O penúltimo acto do Antestreia em Braga foi entrevistar Colin Arthur. As perguntas previstas eram muitas, mas o tamanho das respostas e o rumo da conversa não permitiu que se completasse o plano. Para o ano há mais porque falar com ele mais do que uma honra, é um prazer.
Antestreia: Como foi a experiência de trabalhar com Kubrick?
Colin Arthur: Retrospectivamente diria que foi um privilégio. Na altura era muito novo, um jovem a trabalhar com o Stuart Freeborn, a aprender, mas ao mesmo tempo a dar ao departamento do SF o que precisavam para corresponder às ideias de Stanley. Ele não era capaz de descrever exactamente o que pretendia ver feito, nem havia informação visual como temos hoje em dia. Tudo o que tínhamos eram filmagens do King Kong e os macacos no jardim zoológico. Agora estamos todos informados sobre o aspecto possível dos pré-humanos e animais pré-humanos, mas na altura não havia referências e nem Stanley nos conseguia dizer o que queria visualmente, nem aquele trabalho tinha sido alguma vez feito por isso estavamos a descobrir novos terrenos. Era como ir à Lua para a indústria do Cinema, era completamente novo, tudo o que fazíamos era novo, eu sabia que Stanley não aceitava ninguém medíocre nos seus filmes. Tinha o Douglas Trumbull que é da minha idade, temos diferença de um ano, e estava a fazer os efeitos ópticos, os novos efeitos , em oposição ao Wally Veevers que fazia os tradicionais. Ele cumpriu e o departamento artístico cumpriu o que Stanley queria.
Era um homem muito reservado no cenário. Tinha sempre simpatia pelos operadores de câmera, técnicos de luz, assistentes de câmera, toda a gente em proximidade imediata da câmera. Eles eram o seu alter-ego. Ele queria fazer tudo, mas precisava dessas pessoas à volta. Além deste núcleo fechado tinha o departamento artístico, dos efeitos especiais modeladores e gente assim, mas gostava de manter o cenário fechado, não gostava de visitas.
Insistindo num cenário fechado, as pessoas que não estivessem envolvidas no trabalho que estava a ser feito, eram mantidas fora do cenário. Mas descobri nos vinte meses que lá estive, que podia entrar no cenário, ver o que ele estava a fazer e estar lá, se estivessem a filmar podia ver a filmagem, e não havia objecções por parte dele. Olhando para trás, e sabendo o privilégio que aquilo foi, percebo que "este jovem faz o trabalho dele, não me causa problemas, ele vem ver de forma inteligente, é um jovem inteligente, vê o que estamos a fazer e vai embora, não fica por ali, não atrapalha". Tive esse privilégio de poder entrar no cenário mesmo não estando a contribuir para o que se estava a passar nesse instante.
A: O seu contributo mais conhecido para o filme foi na cena dos macacos. Esteve envolvido na starchild?
CA: Quanto à famosa starchild tem uma história curiosa. Stuart Freeborn foi ao estúdio dos meus pais e pediu à minha mãe que fizesse uma escultura para esse ser. Ela esculpiu um, levou-o ao estúdio e de algum modo a produção sabia que eu conhecia essa senhora, Dorothy Dealtry, e fui apresentado à minha própria mãe em frente a Kubrick.
Há alguns anos a minha mãe estava a deitar fora uns esboços de conceito feitos pelo Tony Masters para a starchild. Foi impedida pela Sarah (Polley, esposa de Colin Arthur) de continuar e por isso ainda se conseguiu preservar esse bocado de história. Depois disso o trabalho passou para uma Jane – não me lembro do apelido - que fez também a mobília de "Clockwork Orange".
Não me recordo bem da técnica, mas seria algo do género estrutura em fibra de vidro, pintada de branco e com tinta reflectora, usando retro-projecção. [...] Alguém teve a ideia de colocar luzes à volta da câmara que seriam reflectidas a 90 ou 100% pela criança na direcção da câmara. Se se lembram da cena em que o leopardo salta sobre o hominídeo, os olhos têm um brilho intenso. Isso é porque foi filmado recorrendo à retro-projecção e os olhos dele funcionam como os sinais de trânsito da 3M.
A: Quando vê "2001" sente-se orgulhoso do seu trabalho?
CA: Muitos aspectos nas máscaras dos macacos foram feitos melhor anos depois por Rick Baker e um assistente meu que foi trabalhar para ele em "Greystone". "Planet of the Apes" não, isso é diferente. Alguns aspectos da coreografia, dos movimentos, sinto que não funcionaram, mas aparte isso foi um fantástico filme.
A: Mas ainda está orgulhoso do filme?
CA: Oh, sim, tenho de estar. Tive a sorte de se tornar um clássico como "Conan" e "NeverEnding Story" se tornaram clássicos, como "Alien" se tornou um clássico e outros seis ou sete depois desses, por isso fui muito sortudo.
A: Estão a refazer tantos dos seus filmes, está envolvido em algum dos remakes?
CA: Não, estou um pouco surpreendido que não me tenham contactado para o "Clash of the Titans", até um pouco desapontado. A indústria do cinema é para os jovens, eles têm as suas próprias ideias, reúnem uma equipa pequena e dizem "vamos fazer isto, vamos fazer aquilo", não penso que o segundo "Clash of the Titans" seja tão bom filme como o primeiro, como o que fiz com Ray Harryhausen. Elogiaram-nos copiando sequências, a maioria das sequências do original, por vezes frame a frame na sala de montagem. Não conseguiram fazer bem uma cena que foi totalmente feita pelo Ray: a cena da Medusa. Se pensarem que foi feito com um boneco de borracha do tamanho de uma mão, e um cenário miniatura, e ele move uma câmera à volta e faz stop motion, e a tensão nessa cena é fenomenal! Acho que perderam isso no segundo "Clash of the Titans".
A: Ainda tem clientes competindo contra os CGI?
CA: Sim, tanto trabalhando ao lado dos CGI, como em projectos em que realizadores e produtores rejeitam CGI. A novidade está a estabilizar e as pessoas, os realizadores dizem "esta cena não vamos fazer em CGI". Às vezes é melhor para o filme. O CGI tem a sua aplicação, e as técnicas tradicionais, os modelos e o stop motion, têm a sua.
A: A sua fábrica de sonhos (a empresa de Colin Arthur chama-se Dream Factory) continua a fazer sonhar?
CA: Eu continuo. Ainda no fim-de-semana passado concretizamos o sonho de um realizador, fornecendo exactamente o que ele queria, e isso foi há uma semana! A Dream Factory como grande estúdio fechou há um ano e um mês, mas a Sarah e eu continuamos.
A: E os sonhos contiuam...
CA: Os meus sonhos continuam, sim.
Sarah Polley: E estás a voltar para a escultura.
CA: Estou a voltar para a escultura, muito mais do que nos últimos dez anos.
A: Também fez uns anúncios para empresas de Portugal….
CA: Há uma produtora chamada Alexandra, talvez a conheça, que tem passado muito trabalho para a Dream Factory nos últimos dez anos. Ela estava a trabalhar com diversas empresas de publicidade e chamava-nos constantemente para fazer coisas para ela. Fizemos trabalhos impressionantes. O anúncio Super Bock foi um prazer fazer porque tinha andado a desenvolver algumas técnicas de animatronics com água por vários anos e para fazer as asas dessa filmagem a água era o material ideal. Fiquei muito agradado com o que conseguimos. Estava preocupado com o peso do que estávamos a construir. Era para um tipo bastante grande, tinha mais de dois metros de altura, e ele estava com a armação quando o realizador diz "podemos usar isso numa mulher?" Era uma mulher muito magra (a modelo Diana Pereira), as asas tinham cinco metros de envergadura e aquilo funcionou em todos os aspectos. Se eu tivesse sabido essa técnica quando estava a filmar "Neverending Story", Falco teria tido asas.
A: Esse anúncio foi inclusivamente premiado.
CA: Ganhou uns prémios, mais não sei quais. Normalmente os produtores não nos passam essa informação. Fazemos o trabalho e uns anos depois "ah, isso ganhou um prémio qualquer". Nem se dão ao trabalho de nos enviar uma cópia do certificado. É a vida.
O nosso agradecimento a Colin Arthur pela disponibilidade, pela simpatia e pela sua carreira.
Antestreia: Como foi a experiência de trabalhar com Kubrick?
Colin Arthur: Retrospectivamente diria que foi um privilégio. Na altura era muito novo, um jovem a trabalhar com o Stuart Freeborn, a aprender, mas ao mesmo tempo a dar ao departamento do SF o que precisavam para corresponder às ideias de Stanley. Ele não era capaz de descrever exactamente o que pretendia ver feito, nem havia informação visual como temos hoje em dia. Tudo o que tínhamos eram filmagens do King Kong e os macacos no jardim zoológico. Agora estamos todos informados sobre o aspecto possível dos pré-humanos e animais pré-humanos, mas na altura não havia referências e nem Stanley nos conseguia dizer o que queria visualmente, nem aquele trabalho tinha sido alguma vez feito por isso estavamos a descobrir novos terrenos. Era como ir à Lua para a indústria do Cinema, era completamente novo, tudo o que fazíamos era novo, eu sabia que Stanley não aceitava ninguém medíocre nos seus filmes. Tinha o Douglas Trumbull que é da minha idade, temos diferença de um ano, e estava a fazer os efeitos ópticos, os novos efeitos , em oposição ao Wally Veevers que fazia os tradicionais. Ele cumpriu e o departamento artístico cumpriu o que Stanley queria.
Era um homem muito reservado no cenário. Tinha sempre simpatia pelos operadores de câmera, técnicos de luz, assistentes de câmera, toda a gente em proximidade imediata da câmera. Eles eram o seu alter-ego. Ele queria fazer tudo, mas precisava dessas pessoas à volta. Além deste núcleo fechado tinha o departamento artístico, dos efeitos especiais modeladores e gente assim, mas gostava de manter o cenário fechado, não gostava de visitas.
Insistindo num cenário fechado, as pessoas que não estivessem envolvidas no trabalho que estava a ser feito, eram mantidas fora do cenário. Mas descobri nos vinte meses que lá estive, que podia entrar no cenário, ver o que ele estava a fazer e estar lá, se estivessem a filmar podia ver a filmagem, e não havia objecções por parte dele. Olhando para trás, e sabendo o privilégio que aquilo foi, percebo que "este jovem faz o trabalho dele, não me causa problemas, ele vem ver de forma inteligente, é um jovem inteligente, vê o que estamos a fazer e vai embora, não fica por ali, não atrapalha". Tive esse privilégio de poder entrar no cenário mesmo não estando a contribuir para o que se estava a passar nesse instante.
A: O seu contributo mais conhecido para o filme foi na cena dos macacos. Esteve envolvido na starchild?
CA: Quanto à famosa starchild tem uma história curiosa. Stuart Freeborn foi ao estúdio dos meus pais e pediu à minha mãe que fizesse uma escultura para esse ser. Ela esculpiu um, levou-o ao estúdio e de algum modo a produção sabia que eu conhecia essa senhora, Dorothy Dealtry, e fui apresentado à minha própria mãe em frente a Kubrick.
Há alguns anos a minha mãe estava a deitar fora uns esboços de conceito feitos pelo Tony Masters para a starchild. Foi impedida pela Sarah (Polley, esposa de Colin Arthur) de continuar e por isso ainda se conseguiu preservar esse bocado de história. Depois disso o trabalho passou para uma Jane – não me lembro do apelido - que fez também a mobília de "Clockwork Orange".
Não me recordo bem da técnica, mas seria algo do género estrutura em fibra de vidro, pintada de branco e com tinta reflectora, usando retro-projecção. [...] Alguém teve a ideia de colocar luzes à volta da câmara que seriam reflectidas a 90 ou 100% pela criança na direcção da câmara. Se se lembram da cena em que o leopardo salta sobre o hominídeo, os olhos têm um brilho intenso. Isso é porque foi filmado recorrendo à retro-projecção e os olhos dele funcionam como os sinais de trânsito da 3M.
A: Quando vê "2001" sente-se orgulhoso do seu trabalho?
CA: Muitos aspectos nas máscaras dos macacos foram feitos melhor anos depois por Rick Baker e um assistente meu que foi trabalhar para ele em "Greystone". "Planet of the Apes" não, isso é diferente. Alguns aspectos da coreografia, dos movimentos, sinto que não funcionaram, mas aparte isso foi um fantástico filme.
A: Mas ainda está orgulhoso do filme?
CA: Oh, sim, tenho de estar. Tive a sorte de se tornar um clássico como "Conan" e "NeverEnding Story" se tornaram clássicos, como "Alien" se tornou um clássico e outros seis ou sete depois desses, por isso fui muito sortudo.
A: Estão a refazer tantos dos seus filmes, está envolvido em algum dos remakes?
CA: Não, estou um pouco surpreendido que não me tenham contactado para o "Clash of the Titans", até um pouco desapontado. A indústria do cinema é para os jovens, eles têm as suas próprias ideias, reúnem uma equipa pequena e dizem "vamos fazer isto, vamos fazer aquilo", não penso que o segundo "Clash of the Titans" seja tão bom filme como o primeiro, como o que fiz com Ray Harryhausen. Elogiaram-nos copiando sequências, a maioria das sequências do original, por vezes frame a frame na sala de montagem. Não conseguiram fazer bem uma cena que foi totalmente feita pelo Ray: a cena da Medusa. Se pensarem que foi feito com um boneco de borracha do tamanho de uma mão, e um cenário miniatura, e ele move uma câmera à volta e faz stop motion, e a tensão nessa cena é fenomenal! Acho que perderam isso no segundo "Clash of the Titans".
A: Ainda tem clientes competindo contra os CGI?
CA: Sim, tanto trabalhando ao lado dos CGI, como em projectos em que realizadores e produtores rejeitam CGI. A novidade está a estabilizar e as pessoas, os realizadores dizem "esta cena não vamos fazer em CGI". Às vezes é melhor para o filme. O CGI tem a sua aplicação, e as técnicas tradicionais, os modelos e o stop motion, têm a sua.
A: A sua fábrica de sonhos (a empresa de Colin Arthur chama-se Dream Factory) continua a fazer sonhar?
CA: Eu continuo. Ainda no fim-de-semana passado concretizamos o sonho de um realizador, fornecendo exactamente o que ele queria, e isso foi há uma semana! A Dream Factory como grande estúdio fechou há um ano e um mês, mas a Sarah e eu continuamos.
A: E os sonhos contiuam...
CA: Os meus sonhos continuam, sim.
Sarah Polley: E estás a voltar para a escultura.
CA: Estou a voltar para a escultura, muito mais do que nos últimos dez anos.
A: Também fez uns anúncios para empresas de Portugal….
CA: Há uma produtora chamada Alexandra, talvez a conheça, que tem passado muito trabalho para a Dream Factory nos últimos dez anos. Ela estava a trabalhar com diversas empresas de publicidade e chamava-nos constantemente para fazer coisas para ela. Fizemos trabalhos impressionantes. O anúncio Super Bock foi um prazer fazer porque tinha andado a desenvolver algumas técnicas de animatronics com água por vários anos e para fazer as asas dessa filmagem a água era o material ideal. Fiquei muito agradado com o que conseguimos. Estava preocupado com o peso do que estávamos a construir. Era para um tipo bastante grande, tinha mais de dois metros de altura, e ele estava com a armação quando o realizador diz "podemos usar isso numa mulher?" Era uma mulher muito magra (a modelo Diana Pereira), as asas tinham cinco metros de envergadura e aquilo funcionou em todos os aspectos. Se eu tivesse sabido essa técnica quando estava a filmar "Neverending Story", Falco teria tido asas.
A: Esse anúncio foi inclusivamente premiado.
CA: Ganhou uns prémios, mais não sei quais. Normalmente os produtores não nos passam essa informação. Fazemos o trabalho e uns anos depois "ah, isso ganhou um prémio qualquer". Nem se dão ao trabalho de nos enviar uma cópia do certificado. É a vida.
O nosso agradecimento a Colin Arthur pela disponibilidade, pela simpatia e pela sua carreira.
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