1 de janeiro de 2008

"Charlie Wilson's War" por António Reis


Jogos de poder

Os democratas preparam as presidenciais de 2008 e o cinema é a mais eficaz arma de propaganda anti-Bush e anti-republicano. Não admira que o ano que terminou tenha sido fértil em filmes mais ou menos de ficção política. Podíamos lembrar "The Kingdom", "Bobby", "Man of the Year" ou "Lions for Lambs". "Jogos de Poder" parte de uma história verídica e o genérico inicial evidencia que a realidade foi a inspiração para este biopic de Charlie Wilson, um american self made man.
Aos quinze anos Charlie descobriu que era possível vingar-se dos seus inimigos servindo-se da ingenuidade dos eleitores (transportou negros habitualmente abstencionistas, no seu próprio carro, para derrotar o vizinho que lhe tinha morto o cão). Dessde essa altura as virtudes da democracia americana estão à vista. Qualquer político esperto, expedito, pouco honesto e glamouroso consegue uma brilhante carreira no congresso. Charlie Wilson é um desses homens. Dotado de um charme irresistível para as mulheres, bon vivant, respeitador dos valores religiosos e da moral em público, incapaz de dizer que não a uma cunha, está no momento certo no lugar certo. Na comissão de defesa do congresso passam por ele os fundos secretos de apoio às actividades de guerra suja da CIA. No Afeganistão o regime fantoche de Najibullah, pró-soviético, está em luta contra uns maltrapilhos que se reclamam de mujahidines. Sofisticados helicópteros dizimam populações civis e obrigam ao êxodo de milhões. No Paquistão o regime de Zia está preocupado. Charlie Wilson inspirado na alcova por Joanne (Julia Roberts), uma rica, influente e muito bem informada mulher do jet set de Houston, Charlie, torna-se o cruzado americano contra os ateus comunistas. Em cinco anos os fundos para a guerrilha tornam-se inesgotáveis, os mísseis stinger abatem aviões e helis soviéticos a um ritmo crescente, e a América, por via dos talibãs, faz do Afeganistão o Vietname da URSS. Charlie Wilson fez e ganhou a sua guerra e agora é agraciado com a medalha de bons serviços. Mas como Alá parece maior que a América, criou um monstro. E os anos que se seguiram demonstraram que entre Brezhnev e Bin Laden venha o diabo e escolha.
Um filme marcadamente político e actuante, absolutamente cínico, com um humor por vezes excessivo e caricatural, mas que retrata os bastidores da política de una forma nua e crua. Um bom exemplo para passar aos alunos de ciência política e que se recomenda aos mais idealistas para que percam todas as ilusões. Julia Roberts tem um papel maduro, mas mesmo assim muito sedutor, Tom Hanks está talvez em overacting e Philip Seymour Hoffman está igual a si próprio, cáustico e amoral. Na teia do poder onde tudo é um jogo já não há heróis e vilões, bons e maus, honestos e corruptos. Todos são perversos e interesseiros, o que é afinal a natureza humana. Um bom filme para estrear 2008.




Título Original: "Charlie Wilson's War" (EUA, 2007)
Realização: Mike Nichols
Argumento: Aaron Sorkin baseado no livro de George Crile
Intérpretes: Tom Hanks, Julia Roberts, Philip Seymour Hoofman, Amy Adams
Fotografia: Stephen Goldblatt
Música: James Newton Howard
Género: Biografia, Drama
Duração: 97 min.
Sítio Oficial: http://www.charliewilsonswar.net/

2 comentários:

Anónimo disse...

Muitos motivos mais importantes e recentes fizeram nascer o Bin Laden de 2001. Já agora porque não considerar a invasão Soviética do Afeganistão como a causa de Bin Laden?

Anónimo disse...

Tem toda a razão, mas o filme reporta-se aos anos 80. Gostaria que especificasse que outros motivos está a pensar. Mas se a invasão soviética despoletou um fundamentalismo nacionalista diga-me quem forneceu os mísseis, o dinheiro e o treino a esses primeiros talibãs. As verdadeiras razões podem ainda estar top secret, mas a América tem sido pródiga em apoiar crápulas corruptos e perigosos e depois querer eliminá-los. Por exemplo Noriega no Panamá e os anti-Sandinistas na Nicarágua. Além de mais Bin Laden é apenas um nome. Se estiver interessado agradeço-lhe que leia ou releia o texto sobre "The Kingdom", também uma visão sombria sobre a actual política americana.