25 de janeiro de 2009

"Vicky Cristina Barcelona" por Ricardo Clara

O abandono da sua Nova Iorque natal, fuga completada pelo atravessar do Atlântico, levou Woody Allen a tentar novas formas de abordar o seu cinema, procurando na Europa respostas para um enorme cepticismo que a sua obra sempre gerou na crítica norte-americana. Já sabemos, até de repetir exaustivamente, que a relação de Allen com a sua cidade gera uma carga tremenda nas suas obras.
Mas quando viaja para Londres e realiza o extraordinário "Match Point" (2005), ficamos com bastante certeza de que não temos um realizador preso a uma cidade. Só que, ainda que convincente, "Scoop" (2006) e muito menos "Cassandra's Dream" (2007) colocam pontos de interrogação no relação que Allen estabeleceu com o seu cinema. Daí, até partir para Barcelona, foi uma questão de oportunidade.

Oportunidade porque, e convém não escamotear isso, foi uma produtora espanhola, seguida por importantes telefonemas de Penélope Cruz e Javier Bardem a incentivar, que convence o realizador a escrever um argumento que se adaptasse à cidade. Allen opta por, introduzindo novos vectores, adaptar uma outra história por si escrita, para levar Scarlett Johansson e Rebecca Hall a visitar a estrondosa cidade espanhola. O resultado não tem o brilhantismo de outras obras. Talvez por estar cada vez mais afastado do seu habitat, temos um cinema menos conseguido naquela arte tão especial de personificar a cidade onde está a filmar, acrescentando-se ao elenco mais um personagem, com uma força carregadamente telúrica.

É porque, em "Vicky Cristina Barcelona", esta cidade que dá o nome ao título nunca consegue ser mostrada sem ser pelo ponto de vista do mero turista. Se Cristina (Johansson) é uma libertina artista em busca da sua vocação e de um amor que a complete, Vicky (Hall) é o seu oposto. Ambas decidem viajar para Barcelona, e hospedarem-se na casa de uns parentes desta última, ocupando os meses de Julho e Agosto nos estudos da língua catalã (etapa final da formação de Vicky) e na procura de um novo rumo da vida de Cristina, ela que foi mais uma vez enganada pelo amor.

Numa festa, como tantas outras, Cristina presta atenção a um homem de vermelho (cor que já encerra em si um prenúncio da narrativa), que vem a saber tratar-se de Juan Antonio (Javier Bardem), um pintor que muito brado deu meses antes, por ter sido notícia a sua tentativa de assassinar a mulher Maria Elena (Penélope Cruz), ou talvez ter sido alvo de uma tentativa de homicídio. Como bom boato que é, falta este pequeno pormenor à história.
E foi ao jantar que, por coincidência, a atenta americana se apercebe estar no mesmo restaurante que Juan Antonio. Este, por sua vez, encarnando a hiperbolização do macho latino que é, convida-as para um fim de semana em Oviedo. "Life is short. Life is dull. Life is full of pain. And this is the chance for something different".
Elas, claro está, sucumbem ao pedido. Numa atribulada viagem de avião, onde o pintor também é piloto (e esta viagem é novo prenúncio para o que mais à frente iriamos assistir), aterram naquela cidade espanhola. Se Vicky não está nada interessada no que este D. Juan tem para oferecer (até porque está noiva de Doug - um pastelão Chris Messina), Cristina deixa-se atrair para o quarto do catalão ("I'll go to your room, but you'll have to seduce me"), mas a sua úlcera (um dos anticlimax que povoam a fita) evitam a consumação da luxúria.

Tal evento leva Cristina para um repouso forçado, e atira Vicky, que conhece o lado mais sensível de Juan Antonio, para os seus braços, depois de um concerto de guitarra espanhola. Debalde, a recuperação da loira leva a que ela se mude para casa do artista, ficando a amiga presa à consumação de um casamento que não deseja (e que acaba por celebrar na cidade condal, com a (in)esperada vista de Doug) e refém de um amor que não pode alcançar.

Surge então na vida de Antonio e Cristina a ex-mulher do primeiro. Maria Elena, vítima de uma frustrada tentativa de suicídio, enceta um complexo menage com os dois companheiros de casa, ficando tutora da nova paixão de Johansson pela fotografia, e reavivando a melhor criatividade que Bardem exala. Seria, claro está, o princípio do fim.
Vicky e Cristina abandonam Barcelona como chegaram.

Manhattan faz falta a Woody Allen. Barcelona é-nos mostrada como qualquer um de nós a costuma ver quando tem a oportunidade de lá ir. Turista de máquina fotográfica na mão, visita o Parc Güell, a Sagrada Familia, a Casa Batlló, e todos as outras obras brilhantemente deixadas por Gaudi. Só que, com Allen, a cidade condal não pode ser (só) isso. Este não concretiza a paisagem urbana (que nos espanta com aquelas cores alaranjadas e amareladas) numa personagem definitiva. E este ponto, especialmente porque estamos a falar deste realizador, não sendo aproveitado como costuma ser, desilude.
Toda a mise en scene está conseguida como Allen sempre a desenha: completa, diálogos impecavelmente esculpidos, personagens pensadas e dirigidas ao promenor. Mas se Hall (tremenda) e Bardem levam nota positiva na interpretação, Johansson deixa a desejar, e começa a ser um corpo estranho nesta filmografia.
Já Penélope Cruz (nomeada para Óscar para Melhor Actriz Principal) é uma história à parte. Cruz diverte-se como há muito não se via, explosiva e mediterrânica, maniaco-depressiva e armada, corta a relação de Cristina e Juan Antonio a meias, aproveitando para si o que cada um deles tem para dar. Acrescenta novos elementos àquela relação, com o atractivo de introduzir deliciosos momentos como são os das discussões paternais em castelhano, à margem da compreensão da norte-americana (o que, curiosamente, leva a questionar onde raio é que se meteu o catalão, mote da viagem), e especialmente a cena do piquenique das montanhas, num travelling perfeito que acompanha uma atenciosa Cristina às bicicletas, e regressa com uma Cristina ultrapassada pela sedutora Maria Elena.

Aliás, a ex-mulher acaba por impregnar todo o desenrolar da narrativa, estando presente em todos os momentos desde a sua (tardia) aparição, de um simples criar de um quadro, até a um diálogo onde se banaliza, à volta da mesa (com um intenso campo contra-campo) o cair dos lábios de Johansson em Cruz.

É, claro está, uma obra muito competente de Allen. Leva demasiadas vezes a câmara para o folheto turístico - Nova Iorque está definitivamente a fazer falta ao realizador. Mas monta um peça de trato light e descomplexado, que não pode deixar de agradar. Uma palavra ainda para a narração de Christopher Evan Welch: perfeita.




Título Original: "Vicky Cristina Barcelona" (Espanha / EUA, 2008)
Realização: Woody Allen
Argumento: Woody Allen
Intérpretes: Rebecca Hall, Scarlett Johansson, Javier Bardem e Penélope Cruz
Fotografia: Javier Aguirresarobe
Música: n/d
Género: Comédia / Romance
Duração: 96 min.
Sítio Oficial: http://vickycristina-movie.com

4 comentários:

Gisele Santos - Redação MRC disse...

adorei esse blog formando opinião sobre os filmes!!!
vou acompanhar sempre!

RC disse...

Olá Gisele,

Obrigado pelo incentivo! Ficamos à espera de mais visitas e comentários!

Anónimo disse...

Pessoalmente acho que é um dos piores filmes do Allen da ultima decada. Perde-se demasiado no espaço e não consegue criar uma narrativa consistente. Nota-se que não se move com segurança por Barcelona ou Oviedo e dá demasiada voltas a uma relação que não convence desde o primeiro minuto.

Muitos furos abaixo das comédias do genero que foi fazendo en NY e que tinham muito mais glamour e engenho. E continua a provar-se de que por muito que tente, Scarlett Johansson teima em provar a cada filme que não melhora como actriz.

Um abraço

RC disse...

Não vou tão longe, Miguel, de o qualificar como um dos piores Allen da última década, mas concordo que há um enorme declínio na sua obra desde o abandono de NY.
E sim, Johansson também não me está a convencer...