro Louletano. A Festa do Cinema Italiano segue depois viagem para outros países lusófonos em datas e locais a anunciar em breve.

8 ½ Festa do Cinema Italiano é um festival de cinema organizado pela Associação Il Sorpasso, que conta o patrocínio principal da TopAtlântico, com o apoio da Embaixada de Itália e do Instituto Italiano de Cultura de Lisboa, é uma parceria estratégica CML/EGEAC e uma co-produção com o Cinema São Jorge.

CineBrick com novas regras

Depois do sucesso do filme "LEGO", não surpreende que o festival de filmes com peças LEGO esteja a preparar uma segunda edição. Aqui fica o regulamento como pode ser visto no site oficial.

1. Objectivo
O Cine Brick cria a competição Short Bricks com o objectivo de estimular a produção e exibição de curtas-metragens de animação feitas com peças LEGO®.

2. Competição de curtas
O Cine Brick, a partir da edição 2014, incluirá no seu programa uma competição de curtas metragens. Esta competição acontecerá em todos os locais do Mundo onde se realize o Cine Brick.

3. Origem dos filmes
Serão admitidos a concurso filmes originários de qualquer parte do Mundo.

4. Duração dos filmes
Serão admitidos a concurso filmes com duração total inferior ou igual a 30 minutos.

5. Ano de produção dos filmes
Serão aceites a concurso filmes produzidos no ano da competição ou num dos dois anos anteriores. Para a competição de 2014 serão admitidos filmes produzidos em 2012, 2013 ou 2014.

6. Diálogos
Com o objectivo de facilitar a difusão dos filmes por todos os continentes, sendo vistos e compreendidos por pessoas de todo o mundo, o Short Bricks privilegiará filmes sem diálogos. No entanto, serão também considerados a concurso os filmes com diálogos.

7. Datas e custos de submissão
Para a edição 2014 serão aceites a concurso os filmes submetidos entre 1 de Janeiro e 30 de Abril de 2014. A inscrição é gratuita.

8. Formas de submissão e moradas
Os filmes deverão ser enviados preferencialmente em formato DVD, para a seguinte morada: Avenida das Congostas 356 4º A, 4250-159 Porto, Portugal. Em alternativa poderão ser enviados em ficheiro, de qualidade equivalente a DVD, ou superior, para o seguinte endereço de e-mail: cinebrickfestival@gmail.com.

9. Autorização de exibição e informação adicional
Os filmes deverão ser acompanhados de autorização escrita de exibição no festival, bem como de uma breve apresentação da história do filme e da equipa envolvida na produção. Deverá também ser enviada uma foto de alta resolução do filme, bem como outros materiais de promoção se existirem.

10. Propriedade intelectual
Ao submeter o filme à competição Short Bricks, o produtor do filme declara que detém os direitos de apresentação pública da obra, bem como da música nesta incluída. Se solicitado, o produtor ou realizador deverão apresentar prova relativamente a estes direitos, assumindo total responsabilidade no caso de litígio.

11. Programa oficial
As curtas metragens submetidas a competição, e selecionadas pela organização, ficarão automaticamente incluídas no programa oficial do festival.

12. Número máximo de filmes por realizador
Cada realizador pode submeter a competição um máximo de 3 filmes em cada edição do festival.

13. Selecção
A organização do Cine Brick decidirá, e comunicará publicamente, com uma antecedência de pelo menos 2 semanas face ao início do festival, quais os filmes selecionados para exibição e competição.

14. Decisão
O júri, a designar entre pessoas ligadas ao Cinema, ao Lego, ou ao meio artístico em geral, decide, por maioria, e após exibição de todos os filmes no festival, o vencedor do evento. A organização do festival poderá atribuir ao público um dos votos. Para além do primeiro prémio, poderão ser atribuídas menções honrosas.

15. Vencedores em cada etapa
Em cada etapa do Cine Brick será designado um vencedor do Short Bricks, sendo que no final de todas as etapas, e por decisão colectiva dos júris de cada etapa, será encontrado um vencedor global.

16. Extensões e parcerias
O Cine Brick reserva o direito de exibir todos os filmes seleccionados para a competição em extensões do festival ou em festivais com os quais seja celebrado acordo de parceria.

17. Promoção e divulgação
O Cine Brick reserva o direito de utilizar imagens e excertos dos filmes, assim como textos relativos aos filmes, para fins de promoção e divulgação.

18. Casos omissos
Os casos omissos serão resolvidos pela organização do festival, e não existirá possibilidade de recurso.

19. Aceitação das condições
A participação na competição Short Bricks implica a aceitação destas condições.

20. Prémio para o Primeiro Classificado

2 de abril de 2014

HIMYM: um final feliz

Visto que muita gente não gostou/percebeu o final de "How I Met Your Mother" e prefere continuar a acreditar que tudo na vida são facilidades para quem merece, aqui fica o final numa versão fanmade muito cor-de-rosa.

(oviamente que daqui para a frente contém spoilers)
Preferia que tivesse sido assim? Claro, mas não seria honesto. A vida real prega-nos partidas e dá muitas voltas. Mantenho que é melhor uma série que lida com isso do que uma que nos oculta a verdade.

1 de abril de 2014

Nothing Lasts Forever...

Lembrem-se que este é o dia das partidas e todas as pessoas, todos os sites, terão alguma preparada para vos pregar. Mas a maior partida de 1 de Abril de sempre, não foi qualquer surpresa. Foi anunciada por muito tempo e hoje concretizou-se. Era a nossa uma da manhã (meia-noite nos Açores) quando pela última vez foi transmitido um novo episódio de How I Met Your Mother nos EUA. Na televisão nacional ainda teremos mais umas semanas, mas antes disso todos os spoilers terão sido revelados.

E agora? Como faremos para viver apenas com episódios repetidos e reposições de temporadas? Como nos podemos despedir de um quinteto que ao longo de nove anos fez parte das nossas vidas e nos ensinou tudo o que é fundamental sobre a vida, o amor e a amizade? Como é o mundo sem as sandes metafóricas, os doppelgangers, o Let’s Go To the Mall, o choque com a cultura canadiana, a trompa azul, as bofetadas em suspenso, o Bro Code e expressões que se tornaram universais como “Legen...wait for it... dary” ou quase secretas dos fãs como “Redonkulous”? Alguém se lembra do mundo antes de 2005? Será possível voltar lá?

Para muitos este texto pode parecer um exagero, mas a verdade é que uma geração específica que cresceu a ver esta série, cresceu com esta série. Teve os mesmos dilemas, deparou-se com as mesmas situações, consegue fazer paralelismos daqueles cinco com o próprio grupo de amigos. Com uma escrita mordaz e atenta ao mundo, nota-se a alteração gradual dos hábitos de quem vai dos vintes para os trintas. Dos tempos da universidade e de arriscar mudar de país, até encontrarmos quem somos, de onde somos e quem é a nossa vida. Os sites e modas que são referidos de forma sarcástica como “tão 2007”, só quem os viu no seu máximo fulgor percebe a importância passada e insignificância presente. Para os um pouco mais velhos ou um pouco mais novos não terá a mesma piada. Não vêem HIMYM da mesma forma porque não foi feita para eles e muito do que a série tem de melhor passará ao lado como uma private joke. Não é. A televisão entrou no século XXI e este programa foi o seu arauto. Enquanto os dramas televisivos se aproximaram do cinema, a comédia teve de se reinventar fiel ao espírito da caixa mágica (em especial estes produtos mais próximos ao formato novela). A grande maioria das séries apostou num modelo intemporal. Com telemóveis melhores ou piores, os episódios podiam-se passar uma década ou depois. mas não os desta nossa série. Arriscou por apostar em ser de uma época específica e assim criar laços com quem a via. Funcionou. O primeiro episódio não foi fenomenal, mas começou uma bola de neve que a cada semana agarrava mais gente para não mais largar. Pode ter passado indiferente a muitos, mas foi plenamente sentida por quem a viveu.

Ao longo destes nove anos inventei uma nova expressão ao ver a Fox nas manhãs de Sábado. “O que pode ser melhor que um episódio de HIMYM? Dois episódios de HIMYM!” E então nos fins-de-semana de maratona, eram horas seguidas do mesmo sem bocejar. Queria lá saber se eram repetidos. Tinham sempre algo de novo a contar!
Com o passar dos anos o tempo para ver televisão foi diminuindo e devido aos horários a série começou a ser menos acompanhada. Mas ainda era a minha mais que tudo em todo o panorama televisivo. Até que chegou a personagem mais odiada de sempre. A causadora da maior tragédia da televisão, a máe. Sim, todos a queriam conhecer, mas é por ela ter aparecido que a série termina e isso é imperdoável.
Ao longo dos anos várias convidadas ilustres passaram pela série como paixões, namoradas ou mesmo noivas de Ted. Nomes fortes da tv como Jennifer Morrison, Katie Holmes, Sarah Chalke, Amanda Peet, Morena Baccarin, da música como Britney Spears, Katy Perry, Jennifer Lopez, Mandy Moore, Carrie Underwood... Depois de todas elas a eleita acabou por ser a desconhecida Cristin Milioti. O efeito HIMYM foi imediato pois bastou vê-la num episódio que em “The Wolf of Wall Street” já era A Mãe. Tudo estava encaminhado para um final digno da espera.

Há duas fortes teorias sobre como acaba a série, uma já com alguns anos e outra que surgiu há cerca de um mês. Ambas de chorar baba e ranho para quem está preso à série. Neste momento a página Facebook está repleta de comentários de pessoas a ver em tempo real. Parece que os criadores da série se esmeraram e estão a causar pequenos ataques cardíacos a milhões de espectadores. Óptimo. É sinal que este episódio vai ser Legen...
Ok, agora que acabou parece que há quem tenha ficado desiludido. Tenho de ver depressa, mas neste momento sinto-me como o Marshall - “I’m not ready for this”. Devo ver e ficar desiludido? Forçar-me a esquecer tudo? Ou não ver e ficar com as memórias intactas como se fosse uma série cancelada no fim da oitava temporada? Ups, essa não funciona pois já vi demasiado da nona. E em qualquer dos casos está vai ser para comprar completa e rever muitas vezes. Vai ter de ser até ao fim. Pode ser que goste. Dizem que o amor é incondicional e tudo perdoa.
Só espero que ao rever não descubra demasiadas contradições. Um mau final ainda aguento, uma série que se contradiz não.

Depois de vistos, os derradeiros episódios desiludem. Percebe-se que tenham feito em dose dupla pois qualquer um dos episódios em separado seria insuficiente. Foi completamente precipitado. Este fim de história precisava de um pouco mais de tempo para amadurecer, mais 3 episódios talvez bastassem. No episódio 23 achei que talvez tivesse de verter uma lágrima, mas assisti impassível ao final. Faltou uma estocada certeira. No entanto, a série fechou da única forma que fazia sentido. As pontas mais soltas ficaram soldadas, quem esteve alheio às duas últimas temporadas deve ter achado que tudo voltou ao normal. No fundo, foi um episódio sobre envelhecer, o que ganhamos e o que perdemos no processo. Estes nossos amigos mereciam melhor, mas a intenção estava lá e, para um grande fã, meio episódio basta. O que conta não é o destino, é o caminho percorrido ao lado deles.

Quem vai rever?