Escrevo estas linhas com os dedos embargados e a alma rendida à última película de Clint Eastwood. Há filmes assim, tão extraordinários que aparentam ter sido talhados para se tornarem imortais, em que todos os fotogramas nos surgem como que tendo vida própria e em que cada micrómetro quadrado de cada um destes parece expelir fartas doses de sentimento. "Million Dollar Baby" é desse tipo. Genuíno, puro, simples, gigantesco, brilhante. Li, um dia, o escrito de alguém que se referiu a Eastwood como herdeiro directo de Hawks, ou Ford, de determinada forma de filmar, de certo modo de olhar o mundo. A mesma pessoa referiu-se a ele como "o último realizador clássico". Lamento não me lembrar de quem escreveu isto, mas não podia estar mais de acordo, embora eu acrescentasse, ainda, um outro nome: o de Capra, pela sensibilidade e pelo afecto com que conseguem, ambos, comunicar com o público através das suas histórias e das suas personagens. Serve esta introdução para desenganar aqueles que pensem, ao ler a sinopse antes de entrarem na sala de cinema, estar perante, apenas, mais uma película sobre boxe. Nada de mais errado! Por duas razões. A primeira, por todos os filmes sobre qualquer modalidade desportiva (ou outro qualquer assunto) serem sempre, quando bons, muito mais do que isso (há alguém que defenda que o "Raging Bull", do Scorsese, é "apenas" um filme sobre boxe, por exemplo?); a segunda, porque qualquer obra realizada por Clint Eastwood, com particular ênfase para o seu trabalho nas últimas duas décadas, é sempre relacionada com mais do que "apenas" qualquer assunto que lhe dê origem, ou sobre o qual esteja, supostamente, mais centrado.
A dada altura, sentado na cadeira da sala de cinema enquanto assistia a "Million Dollar Baby", veio-me à cabeça uma pergunta: "o que seria eu, o que seria cada um de nós, capaz de fazer por amor?" Esta questão surgiu-me alguns minutos antes da última imagem do filme, por razões que se prendem com a história e que eu não vou, obviamente, contar, mas manteve-se por muito tempo... mantém-se, aliás, na altura em que escrevo este texto. Porque é uma pergunta fundamental para que o sintamos na sua plenitude e porque é disso, ao fim e ao cabo, que se trata - de sentimento (que emana da tela até ao público) e de amor. Seja o amor paternal e filial entre duas pessoas que não são biologicamente pai (Clint Eastwood) e filha (Hilary Swank), mas cuja caminhada, lado a lado, faz com que estabeleçam laços tão fortes que fariam corar de vergonha (e inveja?!) certos pais e filhos que por aí existem; seja amor fraternal entre dois homens que não são irmãos, mas poderiam ser, mesmo um sendo branco (Eastwood) e outro preto (Morgan Freeman); seja o amor angustiado do protagonista pela verdadeira filha (biológica) que o ignora e às suas cartas, ou até o amor, por parte do trio de personagens principais, ao boxe e a tudo (ou quase) o que o rodeia.
Numa obra portentosa e sublime, como esta, parece-me muito difícil apontar qualquer tipo de falha. Não dei por nenhuma, desde o enquadramento à fotografia, à exploração do espaço e do tempo, à magistral interpretação dos actores (os três referidos anteriormente estão simplesmente geniais), aos temas musicais arrastadamente melancólicos (igualmente da responsabilidade de Clint Eastwood), ou à negação da lamechice por parte do próprio argumento. Não dei por nenhuma falha, repito, mas, se existe alguma, não tem qualquer tipo de relevância, porque mesmo que não houvesse qualquer razão adicional (e há!), o simples facto de "Million Dollar Baby" ser um filme que trata de redenção, bastaria. E falo de redenção, não apenas das personagens que dele fazem parte (até porque, na narrativa, ela surge através de caminhos tortuosos), mas também de nós próprios em relação ao cinema. Este é DAQUELES filmes que nos reconciliam, em absoluto, com a 7ª Arte e que nos fazem sair da sala a pensar que foi um dos melhores que vimos na vida. E se dá bastante gozo escrever sobre um filme assim, acreditem que vê-lo dá muito, mas muito mais!
A dada altura, sentado na cadeira da sala de cinema enquanto assistia a "Million Dollar Baby", veio-me à cabeça uma pergunta: "o que seria eu, o que seria cada um de nós, capaz de fazer por amor?" Esta questão surgiu-me alguns minutos antes da última imagem do filme, por razões que se prendem com a história e que eu não vou, obviamente, contar, mas manteve-se por muito tempo... mantém-se, aliás, na altura em que escrevo este texto. Porque é uma pergunta fundamental para que o sintamos na sua plenitude e porque é disso, ao fim e ao cabo, que se trata - de sentimento (que emana da tela até ao público) e de amor. Seja o amor paternal e filial entre duas pessoas que não são biologicamente pai (Clint Eastwood) e filha (Hilary Swank), mas cuja caminhada, lado a lado, faz com que estabeleçam laços tão fortes que fariam corar de vergonha (e inveja?!) certos pais e filhos que por aí existem; seja amor fraternal entre dois homens que não são irmãos, mas poderiam ser, mesmo um sendo branco (Eastwood) e outro preto (Morgan Freeman); seja o amor angustiado do protagonista pela verdadeira filha (biológica) que o ignora e às suas cartas, ou até o amor, por parte do trio de personagens principais, ao boxe e a tudo (ou quase) o que o rodeia.
Numa obra portentosa e sublime, como esta, parece-me muito difícil apontar qualquer tipo de falha. Não dei por nenhuma, desde o enquadramento à fotografia, à exploração do espaço e do tempo, à magistral interpretação dos actores (os três referidos anteriormente estão simplesmente geniais), aos temas musicais arrastadamente melancólicos (igualmente da responsabilidade de Clint Eastwood), ou à negação da lamechice por parte do próprio argumento. Não dei por nenhuma falha, repito, mas, se existe alguma, não tem qualquer tipo de relevância, porque mesmo que não houvesse qualquer razão adicional (e há!), o simples facto de "Million Dollar Baby" ser um filme que trata de redenção, bastaria. E falo de redenção, não apenas das personagens que dele fazem parte (até porque, na narrativa, ela surge através de caminhos tortuosos), mas também de nós próprios em relação ao cinema. Este é DAQUELES filmes que nos reconciliam, em absoluto, com a 7ª Arte e que nos fazem sair da sala a pensar que foi um dos melhores que vimos na vida. E se dá bastante gozo escrever sobre um filme assim, acreditem que vê-lo dá muito, mas muito mais!
3 comentários:
A mim não me consegues levar...já fui e fiquei "esmigalhada". De facto parece cinema, cheira a cinema e sabe a cinema. Sente-se a arte, vê-se (quase que se toca) a textura da pelicula (e nós sabemos do que falo) projectada no ecrã. Não me sentia tão feliz por estar sentada numa sala de cinema (e eu sento-me bastante) como me senti no sábado passado. Meu Deus como foi possivel chorar com uma simples cena como a do Clint a sentar-se na beira da cama?! Mas chorei. Chorei nessa e em muitas outras. Arrisco a dizer que esta é a melhor interpretação do meu querido Clint Eastwood. o Scorsese que se ponha a pau!...
Valeu a pena a noitada! Sim senhor, assim sim, vale a pena ver os Oscares. Agora, Clint, ficamos á espera do próximo...
Uma das coisas a que mais piada acho nos blogs é a possibilidade que dão, a todos, de comentarem da forma que quiserem. Estava eu à espera de ser trucidado por comentários do tipo "como é que um idiota que escreve sobre cinema ainda se emociona ao ver um filme?", mas eis que me calhou precisamente o contrário. Fico contente. Vocês sabem, tão bem como eu, que é essa a magia e a beleza, que nos fazem apaixonados pela 7ª Arte. Obrigado, Clint. E parabéns pelo Oscar.
Filipe Lopes
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