15 de janeiro de 2011

"Unstoppable" por Nuno Reis

Para mover um comboio é preciso a locomotiva estar afinada e atestada, que por sua vez precisa de um condutor lá dentro (hoje em dia pode ser remotamente) e de linhas montadas à frente. O que costuma ser esquecido é todo o movimento de bastidores. As pessoas que coordenam o tráfego nas linhas, ajustam horários, alertam passagens de nível, transportam carruagens vazias para se ajustarem às necessidades de carga, mudam máquinas e carruagens entre linhas, todo o pessoal de manutenção...
Nas linhas as agulhas, dentro da locomotiva imensos mecanismos de controlo e diversos travões de segurança. Nada é tão simples como parece e o mundo ferroviário é muito maior e complexo do que se imagina.

Dois homens estavam a transportar um carregamento de zinco entre dois pontos. De repente são avisados que um comboio desgovernado vai na sua direcção. A sua prioridade é abrigarem-se. Depois disso vão partir numa viagem suicida atrás do comboio que a companhia ferroviária, a polícia e o exército estão a tentar alcançar, parar ou descarrilar. Se as medidas previstas não detiverem o comboio, eles podem muito bem ser a última esperança da cidade de Stanton. Desenganem-se do que este filme parece ser no trailer, as crianças não estão em risco mais do que dez minutos. O alvo do comboio é uma cidade de quase um milhão de pessoas que tem gigantescos depósitos de combustível numa curva onde um comboio a mais de 30km/h descarrila. E ele está acima dos 120km/h!

Estes homens partem numa missão suicida não por serem pagos para isso - pelo contrário, são ameaçados com despedimento se o fizerem - mas porque é a coisa certa a fazer. Podemos tentar minimizar o feito. Will de momento não tem razões para viver, pretende causar remorsos na mulher? Se Frank com o salário não consegue ajudar as filhas financeiramente, a morte trará algum prémio de seguro? Mas isso são meros esboços de justificações para o injustificável. São dois homens que estavam no local errado à hora errada, sentiram a morte, saborearam a adrenalina e souberam que tinham de fazer algo. Não para salvar a reputação de um empresa (neste caso não lhes diz nada), mas por amor à cidade.
Os nossos leitores talvez se tenham deparado com uma situação do género na vida profissional. O "comboio" está descontrolado, milhares de pessoas em risco e adivinham-se milhões de prejuízo. Os administradores no campo de golfe pensam em poupar, os homens no terreno sabem o que tem de ser feito por instinto adquirido ao longo de muitos anos. Podem respeitar a cadeia de comando, perder tempo, desperdiçar a oportunidade e destruir o trabalho de décadas, ou podem seguir esse instinto, confiar apenas no colega do lado e fazer o que está correcto. Dedicação, experiência, confiança. Este filme é sobre isso.

Talvez por ser inspirado em factos reais o retrato das personagens seja tão verossímil. Will (Chris Pine) chega com uma aura de mistério. Alguns boatos espalhados sobre ele dão-nos uma ideia mais ou menos vaga de que pode ser, ou podem ser todos invenção de uma multidão revoltada com a economia e que o vêem como bode expiatório dos seus males. Frank (Denzel Washington) com quase trinta anos nos comboios não parece tão misterioso, mas tem uma surpresa reservada. Ned (Lew Temple) é a excepção. É tão louco que não pode ser real. Quando a chefe de serviço (Rosario Dawson) lhe pede que desvie um comboio em movimento lento para uma linha secundária o soldador fá-lo com gosto. Quando descobre que o comboio está em aceleração e já lhe escapou, vai persegui-lo de carro. É uma questão de brio profissional.
Bravo pelas personagens. Parecem meros estereótipos, mas com o desenrolar do filme ganham individualismo e simpatia.

Uma terrível sequência de azares despoletou a catástrofe. Um grupo de homens com a filosofia "I'm just doing my job" vai fazer os impossíveis para a evitar. O filme no seu todo é convincente. Tem mais carros destruídos do que era necessário, mas consegue fugir ao mainstream nas pequenas coisas. A realização de Scott atinge o efeito pretendido e o filme acaba por ser uma muito agradável viagem ao incrível mundo escondido dos comboios, disfarçado de filme para as massas. Andar de comboio vai saber melhor depois disto.

UnstoppableTítulo Original: "Unstoppable" (EUA, 2010)
Realização: Tony Scott
Argumento: Mark Bomback
Intérpretes: Denzel Washington, Chris Pine, Rosario Dawson, Lew Temple, Ethan Suplee
Música: Harry Gregson-Williams
Fotografia: Ben Seresin
Género: Acção, Drama, Thriller
Duração: 98 min.
Sítio Oficial: http://www.unstoppablemovie.com/

3 comentários:

Gema disse...

Eu por norma mesmo sem saber do que se trata, se tem nomes de actores/actrizes que adoro, vejo.
Este como tem Denzel Washington para mim quer dizer que é sinónimo de que vai ser bom :P e atua critica confirma que não é mau ;)

Nuno disse...

Foi uma agradável surpresa.

Até ao fim do mês espero acabar as críticas relativas a filmes do ano passado e este era um dos melhores em falta.

DiogoF. disse...

Não vi o filme mas sou sincero quando digo que esta crítica é uma grande, grande surpresa. Só de ver ali "Tony Scott", ahah. Abraço.