Esta entrevista ocorreu em Sitges no passado mês de Outubro. O cineasta James Watkins concedeu-nos em exclusivo esta entrevista quando o filme já estava seleccionado para o Fantasporto.
O filme vai ser exibido esta noite e é um dos favoritos do Antestreia. Amanhã será seguramente tema de conversa entre os espectadores.
Antestreia: Quando fez este trabalho que filmes tinha em mente?
Watkins: Bob Dylan dizia que somos o que comemos. Por isso cada filme que alguma vez consumi acaba por sair novamente. Não estou certo... Acho que as referências devem ser mais subconscientes do que inconscientes. Assim sendo os filmes dos anos 70, especialmente do início dos anos 70, títulos como "Deliverance", "Straw Dogs" estavam na minha mente pela forma nauseante como utilizavam o horror e a violência.
Esses filmes transmitem uma certa moral e conforto, talvez por saírem na fase pós-Vietname, Watergate, todas essas situações. Não sei como será em Portugal, mas em Inglaterra essa situação repete-se. Com a crise no crédito, a mudança de milénio, são tempos conturbados. Temos um sentimento generalizado de medo da juventude. Pode não ser justificado, mas está lá e merece ser explorado.
A: Na sua opinião valerá a pena justificar o comportamento do vilão, ou será melhor não ter nenhum motivo ou que o espectador não o saiba?
W: Não quis fazer um filme onde seis miúdos perturbados começassem a matar. Tentei encadear os acontecimentos. Mas era um só miúdo a liderar um gang, os restantes podem ver que estão assustados, são cobardes e incapazes de se oporem. Tentei também mostrar que o miúdo mais violento era também o mais brutalizado. Joguei com a ideia da violência como consequência.
A: Temos vindo a assistir a muitos filmes onde o criminoso é um jovem, mas o seu filme é dos que mais explicita a violência. Alguma vez pensou até onde poderia ir? Quais os limites do tema?
W: A minha prioridade ao falar da violência passa por mostrar as consequências. Pela minha experiência digo que é um tema desagradável, sujo, perturbador e não-resolvido, de maneira alguma queria dar glamour à violência.
Em relação aos jovens em particular há dois tabus a que o filme se refere. Um é a violência cometida por jovens, a outra é a violência contra jovens. São assuntos que não agradam às pessoas, não gostam que se fale disso. Por isso achei que seria interessante falar deles num contexto de género, num filme de terror, onde se pode explorar e representar a violência de forma realista.
A: Sente-se parte deste movimento recente do cinema de terror britânico liderado por Neil Marshall? Quem serão os futuros nomes dessa geração que nos está a trazer belíssimos filmes de terror?
W: Conheço um pouco o Neil. Trabalhei com o Jon Harris em "Eden Lake" que, como devem saber, é o realizador de "The Descent 2" e também trabalhei um bocado no argumento desse filme. Por isso sim, no meu ponto de vista há uma relação entre nós, suponho que sejamos um grupo à parte no cinema britânico o que é excelente. O Neil faz filmes muito distintos, adoro os filmes dele mas são diferentes.
J: Também em França surgiu simultaneamente uma nova geração de cineastas como Pascal Laugiers (“Martyrs”). Há pontos em comum entre as duas cinematografias, não são como o cinema de terror tradicional, são quase um sub-género com violência mais física do que psicológica, com tortura intensa como em "Frontiére(s) ou "Haute Tension". Que referências comuns os inspiram? São os clássicos dos anos 70?
W: Ainda não vi "Martyrs" pelo que não posso comentar o filme. Não tenho a certeza de concordar com isso, a violência tem de ser psicológica, não apenas física. Por exemplo a cena mais violenta do meu filme, a cena de tortura, é sobre o líder de um gang que impõe a sua autoridade sobre os restantes e leva-os a um ponto sem retorno, é essa perda da inocência de uma criança no seio de um gang. Não me interessa a violência pura, "Eden Lake" é muito diferente de "Hostel". Penso que tem razão ao traçar paralelismos entre esses filmes e os dos 70. Muitos cineastas olham para esses filmes como filmes onde os autores tinham poder e conseguiam combinar simultaneamente o desenrolar de uma história apelativa com a sua perspectiva pessoal.
J: O desfecho da história foi uma forma de mostrar o contexto social onde cresceram os jovens?
A: Nos últimos meses/anos um programa televisivo inglês tem mostrado filhos de famílias inglesas que são uns autênticos delinquentes e serial killers em potência Que tipo de documentação do mundo real utilizou para criar as personagens?
W: Tem graça porque enquanto fazíamos a montagem do filme, viajava com a equipa de comboio até ao estúdio diariamente. Algumas pessoas diziam "isto é tão extremo! Nunca poderia acontecer!", então o Jon Harris e eu todos os dias levávamos um daqueles jornais gratuitos e havia sempre notícias macabras de alguém que tinha sido queimado, esfaqueado, foram basicamente as únicas referências que precisávamos. Não quis fazer um filme sobre a realidade social, queria fazer um filme de género. O que quis fazer foi inseri-lo na realidade para que as performances dos actores fossem credíveis. Este filme é de terror mas não é sobre monstros, lobisomens ou vampiros, é algo que cresceu assim, perto de nós e de que não podemos escapar.
A: O filme foi interpretado como do género de terror ou mais como crítica a um mau sistema educativo e pais negligentes?
W: Em Inglaterra felizmente foi muito bem recebido, como um filme assustador e intenso, mas também atraiu atenções para algumas destas questões. Espero que consiga causar tantos sustos como reflexões.
O filme vai ser exibido esta noite e é um dos favoritos do Antestreia. Amanhã será seguramente tema de conversa entre os espectadores.
Antestreia: Quando fez este trabalho que filmes tinha em mente?
Watkins: Bob Dylan dizia que somos o que comemos. Por isso cada filme que alguma vez consumi acaba por sair novamente. Não estou certo... Acho que as referências devem ser mais subconscientes do que inconscientes. Assim sendo os filmes dos anos 70, especialmente do início dos anos 70, títulos como "Deliverance", "Straw Dogs" estavam na minha mente pela forma nauseante como utilizavam o horror e a violência.
Esses filmes transmitem uma certa moral e conforto, talvez por saírem na fase pós-Vietname, Watergate, todas essas situações. Não sei como será em Portugal, mas em Inglaterra essa situação repete-se. Com a crise no crédito, a mudança de milénio, são tempos conturbados. Temos um sentimento generalizado de medo da juventude. Pode não ser justificado, mas está lá e merece ser explorado.
A: Na sua opinião valerá a pena justificar o comportamento do vilão, ou será melhor não ter nenhum motivo ou que o espectador não o saiba?
W: Não quis fazer um filme onde seis miúdos perturbados começassem a matar. Tentei encadear os acontecimentos. Mas era um só miúdo a liderar um gang, os restantes podem ver que estão assustados, são cobardes e incapazes de se oporem. Tentei também mostrar que o miúdo mais violento era também o mais brutalizado. Joguei com a ideia da violência como consequência.
A: Temos vindo a assistir a muitos filmes onde o criminoso é um jovem, mas o seu filme é dos que mais explicita a violência. Alguma vez pensou até onde poderia ir? Quais os limites do tema?
W: A minha prioridade ao falar da violência passa por mostrar as consequências. Pela minha experiência digo que é um tema desagradável, sujo, perturbador e não-resolvido, de maneira alguma queria dar glamour à violência.
Em relação aos jovens em particular há dois tabus a que o filme se refere. Um é a violência cometida por jovens, a outra é a violência contra jovens. São assuntos que não agradam às pessoas, não gostam que se fale disso. Por isso achei que seria interessante falar deles num contexto de género, num filme de terror, onde se pode explorar e representar a violência de forma realista.
A: Sente-se parte deste movimento recente do cinema de terror britânico liderado por Neil Marshall? Quem serão os futuros nomes dessa geração que nos está a trazer belíssimos filmes de terror?
W: Conheço um pouco o Neil. Trabalhei com o Jon Harris em "Eden Lake" que, como devem saber, é o realizador de "The Descent 2" e também trabalhei um bocado no argumento desse filme. Por isso sim, no meu ponto de vista há uma relação entre nós, suponho que sejamos um grupo à parte no cinema britânico o que é excelente. O Neil faz filmes muito distintos, adoro os filmes dele mas são diferentes.
J: Também em França surgiu simultaneamente uma nova geração de cineastas como Pascal Laugiers (“Martyrs”). Há pontos em comum entre as duas cinematografias, não são como o cinema de terror tradicional, são quase um sub-género com violência mais física do que psicológica, com tortura intensa como em "Frontiére(s) ou "Haute Tension". Que referências comuns os inspiram? São os clássicos dos anos 70?
W: Ainda não vi "Martyrs" pelo que não posso comentar o filme. Não tenho a certeza de concordar com isso, a violência tem de ser psicológica, não apenas física. Por exemplo a cena mais violenta do meu filme, a cena de tortura, é sobre o líder de um gang que impõe a sua autoridade sobre os restantes e leva-os a um ponto sem retorno, é essa perda da inocência de uma criança no seio de um gang. Não me interessa a violência pura, "Eden Lake" é muito diferente de "Hostel". Penso que tem razão ao traçar paralelismos entre esses filmes e os dos 70. Muitos cineastas olham para esses filmes como filmes onde os autores tinham poder e conseguiam combinar simultaneamente o desenrolar de uma história apelativa com a sua perspectiva pessoal.
J: O desfecho da história foi uma forma de mostrar o contexto social onde cresceram os jovens?
A: Nos últimos meses/anos um programa televisivo inglês tem mostrado filhos de famílias inglesas que são uns autênticos delinquentes e serial killers em potência Que tipo de documentação do mundo real utilizou para criar as personagens?
W: Tem graça porque enquanto fazíamos a montagem do filme, viajava com a equipa de comboio até ao estúdio diariamente. Algumas pessoas diziam "isto é tão extremo! Nunca poderia acontecer!", então o Jon Harris e eu todos os dias levávamos um daqueles jornais gratuitos e havia sempre notícias macabras de alguém que tinha sido queimado, esfaqueado, foram basicamente as únicas referências que precisávamos. Não quis fazer um filme sobre a realidade social, queria fazer um filme de género. O que quis fazer foi inseri-lo na realidade para que as performances dos actores fossem credíveis. Este filme é de terror mas não é sobre monstros, lobisomens ou vampiros, é algo que cresceu assim, perto de nós e de que não podemos escapar.
A: O filme foi interpretado como do género de terror ou mais como crítica a um mau sistema educativo e pais negligentes?
W: Em Inglaterra felizmente foi muito bem recebido, como um filme assustador e intenso, mas também atraiu atenções para algumas destas questões. Espero que consiga causar tantos sustos como reflexões.
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