TRON Legacy - O filme de uma vida
Quando nasci o primeiro filme já existia, mas ainda não tinha chegado a Portugal. Saltando para o ano de 1995 tive o meu primeiro computador, mas não tinha forma de entrar por muito que o programasse. Os anos passaram e cada vez dominava melhor a máquina. Inspirado por filmes como "TRON" e "War Games" acabei por me dedicar ao estudo das ciências dos computadores, onde a cadeira extra-curricular mais estudada era um jogo chamado ArmageTRON. Consistia em conduzir motas com nome de programas. Qualquer colisão entre motas e as paredes que elas deixavam atrás significava o fim do programa. Vinte anos depois o amor por TRON nunca esmoreceu na comunidade retratada.
2010 chegou e com ele veio um novo TRON. Chamavam-lhe Legado, mas era muito mais. Era o momento pelo qual milhões (vá, pelo menos uns largos milhares) esperaram todas as suas vidas. Um filme que, mais do que agradar a jovens em busca de entretenimento, pretendia satisfazer o desejo de pessoas com trinta, quase quarenta anos, de rever o ponto no tempo em que a tecnologia conquistou o cinema.
TRON. Como começou?
Metade das pessoas que querem ver o filme não viram o original. A maioria das que o vão ver não fazem ideia do que tratava. Não é preciso saber, mas ajuda a compreender o fenómeno.
Kevin Flynn era um jovem informático cheio de ideias e boa vontade. Quando quer provar que Dillinger lhe roubou jogos, vai invadir a Encom de onde foi despedido. Para isso tem a ajuda da sua ex-namorada Lora e do namorado dela e seu grande amigo Alan. Só que o Programa de Controlo instalado por Dillinger não se deixa derrotar por um utilizador e, usando o projecto de Lora de transporte de partículas, captura Flynn puxando-o para dentro do computador. Lá vai descobrir programas que são a cara chapada dos seus criadores. O sentimento anti-utilizador é grande e Flynn, ajudado por TRON (de Alan) e por RAM vai sobreviver a desafios de gladiadores numa tentativa de derrotar o Master Control no seu próprio jogo e colocar TRON no domínio do sistema.
A transição - vinte e oito anos de espera
Em que época foi isso? Falando em termos de cinema foi lançado no mesmo mês de "Blade Runner", mas chegou a Portugal dois meses antes. Enquanto no clássico de Ridley Scott o grande Douglas Trumbull colocou fibra óptica dentro de miniaturas para criar aqueles edifícios, no filme de Steven Lisberger, um homem da animação, a ferramenta foi o computador auxiliado por animadores.
As corridas de motos de luz tornaram-se parte da cultura popular e o ideal de jogo numa época em que Pong, Snake e mesmo Asteroids iam ser trocados pelo Pac-Man nas arcadas. Na última década os jogos evoluiram de forma inimaginável. Com todos os dispositivos que permitem entrar no jogo, pouco falta para algo semelhante a "TRON" ser possível. Para não colocar as minhas capacidades profissionais em dúvida devo especificar que me refiro a mundos virtuais 3D e interacção com programas inteligentes,não falo de colocar uma pessoa dentro de um computador (apesar de isso também ser possível).
O legado - sinopse
O filme tem um início muito parecido com o original. Sam Flynn, tal como o pai, invade a Encom para sabotar a campanha de lançamento de um novo sistema operativo, supostamente o melhor, mais caro e seguro do mundo. Por sugestão de Alan vai ao salão de jogos do pai onde, ao som dos anos 80, descobre uma sala secreta. Lá é puxado para dentro do computador onde terá de enfrentar uma série de jogos - luta de discos, corridas de motos, o habitual - para sobreviver. O seu objectivo inicial era derrotar o programa de controlo (papel assumido por CLU2) e escapar daquele mundo, mas ao descobrir que o pai está vivo as prioridades mudam.
O legado - Visto por um cinéfilo
"TRON" é parte da história do cinema. Perdoem-me a comparação, mas o que senti a ver o espectáculo visual de "TRON Legacy" foi parecido com o que senti ao ver os efeitos especiais de Blade Runner e ouvir Daft Punk é como ouvir Vangelis. A relação de Sam com CLU só me faz lembrar Luke Skywalker vs. Darth Vader (adorei o "I'm not your father Sam") e a tentativa de uso do bastão como sabre de luz é uma justa homenagem ao clássico das estrelas. E obviamente, todas as cenas com veículos voadores, sejam X-wings ou cargueiros, fazem lembrar as naves dessa mesma saga.
É um filme que sabe exactamente onde se encaixar como homenagem ao período dourado dos anos 80. Fica entre a ficção-científica e o épico do futuro com uns toques a musical (grande coreografia na muda de roupa). Finalmente, usa private jokes discretas e estrategicamente colocadas que passam despercebidas ao espectador comum e agradam ao informático. Imagino que já todos sabem qual é the only winning move.
Se o rejuvenescimento de Bridges para fazer de CLU tem um aspecto artificial, convém não esquecer que é um programa do final dos anos 80, ser artificial está-lhe no código fonte. Tudo o resto a nível visual é de ficar sem palavras.
A performance dos actores cumpre todas as expectativas e a coincidência de "The Dude" ser o Criador daquele universo é uma doce ironia. Bridges é Lebowski mesmo que não queira, mas aqui era isso que se procurava. Garrett Hedlund dá o grande salto na carreira. Na pior das hipóteses ficará preso à personagem como Mark Hamill ficou, mas até isso lhe garante um lugar na História. Olivia Wilde foi o casting perfeito para fazer de mulher perfeita. Só é pena que não tenha mais cenas. Finalmente destacaria o grande Michael Sheen que é já para mim o actor secundário do ano por ser um autêntico camaleão. Aqui interpreta Castor para quem o termo louco não é suficiente. Está tão desenquadrado do resto do filme que se torna o melhor.
O legado - visto por um informático
Há enormes diferenças entre o primeiro e o segundo filme, não só a nível tecnológico. Há trinta anos Kevin, Lora e Alan eram jovens embuídos do espírito hacker. Isso significa que confiavam uns nos outros, confiavam nos seus programas, desafiavam a autoridade dominante e lutavam pelo que era correcto e pelo código aberto. E "TRON" convenceu essa gente porque apesar de ser muito metafórico era convincente. Como diz Walter a certa altura "our spirit remains in every program we designed".
Sam pertence a outra geração, já trabalha sozinho, nem sequer tem um programa seu, e continua a desafiar a autoridade e a promover o software gratuito. Tal como o pai fica maravilhado com uma simples porta, mas nunca com o sistema. Enquanto a Encom inicial enriquecia à custa de novos jogos, a nova Encom vende sistemas operativos remaquilhados a cada dois anos. Dentro do sistema a imagem passou do 3D em linhas básicas para a perfeição que sabemos ser possível.
E como apogeu deste universo artificial, a vida gerou-se espontaneamente. Surgiram os algoritmos isomórficos de alguma "sopa primitiva" de código perdido. Para a Informática seria a maior descoberta desde as máquinas de Turing, o semi-culminar desta ciência como para a Física existe o movimento perpétuo e para a Medicina a cura do cancro. A derradeira descoberta, equivalente à compreensão absoluta do universo e à imortalidade, seria acabar com aquele bug gigantesco que fica entre a cadeira e o teclado e arruina os programas.
Os ISOs como são chamados, são algo inteligente para referir. Fogem à banalidade dos 2.0 e outros apêndices que os argumentistas normalmente colam quando querem parecer tecnológicos. No entanto mantêm a informação compreensível para os milhões que vão ver sem querer saber disso em detalhe.
O que vem a seguir pode ser difícil de ouvir, mas Sam somos nós. Quantos dos chamados utilizadores de hoje em dia se podem gabar de terem um programa inteiramente seu a correr numa máquina? E se o têm quantos lhe confiariam a vida? Quando no primeiro filme os programas se referem aos utilizadores como entidades mitológicas criadoras da sua existência faz sentido. No segundo já sabem que os utilizadores existem, e que eles os criaram, mas na realidade quem está diante deles não é o seu criador, é um utilizador igual aos demais, e por isso é que lhes perdem o respeito. A geração nascida depois de TRON tem toda a tecnologia ao seu dispor, mas não sabe o que fazer com ela. Os programas sabem que os utilizadores são substituíveis, até os programadores são. E Sam usa os programas dos outros porque o computador deixou de ser pessoal e se tornou global.
Conclusão
Este foi o filme porque esperei toda a minha vida. Consegui vê-lo em 3D com a sala vazia, som e imagem em condições. Esperava ser arrebatado e foi o que aconteceu. Queria fazer parte daquele mundo, como utilizador ou programa, isso não importa. Repetiram as frases certas do primeiro e melhoraram os gráficos para o infinito. A história é linear, mas nunca monótona e apesar de durar duas horas dá vontade de ver várias vezes seguidas. Pode não ser uma obra-prima e possivelmente as sequelas anunciadas vão vulgarizar o mito, mas volta a marcar uma posição na história do Cinema e farei todos os possíveis para não o esquecer. E vou sorrir sempre que veja a Encom a escrever numa shell Unix.
Não posso dar as 5 estrelas, nem menos do que isso. Por isso simplesmente não há estrelas.
Título Original: "TRON: Legacy" (EUA, 2010) Realização: Joseph Kosinski Argumento: Edward Kitsis, Adam Horowitz, Brian Klugman, Lee Sternthal (baseados no filme de Steven Lisberger e Bonnie MacBird) Intérpretes: Jeff Bridges, Garrett Hedlund, Olivia Wilde, Bruce Boxleitner, Beau Garrett, Michael Sheen Música: Daft Punk Fotografia: Claudio Miranda Género: Acção, Aventura, Ficção-Científica, Thriller Duração: 125 min. Sítio Oficial: http://disney.go.com/tron/ |
4 comentários:
Já vi que gostaste bastante... eu cá achei muito pouco, pouquíssimo. Queria e era obrigatório este filme ter muito mais...
A ultima parte do filme após a cena a "lá Matrix no bar" com o estupendo Castor, o filme cai completamente... O final é muito mau. No meio dos Bits e Bytes o sol não nasce pá!
E se o maior desafio tecnológico do filme era o CLU eu acho que eles falharam redondamente já que a personagem é muito fraquita em emoções faciais neste aspecto é uma ausência total que até dá dó.. Mesmo caso para perguntar se eles não viram às caras Avatarianas do ano passado ???
Era o filme que eu mais queria ver e não me desiludiu. Pode não ter um argumento brilhante, mas o resto é bom.
Quanto ao CLU referi que tem o ar artificial por ser dos anos 80. Até isso tentei justificar.
Estou curioso para saber quantas pessoas vão ler o texto todo...
Neste ano também era o filme que mais queria ver, alias o primeiro teaser trailer quando saiu foi no final de 2009 se não estou em erro... muito tempo há espera!
O argumento chega e sobra, acontece é que na parte técnica o melhor apareceu logo na primeira parte (a cena das motos é brutal), e depois da cena do bar já não existe nada de interessante até ao final do filme.
É a minha opinião e talvez quando rever o filme em casa uma segunda vez talvez o ache melhor :)
Nuno o ar artificial do Clu não se explica então e os restantes programas... se bem que o Tron vinha sempre de capacete enfiado :)
Gostei do blog. Parabéns!
Apareça na minha revista eletrônica brasileira de cinema:
www.ofalcaomaltes.blogspot.com
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