23 de janeiro de 2008

"The Darjeeling Limited" por Ricardo Clara

O cinema de Wes Anderson pauta-se, em exemplos como "The Royal Tenenbaums" ou "The Life Aquatic with Steve Zissou", pela construção de cenários e linhas narrativas assentes no burlesco, dispensando uma especial atenção aos tempos no momento da realização.

Em "The Darjeeling Limited" observamos a reunião de três irmãos que durante um ano perderam contacto, altura em que em que se juntaram para chorar a morte do pai. Francis (Owen Wilson), coberto de ligaduras e curativos, em virtude de um acidente (propositado) de mota, é o dinamizador de uma viagem pela Índia, num comboio, o Darjeeling Limited. Com ele vai Peter (Adrien Brody), atormentado por um casamento na altura em que sabe que vai ser pai; e Jack (Jason Schwartzman), viciado em ouvir, em puro voyeurismo, as mensagens do atendedor da ex-namorada.

Os propósitos da viagem, simples: o primeiro, descoberto logo no início, uma união espiritual dos irmãos. Uma jornada que os ligará pelo mais alvo fio da fraternidade. Para tal, contam com a ajuda de Brendan (Wallace Wolodarsky), braço direito de Francis, que se instalou numa carruagem junto aos trabalhadores do comboio, munido de um computador, de uma impressora e, inclusive, uma máquina de plastificar, para fazer os cartões com o roteiro diário. Com eles viaja uma pilha de malas Louis Vuitton, um misto de acessório e de personagem.

O roteiro será, simplesmente, visitar os principais templos e lugares de culto indianos, com o objectivo de reforçar os ditos laços. Mas Francis havia programado um propósito ainda maior: reencontrar a mãe Patricia (Angelica Huston), agora uma freira numa ordem religiosa indiana.

Todo o comportamento dos três irmãos é escalpelizado ao longo do filme: Francis é um obssessivo compulsivo, que decide o que todos fazem, desde a viagem, até às refeições. Peter também padece do mesmo mal, mas com os pertences do falecido pai: usa os seus óculos de sol (graduados), entre inúmeros outros objectos, e fala constantemente dele. Jack, para não ficar atrás, aponta a sua obsessão para a sua ex-namorada e para as mulheres - não fosse, aliás, envolver-se com Rita (Amara Karan), uma estranha empregada indiana que fala num fluentíssimo inglês e que luta com a sua vontade de sair do país. A sua obessão será, aliás, uma fuga.

Do encontro com a mãe ao processo de salvamento e morte de uma criança num rio indiano, que culmina com a participação nas exéquias fúnebres, os irmãos multiplicam-se em catarses e lembranças passadas.

É, aliás, o único ponto onde o fio narrativo ganha expressão. Até porque "The Darjeeling Limited" é um argumento perdido em corpo de filme. Não tenhamos ilusões: Wes Anderson filma, actualmente, como poucos. A ligação entre o ambiente indiano, uma mistura quente de cores e de locais exóticos, onde a natureza assume papel preponderante enquanto personagem e os três irmãos (num casting feliz), aliado uma realização assente em respirações é irrepreensível. Mas enquanto vamos assistindo a um desfilar de planos e cenas luxuosamente abordadas, Anderson não faz a interpretação correcta do conceito narrativo e perde-se (tal como nos perdemos e distanciamos) em situações de burlesco que não se reforçam (por independentes) umas às outras. Por outro lado, o realizador opta por ignorar a criação de música de raiz e investe (com muito sucesso) pelas bandas sonoras do imperador do cinema indiano, Satyajit Ray.

Temos passagens de enorme mistério. Quando o homem de negócios (ou, como nos créditos, the businessman) perde o comboio, perderá Bill Murray o contacto com o cinema de Anderson? Quando os irmãos desistem e largam as malas Louis Vuitton, cortam com o passado. Com que passado corta o realizador? Quando Patricia fecha a porta do quarto dos filhos, anuncia às escuras: to be continued (continua). Com que futuro conta Wes Anderson? É um filme de questões e sem respostas, de procura, de obsessões e de cortes com o passado. Mas que raramente se definem convenientemente e isso ressalta do próprio argumento, errático e inconstante.

Previamente ao filme, vemos uma curta-metragem, "Hotel Chevalier" de seu nome onde Francis se encontra com uma das suas paixões (papel interpretado por Natalie Portman). A opção da realização é a de criar perguntas que só se respondem no filme. Surgirá algo para unir as (muitas) pontas que ficam soltas? Rumos seriamente duvidosos e que continuam a adensar o cinema de Anderson.





Título Original: "The Darjeeling Limited" (EUA, 2007)
Realização: Wes Anderson
Argumento: Wes Anderson, Roman Coppola e Jason Schwartzman
Intérpretes: Owen Wilson, Adrien Brody e Jason Schwartzman
Fotografia: Robert D. Yeoman
Género: Comédia / Drama
Duração: 90 min.
Sítio Oficial: http://www.foxsearchlight.com/thedarjeelinglimited

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