"The Monuments Men" por Nuno Reis
Then what would we be fighting for?
Tem andado muito em voga esta falsa afirmação de Churchill sobre a Cultura. Não há provas de ele o ter dito, mas, no entanto é daqueles argumentos que qualquer grande líder diria sem hesitar. A imortalidade do indivíduo só pode ser atingida pela das suas criações. A identidade de uma nação reside na arte que produz. No património que deixa para as gerações futuras. Parte do plano nazi para dominar os povos da Europa, residia em roubar toda a sua cultura. E, caso a guerra fosse perdida, destruí-la, para ao menos ter uma vitória moral. Se isso não é ser a personificação do Mal, não sei o que será.
Vamos fazer aqui um pequeno intervalo. Destruir obras de arte seja como protesto (cá e lá), como restauro criativo, ou como manobra de guerra (os Budas de Bamiyan destruídos pelos talibã em 2001) tem apenas um nome: estupidez. Estar em cenário de guerra e deixar que obras de arte sejam vítimas do processo, é mau. Atacar a arte propositadamente, é pior. É tão ou mais grave que o genocídio. Podemos dizimar todo um povo, que a sua História permanecerá nas suas criações. Se destruirmos as criações, perde-se todo o passado (e esperança no futuro) desse povo.
Voltemos ao que se passou no fim da Segunda Guerra Mundial. Hitler roubou toda a cultura que pode (de museus, colecções privadas e indivíduos) e ia colocá-la no seu museu pessoal. Estamos a falar de dezenas de milhares de obras de arte concentradas num local a que muito poucos teriam acesso. Querem ficar mais escandalizados? Os artistas modernos, estavam a ser destruidos por não considerar merecedores.
O que se segue é igualmente curioso. Os nazis estavam a levar as obras em locais secretos. Os russos fizeram um brigada dos troféus para roubar aos ladrões. Os americanos queriam recuperar o tesouro para devolver aos seus donos. Havia portanto três facções em busca de tesouros enquanto a guerra caminhava para o seu final.
Um homem reúne uma equipa para uma missão quase suicida no palco da guerra mais sangrenta jamais vista. Enquanto isso, uma mulher tenta fazer o mesmo por conta própria.
Estão a imaginar "Inglorious Bastards"? É quase. Tem o mesmo humor impróprio para a situação, tem menos violência, e não é tão ficção. Esta é a história de Frank Stokes, o homem que não deixou a arte ser uma vítima colateral. A sua equipa são os entendidos em arte que eram demasiado velhos ou incapazes para o exército convencional.
Escrito, realizado e protagonizado por George Clooney, tem um elenco muito bem composto. Matt Damon, Bill Murray, John Goodman, Jean Dujardin, Cate Blanchett, Hugh Bonneville, Bob Balaban, um cameo de Alexandre Desplat e outro de Serge Hazanavicius... Não são actores que se deslumbrem pelo dinheiro. Com toda este gente ou era um grande filme, ou a filmagem ia ser muito divertida. Para nossa sorte, tivemos ambos.
“The Monuments Men” evita a violência gratuita. E agradeço que tenha o mínimo possível de mortes no ecrã (para um filme em cenário de guerra) pois para torturar o espectador bastam os quadros queimados. Com uma aproximação delicada e muitos momentos de descontracção, é um filme de acção light - quase filme pipoca! - com uma mensagem a transmitir que é mais importante do que o filme em si. Não digo que o filme como obra não importa - até tem algumas micro-histórias interessantes - mas talvez o melhor seja a discussão que levanta. A questão “uma obra vale uma vida humana?” a que Stokes primeiro responde “não” para acabar a dizer “sim”.
Essa discussão tem duas partes. A primeira é que a missão em que partiram não teria uma eficácia de 100%. Era impossível salvar todas as obras, fosse porque tinham sido escondidas por pessoas já mortas, porque tinham sido levadas para parte incerta, ou porque tinham sido destruídas, nem todas as obras europeias voltariam a casa. Eles podiam baixar os braços e ficar indiferentes a cada obra perdida - o que facilitaria o trabalho - ou podiam considerar cada obra salva uma vitória e ter milhares de vitórias. A aproximação adoptada no filme foi a mais realista, assumiram que umas obras tinham mais importância que outras e usaram-nas como referência. Conseguir essas obras significaria sucesso, não as conseguir seria uma derrota. Duas entre cinquenta mil é escandalosamente pouco, mas, o que seria um número razoável? E por entre milhões de mortos, esses números têm alguma expressão?
A segunda parte é sobre o valor real de uma obra. Eu prefiro aquelas artes que criam de múltiplas cópias como literatura, cinema e música. Chegam a mais gente e estão mais seguras. Quando se trata de obras unitárias - pintura, escultura, arquitectura - um sítio fica com toda a responsabilidade e com todo o risco. Por isso é que uma réplica devia ser tão respeitada como o original. Se é exactamente igual ao original, apenas um pouco mais nova, não transmite o mesmo que o seu autor queria dizer? Quem possui a peça pode achar que vale mais se for única, mas só tem valor se puder ser apreciada por alguém. Ver um original que é aberto uma vez por ano, e estar sujeito a determinada temperatura/pressão/humidade, com distância de segurança e um vidro de 30 centímetros pelo meio é um desperdício de tempo. Deixem esse fechado para os restauradores e estudiosos (se eles o quiserem) e exibam uma cópia ao público. Porque quando o original ficar irrreparável - e esse dia chegará sempre, nem que seja daqui a mil anos - uma cópia será tudo o que verão.
Podemos ainda pensar no caso do Cinema e no trabalho que tem dado preservar uma arte tão jovem. Colecções como Gaumont-Pathé, a Library of Congress americana ou a Criterion estão a fazer um excelente trabalho preventivo e mesmo assim milhares de filmes estão já irremediavelmente perdidos. Nem tudo merece ser salvo, isso é bem verdade, mas não é a nós que compete decidir se a geração futura tem ou não o direito de ver um mau filme. O nosso dever é preservá-los para que estejam ao alcance de quem os quiser ver. Podemos juntar a nossa opinião para lhes facilitar a escolha, mas todos merecem ver maus filmes.
Então, uma obra vale uma vida?
Guy Montag pode ter sido altruísta e ariscado tudo por algo que desconhecia, mas nesse contexto Bradburyano qualquer obra era fundamental. A minha resposta: Não morreria pelo original de algo que tem centenas de cópias. Morreria pela única cópia de algo que considerasse mais importante do que a minha vida. O curioso é que nessa lista tenho títulos de filmes, livros e músicas, obras que me dizem algo porque as vi, as ouvi e as senti. Fazem parte do que sou. Chamem-me insensível, mas não tenho nessa lista uma única obra das artes plásticas.
Voltando a “The Monuments Men”, é um filme único sobre a guerra. Lembra-nos que não lutamos por um bocado de terra ou por um ideal, foi pelas liberdades. Incluindo a de expressão, de pensamento e de acesso à cultura. É um agradecimento aos soldados, aos seus informadores, aos artistas e aos que lutaram (e talvez tenham morrido) para que essas obras chegassem até nós. Só por isso merece todo o nosso respeito e uma compra de bilhete.
Depois de o verem, passem por um museu ou leiam um livro. Dêem valor à cultura para que não tenha sido em vão.
Título Original: "The Monuments Men" (Alemanha, EUA, 2014) Realização: George Clooney Argumento: George Clooney, Grant Heslov (baseados nos livros de Robert M. Edsel e Bret Witter) Intérpretes: George Clooney, Matt Damon, Cate Blanchett, Bill Murray, John Goodman, Jean Dujardin, Bob Balaban, Dimitri Leonidas Música: Alexandre Desplat Fotografia: Phedon Papamichael Género: Acção, Biografia, Drama, Guerra Duração: 118 min. Sítio Oficial: http://www.monumentsmenmovie.com |