Haver quatro filmes portugueses em exibição simultânea seria um motivo para comemorar, não fossem eles de qualidade duvidosa. Após anos de quase total dependência estatal na produção cinematográfica e de critérios de selecção onde o factor "qualidade" e "de autor" pareciam ser dominantes, chegou o tempo de tentar um cinema mais comercial. Se no primeiro caso se registou um divórcio entre público e cinema nacional, nesta nova vaga os resultados estão longe de ser animadores. Na história mais recente do cinema português nunca mais de um filme por ano, e não em todos os anos, conseguiu atingir números de espectadores minimamente aceitáveis, em torno dos 150, 200 mil. Aconteceu com "O Lugar do Morto", com "Jaime" e mais recentemente com "O Crime do Padre Amaro" (317 mil), "Filme da Treta" (278) e "Corrupção" (228). Este ano o recordista de bilheteira terá sido "Amália" (por enquanto com 194 mil). De notar que a cota de mercado do cinema português ronda invariavelmente 1,5 a 2%.
Os quatro filmes actualmente em exibição são o citado "Amália", "Veneno Cura" e a dupla NBP "Contrato" e "Second Life". Num mercado tão concorrencial e com tão poucas salas, ter quatro filmes até poderia levar a crer numa pujança inusitada do nosso cinema, não fosse o efeito de canibalização que estão a causar-se. E por isso aquilo que poderia ser motivo de satisfação será mais motivo de reflexão.
O caso "Amália" é o exemplo de um cinema português folhetinesco, televisivo e que procura a adesão fácil do público pelas piores razões. Pegar no mito Amália e tentar dar-lhe uma visão refrescante sem pôr em causa os clichés é tarefa impossível. Os espectadores têm-se sentido desiludidos. Os mais velhos porque não se revêm nesta história e os mais novos porque estão-se nas tintas para Amália.
"Veneno Cura" é um caso anómalo de cinema independente e de autora. Depois de ter realizado "Rasganço", uma belíssima primeira longa, Raquel não resistiu à atracção do abismo que é fazer um cinema para um nicho de público intelectual.
Falta apenas abordar o boom Nicolau Breyner. Poderá haver quem o ache bom actor, a começar por ele próprio. Poderá haver quem acredite que é realizador, o que é duvidoso, ou produtor que neste caso até é verdade. Quem têm em comum estes dois filmes com "O Crime" e "Corrupção"? A convicção verdadeira de que o melhor do cinema português são as actrizes, sobretudo quando a produção apresenta dificuldades financeiras para o guarda-roupa. Quem se importa que o "argumento" de "Corrupção" seja um atraso de vida narrativo? A quem interessa que "O Crime" além do título nada deva ao Eça? Que importa que o "Contrato" parta de uma novela já fora do tempo do grande Diniz Machado e que o guião, que conta com a colaboração do nosso amigo Pedro Bandeira Freire (de quem sentimos saudades pela ausência), tenha diálogos miseráveis? Ou que "Second Life" use o truque barato de um nome apelativo das redes sociais para tentar enganar os incautos? O que importa é que neles apareça o melhor de Portugal, ainda que melhorado com algum silicone.
Vivam pois Soraia Chaves, Cláudia Vieira, Liliana Santos, pelos momentos de prazer que proporcionam aos espectadores. Bom seria que Nicolau Breyner e sus muchachos pensassem num filme que as juntasse todas, num argumento vagamente inspirado no canto nono d’"Os Lusíadas". Talvez assim o cinema português chegasse aos 500 000 espectadores e atingisse um novo recorde.
António Reis
Os quatro filmes actualmente em exibição são o citado "Amália", "Veneno Cura" e a dupla NBP "Contrato" e "Second Life". Num mercado tão concorrencial e com tão poucas salas, ter quatro filmes até poderia levar a crer numa pujança inusitada do nosso cinema, não fosse o efeito de canibalização que estão a causar-se. E por isso aquilo que poderia ser motivo de satisfação será mais motivo de reflexão.
O caso "Amália" é o exemplo de um cinema português folhetinesco, televisivo e que procura a adesão fácil do público pelas piores razões. Pegar no mito Amália e tentar dar-lhe uma visão refrescante sem pôr em causa os clichés é tarefa impossível. Os espectadores têm-se sentido desiludidos. Os mais velhos porque não se revêm nesta história e os mais novos porque estão-se nas tintas para Amália.
"Veneno Cura" é um caso anómalo de cinema independente e de autora. Depois de ter realizado "Rasganço", uma belíssima primeira longa, Raquel não resistiu à atracção do abismo que é fazer um cinema para um nicho de público intelectual.
Falta apenas abordar o boom Nicolau Breyner. Poderá haver quem o ache bom actor, a começar por ele próprio. Poderá haver quem acredite que é realizador, o que é duvidoso, ou produtor que neste caso até é verdade. Quem têm em comum estes dois filmes com "O Crime" e "Corrupção"? A convicção verdadeira de que o melhor do cinema português são as actrizes, sobretudo quando a produção apresenta dificuldades financeiras para o guarda-roupa. Quem se importa que o "argumento" de "Corrupção" seja um atraso de vida narrativo? A quem interessa que "O Crime" além do título nada deva ao Eça? Que importa que o "Contrato" parta de uma novela já fora do tempo do grande Diniz Machado e que o guião, que conta com a colaboração do nosso amigo Pedro Bandeira Freire (de quem sentimos saudades pela ausência), tenha diálogos miseráveis? Ou que "Second Life" use o truque barato de um nome apelativo das redes sociais para tentar enganar os incautos? O que importa é que neles apareça o melhor de Portugal, ainda que melhorado com algum silicone.
Vivam pois Soraia Chaves, Cláudia Vieira, Liliana Santos, pelos momentos de prazer que proporcionam aos espectadores. Bom seria que Nicolau Breyner e sus muchachos pensassem num filme que as juntasse todas, num argumento vagamente inspirado no canto nono d’"Os Lusíadas". Talvez assim o cinema português chegasse aos 500 000 espectadores e atingisse um novo recorde.
António Reis
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