É impossível falar de planos sequência sem falar de "A Cova". Esta curta-metragem de 2010 foi filmada num único plano. O resultado foi ter sido seleccionada para diversos festivais como Fantasporto, Porto7, Shortcutz (que venceu) e Barreiro. A curta ainda se mantém no roteiro dos festivais pelo que terão outras oportunidades de a verem. Se forem muito preguiçosos e quiserem ver em casa irá passar na SIC Radical dias 20 e dia 24 de Agosto.
O Antestreia a propósito da rubrica Planos Sequência teve uma oportunidade de falar com o realizador Luís Alves que denuncia a predilecção pelos planos alargados no nome do seu blog Grandes Planos.
O Luís Alves é um jovem de 33 anos que estudou realização no curso de Cinema da Universidade Lusófona. Na faculdade realizou várias curtas incluindo "O Aquário" (2006), e um documentário sobre uma família de benfiquistas "Star Kids" (2009), ambas passadas na RTP2. Entre os seus realizadores favoritos encontram-se Michael Mann, Martin Scorsese, Alfred Hitchcock, Francis Coppola, John Ford, Oliver Stone, Michael Cimino e Clint Eastwood.
Antestreia: Para ti qual a importância de um bom plano-sequência?
Luís Alves: Os planos sequências têm características muito particulares, uma vez que neles a montagem é inexistente, o tempo e o espaço tornam-se obrigatoriamente realistas e a imersão do espectador é mais intensa. Como é lógico não estou a falar de pôr uma câmara a filmar uma árvore durante 10 minutos. Refiro-me aqueles planos sequência mais audazes e arrojados. Os de Cuaron, De Palma, Scorsese, Figgis, Sokurov e claro o mestre… Hitchcock. Esses são para mim os grandes exemplos dessa complexa arte que é filmar sem corte.
A: Alguns exemplos de cenas que te tenham influenciado ou de filme obrigatórios para perceber a diferença entre sequências e cortes?
LA: A início a principal referencia era o “Rope” do Hitchcock. É um filme brilhante, porque além de ser constituído em takes únicos de 10 minutos, têm ainda uma característica deliciosa, que é a câmara nesse filme funcionar como cúmplice dos personagens numa primeira fase, passando depois a cúmplice do espectador. O suspense no seu melhor. Mas o Rope era um filme controlado, de estúdio e de grande orçamento. Na Cova não havia nem estúdio nem orçamento. Então lembrei-me do “Y Tu Mama Tambien”, do Alfonso Cuaron e aí tive a chave para uma abordagem realista. Percebi que na direcção de actores e no guião é que estava o coração do filme. A realização desse filme trabalhava com a luz natural, decors reais, interpretações espontâneas e câmara à mão. Foi especialmente esse o filme que me deu a segredo para a realização da curta. O “Time Code” do Mike Figgis também teve uma palavrinha a dizer.
A: De onde veio a ideia para "A Cova"?
LU: Nasceu de um enorme desejo em conjugar duas coisas: contar uma história de suspense e realizar uma curta com uma abordagem muito pouco comum no panorama nacional, em plano-sequência.
A: Foi pensado de raiz para ser filmado num só plano?
LA: Foi. E isso reflectiu-se imenso na escrita do guião. Tudo as situações e twists da história, estavam condicionados ao facto de terem de ser filmados num take único, o que foi bom. Foi daqueles casos em que a necessidade obrigou a aguçar o engenho. Como era só um plano, tinha de ser só um decor, tinha de haver um número controlável de personagens, tinha de ter os três actos da historia e tínhamos de conseguir filmar isso tudo ao nascer do dia.
A: Sendo um filme mostrado em festivais e ciclos há um contacto próximo com os espectadores. Eles reparam que estão perante uma só sequência?
LA: É engraçado, algumas pessoas vêm por vezes ter comigo, na dúvida e perguntam se o que acabaram de ver foi apenas um take. Para mim considero-o um elogio ao filme. Significa que eles seguiram a historia e só depois é que se aperceberam da técnica. Está lá o take, mas está primeiro a história, o que foi sempre o objectivo principal. Se o plano-sequência chamasse a atenção sobre si mesmo, seria sinal que algo estava errado: ou com a história, ou com os personagens. Ou então que o filme era apenas um mero exercício de estilo. Felizmente não foi o caso.
A: Quando eles percebem, acham que enriquece a história ou dizem que é apenas uma mania de artista?
LA: Acham piada. Algumas pessoas apercebem-se que deve ter sido complicado e a generalidade acha engraçado. Pessoalmente acho que fortalece a imersão do espectador no que está a ver. Primeiro porque a história é filmada e transmitida ao espectador em tempo real. Segundo porque a ausência de corte amplia o realismo do que vemos no ecrã. Terceiro, as representações dos actores ganham uma maior naturalidade “do momento”. É quase como uma espécie de directo. Eles estão ali, sem corta, portanto têm de seguir em frente com os seus personagens, encarnando-os de uma forma mais visceral e focada.
A: Os actores de cinema estão acostumados a este método de trabalho ou deve-se recorrer a gente com experiência teatral?
LA: Nunca pensei em “actores de teatro” ou “actores de cinema”. Pessoalmente acho que se deve recorrer aos actores ideais. Que casem bem com os personagens. Que felizmente foi o caso. O Augusto porque me dava a ambiguidade e o cinismo que eu procurava. O Afonso porque transmitia um misto de inocência e fúria. E o Ivo, porque um personagem atormentado e complexo, com um lado muito sombrio, seria um desafio para ele. Todos eles foram fantásticos e entregaram-se a mil por cento! Estou muito orgulhoso das suas interpretações.
A: Quantos ensaios e takes foram precisos para concluir o filme?
LA: A minha abordagem com os actores foi ver passo a passo os momentos do filme. Conforme eles foram descobrindo os seu personagens e ganhando confiança, eu comecei a gravar de forma muito casual, o que serviu também para começar a definir os enquadramentos. Quando demos por nós, já tínhamos um ensaio gravado. A partir daí começamos a rodar takes. Que no final resultaram num total de 9 em 2 dias.
A: O teu próximo projecto será bem diferente e não cabe num só take. Em que consiste e que diferenças podemos esperar?
LA: É outra curta-metragem que reflecte em tom de sátira a conturbação social e política de um certo Portugal em 2011. E o que posso dizer é que a abordagem desta vez será um anti plano-sequência….
A: Numa longa-metragem filmar num só take é algo assustador que poucos se atrevem a tentar. Já pensas nisso?
LA: Por enquanto não. “A Cova” foi uma experiência muito satisfatória, mas complicada. Agora quero explorar novas formas de contar histórias com recurso ao poder da montagem.
A: Haverá um regresso aos filmes de plano único ou de planos-sequência, ou é uma experiência a não repetir?
LA: Para citar um titulo de um 007: Never say never...
1 comentários:
Eu já vi, e gostei bastante :)
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