Devido a sobreposição de festivais não será possível acompanhar o Black & White 2011 in loco. No entanto o cinema a preto e branco terá um destaque especial no blog esta semana.
Para abrir as hostilidades, António Reis fala-nos da colorização de filmes.
Preto e branco a cores
Nada melhor do que recorrermos à ironia do filme de Jean-Jacques Annaud - "Preto e Branco a Cores" - para se reflectir sobre aquela que foi uma das grandes polémicas recentes do cinema que é a colorização de filmes preto e branco. Diferentes níveis de análise deveriam ser tentados na abordagem de um tema tão fracturante entre os cinéfilos:
Em primeiro lugar a questão técnica dos filmes que forma filmados por imperativos de suporte material a preto e branco. Em segundo lugar que foram por opção, filmados a preto e branco quando a técnica já suportava a escolha da cor. E por último a colorização dos filmes a preto e branco por razões comerciais.
Nos inícios do cinema o preto e branco não se colocava sequer como opção técnica de filmes de iamgem real ainda que Méliès e Porter entre outros faziam a tintagem manual dos fotogramas a exemplo do que a fotografia fazia com relativa frequência nos finais do século XIX. Como a técnica estava atrasada relativamente à imagem real que era colorida, é redundante tecer-se considerações sobre o desejo dos realizadores copiarem a realidade, nomeadamente a nível da cor. A tintagem a posteriori revelava sempre um tom artificial e pouco realista ainda que se compreenda que o efeito sobre o espectador deveria ser poderoso. Convém não esquecer que estávamos numa fase em que o cinema replicava a fotografia e em certa medida vinha num segundo plano em termos de inovação técnica. No entanto teoricamente não deixa de ser interessante pensar-se se as prodigiosas visões de Méliès ou de Griffith ganhariam outra dimensão se lhes acrescentássemos a cor.
Num segundo nível podemos encontrar uma justificação estética para o uso do preto e branco. Seja por razões de densidade psicológica dos personagens ou do ambiente, por opções sociológicas a que a própria designação de film noir não é alheia, ou por opções narrativas em que erroneamente muitas vezes se intercalam filmes coloridos com extractos a preto e branco, como alertas ao espectador para flashbacks ou sequências oníricas. Assim como a fotografia opta deliberadamente pelo preto e branco como escolha estética para valorizar o essencial e não nos distrair com o acessório da cor, também o cinema encontra, nos cambiantes entre o preto e o branco, uma justificação perfeitamente aceitável para retratar um real onde o negro tenha um carácter simbólico ou metafórico.
Mais complexa e discutível foi a opção iniciada entre outros por Ted Turner de, por motivos exclusivamente televisivos, ter ido à sua biblioteca cinematográfica e iniciar uma autêntica Caixa de Pandora que foi colorizar tudo o que estava a preto e branco. Talvez o caso mais mediático que arrastou polémicas intensas fosse o de "Casablanca", sendo certo que aí os resultados da colorização fossem mais que problemáticos dado o completo artificialismo da tintagem por computador. Se o argumento a favor era o de propiciar a experiência de ver esse filme às novas gerações, obcecadas pela televisão e completamente deslumbradas pela cor que lhes era servida como critério standard, as críticas entretanto surgidas da parte de cinéfilos mais puristas e mesmo de escrupulosos defensores dos direitos da propriedade intelectual, trouxeram para debate um tema que, de outra forma, talvez não merecesse tanto destaque.
Para além dos condicionalismos legais sobre a propriedade intelectual do filme e os direitos de manipulação da obra de arte por terceiros, aquilo que mais chocou os amantes do cinema e que foi entendido como quase um crime ao Cinema foi essa eventualidade de se pegar numa qualquer obra de arte e transmutá-la ao gosto de critérios meramente comerciais. Se partilho a convicção de que uma obra de arte é pertença do seu autor e deve ser mantida da forma como foi criada, compreendo também que a colorização de filmes permite sempre que se retroceda nos comandos para a opção preto e branco. Mas mesmo assim não consigo imaginar o carácter obscuro e obsessivo de por exemplo "O Terceiro Homem" de Carol Reed a cores, nem entendo a melhoria substantiva de "Casablanca" a cores. E muito menos apreciaria "A Lista de Schidler" se lhe acrescentássemos mais tinta no ecrã.António Reis
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