9 de fevereiro de 2008

"Gone Baby Gone" por António Reis

É difícil saber-se se é a realidade que copia a ficção, se a ficção copia a realidade. E no cinema esta dúvida é cada vez mais frequente. Esta reflexão é obviamente o resultado da visão do filme "Vista Pela Última Vez" onde as semelhanças entre o caso McCann e o caso McCready do filme, não sendo muitas, são no mínimo perturbadoras. Sejamos cínicos: o filme de Ben Affleck gozou de uma campanha de media inusitada, que despertou a curiosidade de um larguíssimo público. Mais do que provavelmente merece. Sejamos francos: Ben Affleck e o livro original não têm culpa de entre os milhões de probabilidades de opções romanescas, elas coincidirem no essencial com a realidade. Sendo certo que Ben Affleck não é um grande actor também não é um talentoso realizador, e a sensação da primeira parte do filme é o de alguma indefinição entre um cinema de cariz independente, um documental ficcionado para televisão, com algumas imagens a lembrar essa obra prima de Clint Eastwood que era "Mystic River". Não fosse Dennis Lehane o autor de ambos.
Não se pode pois gabar a originalidade da realização. Outro dos problemas do filme é a dificuldade de transcrever uma densidade complexa de relações dos personagens com a história, que se inclina sobretudo para um thriller convencional, onde os bons não são particularmente bons, e os maus de tão maus conseguem inspirar algum apreço. Começando como thriller, acaba como parábola moral. Temos assim dois filmes no filme. Como thriller é apenas um exercício de estilo sobre clichés do género: o detective independente, o chefe de polícia à beira da reforma, a família disfuncional, um rapto por resolver, suspeitos demasiado óbvios para serem os culpados. Neste registo é apenas um policial sem chama que se perderia passado o período efémero de uma coincidência infeliz com a realidade. Mas Ben Affleck teve a sorte ou o engenho de dar um clique final em que a moral se torna perturbadora e em que as boas decisões éticas se revelam opções destruidoras das vidas dos personagens. O que poderia ser um final feliz torna-se uma melancólica visão sobre os limiares estreitos entre o bem e o mal. Como se percebe as diferenças com o real caso Maddie são evidentes. No filme os valores podem estar alterados, no caso Maddie parece que só existem vilões.


Título Original: "Gone Baby Gone" (EUA, 2007)
Realização: Ben Affleck
Argumento: Ben Affleck, Aaron Stockard baseados no livro de Dennis Lehane
Intérpretes: Casey Affleck, Michelle Monaghan, Ed Harris, Morgan Freeman, Amy Ryan, John Ashton
Fotografia: John Toll
Música: Harry Gregson-Williams
Género: Drama, Crime, Mistéria
Duração: 114 min.
Sítio Oficial: http://www.gonebabygone-themovie.com/

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