13 de fevereiro de 2008

A disfuncionalidade e o cinema


Um tema cada vez mais recorrente no cinema actual, que é fruto de uma aposta cadenciada nos últimos anos é o das famílias disfuncionais. Mas, se antes era o ponto de partida para a abordagem narrativa, hoje o seu objecto tornou-se uma quase personagem, e a ambivalência estrutural decorre exactamente do modo de correlacionar esse papel com o das restantes marcas acessórias.

Exemplos da história recente não nos faltam. À cabeça, até por modelarem um estilo, "The Simpsons". A comédia rasgada e o humor mordaz que nos é oferecida resulta de uma abordagem certeira de Matt Groening à sua capacidade de usar as limitações de uma família para apontar o dedo à política, à sociedade e aos comportamentos sociais em geral. Aqui, o papel é o de bloco distribuidor de opinião, carregado de humor.

Recuando, "Santa Sangre" (1989) do chileno Alejandro Jodorowsky, usa a família como veículo de choque: uma mãe sem braços tem a seu lado um filho lhos oferece, encetando uma campanha de sadia vingança. O humor está arredado, mas o terror marca a sua posição. A disfuncionalidade da família em sentido contrário, o da união.

São inúmeros os exemplos: "Twin Peaks" (David Lynch, 1989), "Rain" (Christine Jeffs, 2002), "Welcome to The Dollhouse" (Todd Solondz, 1996), "The Quiet Family" (Kim Ji-Woon, 1996), o incontornável "The Royal Tennenbaums" (Wes Anderson, 2001), "Family Guy" (1999 - ...), ou o genial "Little Miss Sunshine" (Jonathan Dayton e Valerie Faris, 2006).
O que realmente se torna interessante é a abordagem cada vez mais certeira e inquietante, muito apoiada no humor, desta opção. Porque recentemente temos "Arrested Development", "American Gangster" (Ridley Scott, 2007), "Before the Devil Knows You're Dead" (Sidney Lumet, 2007), "Michael Clayton" (Tony Gilroy, 2007) ou "Margot at the Wedding" (Noah Baumbach, 2007), tudo abordagens de elevadíssimo nível, e que reforçam um necessidade premente de analisar os processos estruturais familiares como base de uma disfuncionalidade não só desses agregados, mas igualmente de uma sociedade desequilibrada e inclinada para recursos alternativos de vida.

E o mesmo assistimos em "Juno", uma extraordinária visão de Jason Reitman de uma nova família, cuja disfuncionalidade se assume como natural, interessante e, inclusive, necessária. O cinema independente está, aliás, unido umbilicalmente a esta estrutura. Havemos de voltar ao tema.

2 comentários:

Carlos M. Reis disse...

Bem visto Ricardo. Cumprimentos.

RC disse...

É interessante, Knox, esta tendência das famílias disfuncionais. E "Juno" é uma obra maior no que concerne não só a este tema, como às abordagens recentes do cinema independente.